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Opinião e coisas do nosso mundo...

sexta-feira, 7 de março de 2008

Opinião: INCÓMODO E INCONVENIENTE…

As pessoas, sobretudo na política, olham para organizações como a “Sedes” – que reúnem especialistas conotados com várias ideologias e até partidos, mas que não podem ser consideradas alinhadas com uma determinada força partidária em concreto – com desconfiança e em função do conteúdo da intervenção. Ou seja, uma tomada de posição crítica, inconveniente e incómoda, num dado momento ou conjuntura e para um determinado governo ou partido, é logo abafada. Um, quanto muito dois dias, são suficientes para que essa posição “desapareça” dos meios de comunicação social que passam a dar prioridade a outros factos (que ajudam as audiências ou a vender…), pelo que os portugueses, muitos deles, acabam por nem ter acesso a essas tomadas de posição de instituições não governamentais ou políticas.
A “Sedes” não é propriamente uma organização recente. Tem história, tem, percurso, é relativamente conhecida nalguns sectores da sociedade portuguesa, tem credibilidade, tem pessoas de reconhecida competência e saber. Pode-se naturalmente discordar das suas posições – até porque ninguém é dono da verdade absoluta - da sua visão global dos problemas, sobretudo daqueles que, pela complexidade, dificilmente consegue consenso social. Pode-se inclusivamente entender que organismos desta natureza são essencialmente analíticos, não apontando por isso, e regra geral, alternativas plausíveis, limitando-se a um enumerar deficiências associadas a um discurso crítico, por vezes contundente. Obviamente que há uma substancial diferença, em termos de impacto e de receptividade pelas pessoas, entre as tomadas de posição de organismos deste tipo, e o discurso de partidos ou de organizações que, mesmo camufladamente, estão associadas directamente a partidos políticos ou por estes são manietadas ou manipuladas.
Vem tudo isto – alguns dirão que se trata de uma “ladainha”, sobretudo os mais incomodados com o documento em questão – a propósito de uma tomada de posição da “Sedes”, revelada no final do mês passado que foi prontamente desvalorizada e, tal como disse, ainda mais rapidamente se esfumou da agenda mediática.
Recordemos a primeira passagem desse texto:
“ Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional. Nem todas as causas desse sentimento são exclusivamente portuguesas, na medida em que reflectem tendências culturais do espaço civilizacional em que nos inserimos. Mas uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias. Não podemos, por isso, ceder à resignação sem recusarmos a liberdade com que assumimos a responsabilidade pelo nosso destino. Assumindo o dever cívico decorrente de uma ética da responsabilidade, a SEDES entende ser oportuno chamar a atenção para os sinais de degradação da qualidade da vida cívica que, não constituindo um fenómeno inteiramente novo, estão por detrás do referido mal-estar”. Estava dado o mote do documento.
E não se julgue que as ”coisas” se ficaram por aqui e que o próprio sistema político e partidário não foi alvejado: “Ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político. É uma situação preocupante para quem acredita que a democracia representativa é o regime que melhor assegura o bem comum de sociedades desenvolvidas. O seu eventual fracasso, com o estreitamento do papel da mediação partidária, criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas, etc. Importa, por isso, perseverar na defesa da democracia representativa e das suas instituições. E desde logo, dos partidos políticos, pilares do eficaz funcionamento de uma democracia representativa. Mas há três condições para que estes possam cumprir adequadamente o seu papel.
Têm, por um lado, de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; por outro lado, a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo; finalmente, não devem ser um objectivo em si mesmos... É por isso preocupante ver o afunilamento da qualidade dos partidos, seja pela dificuldade em atrair e reter os cidadãos mais qualificados, seja por critérios de selecção, cada vez mais favoráveis à gestão de interesses do que à promoção da qualidade cívica. E é também preocupante assistir à tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural. Estas tendências são factores de empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica. O que, em última instância, não deixará de se reflectir na qualidade de vida dos portugueses”. Digam-me lá, se fazem o favor, se depois de lerem atentamente o que a “Sedes” aqui refere, se o sistema político e os partidos têm ou não motivos mais do que suficientes para neutralizarem, o impacto informativo deste documento? Obviamente que sim. É tudo uma questão de sobrevivência do sistema e dos seus actores, estejam eles hoje no poder e na oposição ou amanhã invertam posições, numa rotatividade que a todos parece agradar.
Voltarei, inevitavelmente, ao assunto.

Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 07 de Março de 2008)

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