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Opinião e coisas do nosso mundo...

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Artigo: A “tribo”...

Durante mais de 20 anos, fiz parte de uma “tribo” – como uma pessoa amiga com frequência me refere – da qual me orgulho e da qual guardo saudades. Fiz parte de uma “tribo” onde conheci gente de extraordinária elevação e competência, muitos deles já partiram, mas aos quais a todos sem excepção, recordo. Fiz parte de uma “tribo” que primava então por laços de solidariedade pessoal e de amizade que não eram questionados, que ferozmente defendíamos, e que julgo não serem comparáveis aos que hoje existem, já que as regras do jogos e foram alterando ao longo dos anos, a disputa concorrencial é maior, a própria instabilidade profissional é inegável, etc., pelo que o relacionamento pessoal acaba por deixar-se influenciar por disputas que não deveriam ter nada a ver com essa solidariedade corporativista, que não me incomoda, pelo contrário, que entendo deveria ser cada vez mais consolidada. Fiz parte de uma “tribo” de gente séria – tal como todas as “tribos” não há apenas gente perfeita, pois qualquer humano comete erros – que pensava de forma muito diferente, na qual existiam opções divergentes, mas que tinha princípios deontológicos e que, pelas contingências da própria história, política e social, do país e da região, passou por uma tremenda mudança na sociedade regional, por uma revolução que chegou a atingir um extremismo tal em que o respeito pelos outros quase que se perdia. Sem ser procurador – porque não quero, não devo, nem posso – dessa “tribo”, hoje substancialmente alterada na sua estrutura, mais numerosa, mais qualificada, mais diversificada quer em sexo e idade, mas porventura mais dispersa e, parecendo de quando em vez menos solidária, continuo a sentir hoje uma grande repulsa em envolver-me em ataques, muitos deles fruto de uma relação amor-ódio que existiu, existe e existirá sempre, entre jornalismo e política e que, inevitavelmente, acaba por condicionar o próprio exercício da actividade profissional. Mas, bem vistas as coisas, os políticos não passam sem a comunicação social, porque sem o recurso aos meios de comunicação, não existem políticos conhecidos. Alguém concebe a política sem comunicação social? Alguém concebe a actividade partidária, a actividade governativa, as campanhas eleitorais, os tempos de antena, a divulgação de propostas e/ou documentos, sem jornalistas, sem a comunicação?
Eça de Queiroz (”A Correspondência de Fradique Mendes”), dizia que “nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as acções – mesmo as boas (...) Para aparecerem no jornal, há assassinos que assassinam (...) O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia”. No fundo indo ao encontro de Mohandas Gandhi (”Memórias”), para quem a imprensa “é uma grande potência, mas como uma torrente em fúria submerge a planície e devasta as colheitas, da mesma forma uma pena sem controlo serve para destruir. Se o controle vem do exterior, o efeito é ainda mais nocivo do que a falta de controlo; só pode ser aproveitável se for exercido interiormente”.
Obviamente que não reivindico uma “tribo” perfeita. O perfeccionismo não existe. Nem no jornalismo, n em na política. Sabemos que em todas as “tribos”, há desvios, há erros, há comportamentos pouco dignificantes e nada exemplares. Mas a regra não pode ser alterada pela excepção, por uma ou várias poucas excepções. O presente e o futuro do jornalismo tem muito a ver com a credibilidade que se conquista, com o respeito pela verdade, pela preservação de uma postura de total distanciamento em relação aos factos e aos seus protagonistas. Um meio de comunicação social, público ou privado, jornal ou televisão, rádio ou revista. Encontra receptividade junto das pessoas se conseguir manter um padrão ético, se tiver presente que a liberdade de imprensa, com todos os seus defeitos e virtudes, certamente muitas mais virtudes que defeitos, é um dos pilares fundamentais de qualquer regime democrático. Johann Wolfgang von Goethe (“Máximas e Reflexões") é conhecido pela forma viole ta como lidava com a comunicação social, particularmente com a imprensa, embora suscitando a reflexão: “só quando se passa alguns meses sem ler os jornais e depois se lêem todos em conjunto é que nos damos conta do tempo que perdemos com essa papelada. O mundo andou sempre dividido em partidos – hoje mais que nunca – e o jornalista, sempre que se prolonga uma situação indefinida, trata de seduzir este ou aquele partido, alimenta dia após dia a sua inclinação ou a sua repulsa por cada uma das facções, até que chega finalmente o momento em que os factos se decidem. E o acontecimento passa então a ser admirado como se fosse coisa divina.”

Carlos Daniel, jornalista da RTP, e conhecido adepto do FC do Porto, dizia recentemente que o “Carlos Daniel enquanto jornalista pugnava pela independência e pelo respeito escrupuloso da ética e da deontologia, embora as pessoas saibam que o Carlos Daniel enquanto cidadão, tem as suas opções clubistas”. O problema reside aqui, nas pessoas acreditarem que o Carlos Daniel, enquanto profissional da comunicação social, é um exemplo de isenção e de distanciamento, como de facto sempre se tem revelado. É como ir à lota comprar peixe e ter que escolher ou em função das suas preferências, ou ser “manipulado” pelas sugestões do vendedor que certamente procurará vender-lhe o peixe que ele quer vender, independentemente da sua preferência e interesse. Julgo que é esta perspectiva que, na política, não é vista de uma forma tão consistente. Um jornalista politicamente “marcado”, e basta ter sido assessor de um ministro X de um governo Y, apoiado pelo partido Z. Não me repugna rigorosamente nada que um jornalista nestas condições, porque foi convidado a exercer funções no âmbito da sua especialização e do seu conhecimento profissional, regresse à actividade profissional anterior, desde que pautando o seu exercício por conduta e normas essenciais e que rigidamente devem ser observadas.
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 28 de Agosto 2007

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