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quinta-feira, 29 de maio de 2008

Opinião: LIBERALIZAÇÃO

Vamos ver se nos entendemos, até para que não fiquemos confrontados com uma sempre perigosa especulação - que começa a aparecer entre os madeirenses face à ausência de explicações plausíveis – ou com a dúvida sobre o que estará subjacente a tudo isto. E não venham com a treta de que apenas uma minoria sabe do que falamos porque felizmente a maioria dos madeirenses já percebeu o que se passa, que foram cometidas falhas, que parecem existir desajustamentos entre as propostas feitas pelo grupo de trabalho constituído para o efeito, e constantes do seu relatório, e a legislação depois aprovada. Mais. Ninguém confunde a liberalização enquanto tal, com a defesa dos interesses dos residentes e dos estudantes. Portanto não usem abusivamente esta argumentação, como se não passássemos de uma cambada de analfabetos. Eu acho intolerável que, perante a situação criada, se tente defender algo que comprovadamente não funciona da melhor forma, pelo menos daquela que todos esperávamos.
Não admito que quem não tenha encargos com as suas deslocações ou com os filhos que estudam fora da Região, desvalorizem aspectos essenciais e que dizem respeito a milhares de pessoas e de famílias regionais. Ninguém confunde, eu não confundo a liberalização em si mesma, com este modelo de liberalização, caracterizado pela ausência de concorrência entre empresas na linha Madeira-Continente e pela institucionalização de um monopólio consubstanciado pela TAP e pela SATA, que opera em “codeshare” com a companhia de bandeira, dela dependendo em muitos aspectos, incluindo operacionais e de logística. Obviamente que as pessoas podem perguntar se não teria sido possível um período de transição que permitissem ao mercado, enquanto um todo global constituído por várias partes (agentes de viagens, companhias aéreas, utilizadores, etc), adaptar-se a novas regras. Mais. As pessoas podem interrogar-se porque motivo avançou a Madeira, tão aceleradamente para uma liberalização que supostamente seria a solução milagrosa para os problemas com os transportes aéreos, enquanto que os Açores ficaram de fora, assegurando a obrigatoriedade de cumprimento por parte da TAP do serviço público que no caso da Madeira deixou de existir.
A liberalização, qualquer liberalização, é sempre benéfica, porque o mercado funciona aberto e de acordo com regras que ele próprio gera (mas o caso dos combustíveis também não resulta de uma liberalização? E quem são os principais prejudicados com a especulação vigente, com aumentos dos preços quase diários?). Mas é preciso ter presente que a liberalização tem que implicar a defesa dos interesses dos residentes. Não podemos ver a liberalização apenas na perspectiva turística e dos interesses dos hoteleiros locais, até porque a realidade conjuntural internacional (preços dos combustíveis) pode ter efeitos nefastos no sector aéreo - encarecendo o custos das viagens - e, por tabela, no sector turístico e hoteleiro nos destinos tradicionais como a Madeira. Recordo que a TAP reconheceu que a linha da Madeira foi a mais importante em 2007, gerando um tráfego de mais de 500 mil passageiros. Recordo também que a TAP aumentou as taxas de combustível em três euros nos voos para a Europa (médio curso) e em dez euros nos voos intercontinentais (longo curso). Por isso, nos voos efectuados dentro da Europa (médio curso), a taxa de combustível passou a ser agora de 32 euros, enquanto que nos voos de longo curso essa taxa de combustível passou para 110 euros (a taxa de combustível foi criada em Agosto de 2004, com um governo do PSD em Lisboa…). A minha dúvida é saber até que ponto as “low cost” vão continuar a sobreviver com as tarifas que presentemente praticam.
Quando se fala na liberalização do mercado, no que à Madeira diz respeito, há componentes essenciais que devem ser tidas em consideração:

- a liberalização em si mesma, que ninguém contesta;
- o papel das chamadas “low cost”, sobre o qual existem dúvidas, nomeadamente se elas estarão realmente interessadas numa linha regular onde a companhia de bandeira, com mais de 500 mil passageiros por ano, tudo fará para os manter;
- que contrapartidas exigirão as “low cost” disponíveis para operarem numa linha como a da Madeira, de pequena dimensão, em termos de mercado, o que porventura explica o desinteresse da Ryanair que respondeu negativamente a todos os convites que lhe foram feitos até ao momento envolvendo a nossa região;
- o serviço público antes atribuído à companhia de bandeira (TAP) cujas obrigações deixaram de lhe ser exigidas a partir da liberalização;
- as alterações do tarifário para residentes e estudantes num contexto de efectiva garantia de combater a insularidade e garantir a coesão e continuidade territorial;
- a distinção entre a procura regional – os madeirenses que viajam para o Continente – e os pacotes turísticos/hoteleiros, vendidos no Continente, negociados pela própria TAP (através da sua agência) ou por agentes de viagens, que aproveitando os novos tarifários podem ter influência na captação de mais passageiros para a Região, embora o agravamento das condições económicas das famílias portuguesas e do seu endividamento, possa afectar a procura e inverter essa tendência.
Existem outras componentes a considerar numa discussão séria, pragmática e verdadeira, em torno deste problema:
- os interesses da TAP que por causa dos combustíveis já fala em despedimentos de funcionários
- os interesses das low cost e que encargos representarão para o orçamento regional
- os interesses dos hoteleiros, para os quais, numa lógica empresarial, o essencial são os níveis de ocupação e não a discussão sobre tarifas de residentes ou de estudantes universitários
- os interesses dos agentes de viagens, confrontados com responsabilidades acrescidas na procura de tarifas mais adequadas aos seus clientes e ameaçadas por medidas (redução das taxas) que a TAP está a introduzir como forma de incentivar o recurso a reservas directas através da Internet, agora que deixaram de ser emitidos os bilhetes em papel.
Uma nota final: não estou contra a liberalização, estou contra o modelo de liberalização num mercado mono-empresarial, onde não existe concorrência entre empresas, deixando as pessoas dependentes dos critérios da TAP/SATA, uma liberalização que, por causa disso, penaliza os interesses dos residentes e dos estudantes universitários, agravando as tarifas antes praticadas, dificultando a liberdade dos insulares poderem viajar – porque não têm outras alternativas - dado que não são todas as famílias que podem despender 300, 400 ou 500 euros por pessoa, cada vez que vão a Lisboa ou ao Porto. Por isso, e insisto, o modelo a funcionar como está a funcionar, é inadequado, não defende os residentes, enche os bolsos à empresa que protagoniza o monopólio, faz o Estrado poupar (devido redução das tarifas de residentes e estudantes) cerca de 40 a 50 milhões de euros anuais.

Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 29 de Maio de 2008)

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