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quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

ARTIGO: Futebol

O futebol profissional está podre. Decididamente. E de nada servem os branqueamentos que repetidamente têm sido ensaiadas com a cumplicidade da imprensa desportiva portuguesa, a quem falta a coragem de assumir uma postura mais distantes dos centros de decisão e de denunciar factos, comportamentos, decisões e outras matérias ainda mal explicadas, que têm minado a credibilidade do futebol nacional. Mas não é de hoje esse estado catastrófico em que ele se encontra, mas de há muitos anos, há tempo demasiado para que hoje aceitemos passivamente, que andem por aí algumas carpideiras a chorar lágrimas de crocodilo, tentando sacudir do capote as responsabilidades pelo estado a que se chegou. Quando foi tempo de agir, quando foi tempo de impor a depuração, quando foi tempo de forçar a investigação, de acelerar o combate à corrupção, às suspeições e concretizar os processos judiciais, tudo foi abafado, porque o futebol profissional continua a viver numa redoma controlada por meia dúzia de privilegiados e a querer ser uma espécie de mundo à parte, embora vivendo dos favores, dos fretes, dos dinheiros públicos, enfim, à custa de todos nós. Paradoxalmente, foi um livro perfeitamente estapafúrdio a despoletar o que parece ser a evolução natural do processo “Apito Dourado” que muitos julgavam morto, mas que poderá conhecer – assim, se espera – uma segunda fase, decisiva, da qual deverão sair esclarecimentos, provas e punições exemplares para os prevaricadores. Há que acabar com esta impunidade que tem afastado os portugueses do futebol e diluído inquestionavelmente a disputa e a rivalidade clubística que hoje não tem rigorosamente nada a ver com o que se vivia no passado. Quando os “majores”, os “pintos”, os “vieiras”, os oliveiras, os empresários, as transferências, a televisão, os “milhões”, etc, não atraíam tantos interesses, tantos sanguessugas, tantos “aspiradores”… O futebol profissional não pode ser mais um “mundo” à parte, onde todos fazem o que querem, seguros de que ninguém lhes faz nada. A justiça é a justiça portuguesa. Não há excepções, não pode haver uma justiça desportiva, e uma justiça para os cidadãos. E se for preciso dar um exemplar safanão à UEFA e a todos os organismos desportivos internacionais, então levemos os assuntos até às últimas consequências, ao Parlamento Europeu, às instâncias judiciais europeias, a quem for preciso para que se meta a UEFA na ordem. E não venham com a treta da globalização. Nunca mais podemos deixar tudo como está, como se nada se tivesse passado, como se o futebol profissional fosse um mundo exemplar. Uma zanga de amantes amuados, com alegadas agressões, olhos negros, brincadeiras do “capuchinho vermelho” e do “lobo mau”, com atributos pessoais, tentativas de extorsão à mistura e amores perdidos, etc, tudo isso parece ter dado corpo a um livro publicado pela “D. Quixote” (se não tivesse a certeza do sucesso das vendas, certamente que nunca se envolveria nesta edição), trouxe factos novos, alguns conhecidos, outros ouvidos aqui e além, que mostram a dimensão da podridão do mundo do futebol e, pior do que isso, colocam a descoberto o que se pode considerar do lado mais criminoso, mais mafioso e mais violento dos subterrâneos do apodrecido futebol profissional português. Desta feita parece que o tiro lhes vai sair pela culatra. Porradas por encomenda, ameaças a magistrados, perseguições, etc, tudo isso foram factores suficientes, demasiado graves, para que o Ministério Público actuasse. E fê-lo de uma forma que promete polémica, mas ao mesmo tempo a convicção de que vamos, finalmente, ficar a saber alguma coisa de novo e de concreto. E porque motivo? Simplesmente pelo facto de Maria José Morgado ter sido envolvida no processo do “Apito Dourado” por decisão do novo Procurador-Geral da República. Ficamos a saber – e admito que exista gente que já não durma bem a partir de hoje – que a procuradora-geral adjunta, Maria José Morgado, vai coordenar os processos relacionados com a operação “Apito Dourado”, sobre a corrupção no futebol, decisão que partiu da Procuradoria-Geral da República. Segundo a imprensa, o processo principal está na fase de instrução no Tribunal de Gondomar tendo sido emitidas algumas dezenas de certidões que foram remetidas para variadas comarcas, entre as quais as relacionadas com a agressão do ex-vereador do PS Ricardo Bexiga e a eventual fuga de informação que impediu a detenção de Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do FC Porto. Maria José Morgado, considerada uma dura, com uma posição implacável em relação à corrupção, assumiu entre 2000 e Agosto de 2002 a chefia da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira da Polícia Judiciária, sendo actualmente procuradora-geral adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa. No mesmo dia em que esta notícia foi divulgada – o que não deixa de ser curioso – Almeida Pereira, o número dois do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto, recusou fazer parte da lista do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que tinha sido apresentada na véspera. Consta que o procurador da República terá recuado devido à insistência de outros magistrados, que o terão alertado para o melindre da situação. Esta decisão surgiu depois da renúncia de João Ramos, procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 27 Dez 2006

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