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quarta-feira, 18 de junho de 2008

Opinião: IRLANDA, GRANDE IRLANDA….

Eu acho absurdo – mas esta é a minha opinião - que dirigentes europeus, alguns deles com experiência política que deveria ser suficiente para os conter, se andem a envolver, de uma forma tão descarada e demasiado pressionante, ainda por cima nesta fase, quando ainda pairam no ar os “odores” da vitoria do “Não” no referendo irlandês, não só porque isso pode irritar ainda mais os eleitores da Irlanda e agravar o sentimento anti-europeista que ali existe, como pode inclusivamente começar a incomodar os próprios dirigentes irlandeses e estender esse fenómeno a outros países europeus que, nas costas do povo e com recurso à figura absurda da ratificação parlamentar, impuseram um Tratado que ninguém conhece, que as pessoas não sabem que implicações positivas ou negativas terá para a Europa, sem se preocuparem em saber o que sobre ele pensam as pessoas. Mas, bem vistas as coisas, pela inércia, pela passividade, pelo acomodamento, pelo alheamento, os europeus até merecem que lhes façam isso e muito mais. No caso da Irlanda, até por razões culturais e históricas, acho que é tempo perdido este frenesim de Barroso, Sarkosy e outros líderes europeus histéricos que acham que somos todos obrigados a pensar como eles pensam e a decidir em liberdade desde que votando como eles querem. Os irlandeses deram-lhes um exemplo. Que lhes sirva de lição.
Mas em torno deste problema – realmente é um problema político grave, por muito complicada que seja a aldrabice ou a patifaria que andam a preparar para contornarem os resultados irlandeses, comportamento no qual Barroso está envolvido até à cabeça – colocam-se outros. Desde logo um que tem a ver com o realismo evidenciado pela presidência eslovena, em funções, que sabe que não se pode abrir agora um precedente sob pena da Europa ficar abandalhada, sem regras, minada por interesses nacionais e entregue a meia dúzia de líderes europeus que se julgam donos do “quintal”. Lembro que a presidência eslovena da União Europeia advertiu para a necessidade de reflectir e analisar o chumbo irlandês ao Tratado de Lisboa, considerando “ser cedo e arriscado dizer que será possível salvar o acordo: “Seria arriscado afirmar que vamos voltar a dar vida ao Tratado quando estamos perante um obstáculo”, salientou o ministro dos Negócios Estrangeiros esloveno, Dimitrij Rupel. O ministro considerou "ser demasiado cedo para começar a propor soluções" para o problema que voltou a mergulhar a Europa numa crise institucional”. Já antes dele, o próprio primeiro-ministro irlandês, Brian Cowen, considerara que a rejeição do tratado reformador é um problema de toda a União e não apenas a Irlanda, admitindo, tratar-se de um “doloroso dilema que o país tem de resolver, apesar de não encontrar soluções que lhe pareçam evidentes”.
É neste quadro que acho patéticas as tentativas de imposição aos irlandeses de soluções. Luís Amado, por exemplo, entende que um segundo referendo será "o caminho mais natural" para superar o impasse criado pela rejeição do Tratado de Lisboa na consulta popular da Irlanda, mesmo que tivesse sublinhado que “seria um erro grave que a União Europeia pagaria caro, ignorar o que se passou e não respeitar a decisão livre do povo irlandês, num processo democrático". Mais longe, porque mais atrevidote, parece querer ir o presidente Sarkosy – a França assume a liderança da União em 1 de Julho – já que manifestou intenção de viajar até à Irlanda com o intuito de avaliar as possibilidades de ultrapassar a rejeição do Tratado de Lisboa pelos irlandeses.
E depois, questão nem sempre valorizada, há que ter presente que o Reino Unido nunca colocará em causa a solidariedade para com a Irlanda, impedindo o isolamento desta mesmo que o Tratado de Lisboa caia. E nem vou falar no relacionamento, histórico e cultural existente entre os Estados Unidos e a Irlanda. Numa demonstração do grau de dificuldade existente, recordo que ainda recentemente li na imprensa que “o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, prefere sacrificar o Tratado de Lisboa a permitir que a rejeição irlandesa origine uma Europa a duas velocidades, segundo fontes de Downing Street ontem citadas pelo Times. Apesar de quase um milhão de irlandeses, 53,4% dos eleitores, terem chumbado o tratado no referendo, vários líderes europeus, encabeçados pelo francês Nicolas Sarkozy e pela alemã Angela Merkel, afirmaram que era preciso levar o processo de ratificação até ao fim (nos oito países que ainda faltam), com o objectivo é pressionar a Irlanda a repetir o referendo depois de lhe serem concedidas algumas excepções, como fez a Dinamarca, após rejeitar Maastricht em 1992”. Contudo as coisas podem não se resolver desta forma: “Caso Dublin recuse esta opção ou a segunda consulta popular volte a dar resultado negativo poderia discutir-se a hipótese de a Irlanda sair da UE, embora, na prática, tal opção pareça pouco viável, deixando caminho livre aos que querem ir mais além na integração. Isso permitiria criar a tão discutida Europa a duas velocidades. Brown, político eurocéptico, num país de eurocépticos, não gosta da ideia, refere o Times, preferindo matar o Tratado de Lisboa a permitir que alguns Estados membros possam ser individualmente deixados à deriva no meio dessa chamada Europa de geometria variável. A somar a isto Brown enfrenta forte pressão da oposição, dos média e do próprio partido, o Labour, para deixar cair a ratificação do tratado, aproveitando o "Não" irlandês. Além dele também o Presidente da República Checa, Vaclav Klaus, poderia aproveitar para anular a ratificação do documento”. Lembro que o Tratado de Lisboa já foi ratificado por via parlamentar por 18 Estados-membros, sendo que a Bélgica, Chipre, Espanha, Holanda, Itália, Reino Unido, República Checa e Suécia ainda não concluíram esse mesmo processo.


Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 18 de Junho de 2008)

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