Opinião: Desapertar o cinto?
O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, anunciou este fim-de-semana que o défice orçamental de 2007 vai ficar abaixo dos 3%, embora não tivesse precisado um valor mas afastando qualquer hipótese de redução dos impostos. Obviamente que o ministro das finanças não podia ter outro discurso, desde logo porque já percebeu que a conjuntura económica e mesmo financeira mundial continua muito volátil, persiste a ameaça de mais subidas das taxas de juro de referência por parte do Banco Central Europeu e vários especialistas mundiais já apontam para uma dramática subida do preço do barril do petróleo para valores superiores a 110 euros ao longo de 2008, factores que, conjugados, terão um impacto negativo na economia portuguesa, com repercussões, a se confirmarem estas previsões, que não podem ser antecipadas. Quer no poder de compra, já diminuto, dos portugueses, quer nos encargos com empréstimos bancários que condiciona os orçamentos familiares em muitos agregados. Depois dos elogios de Cavaco Silva, na mensagem de Ano Novo, à política orçamental do governo socialista, Teixeira dos Santos não tinha muito espaço de manobra para dizer algo diferente do que disse. Por outro lado, a pouco mais de um ano de um tremendo ciclo eleitoral (em 2009), o Ministro das Finanças, por muito cauteloso que tenha sido, e foi, nomeadamente quanto à questão dos impostos, não poderia deixar transparecer para a opinião pública uma ideia de agravamento das contas públicas que seria o mesmo que dizer que os esforços impostos aos portugueses e empresas, não teriam servido para nada.Portanto, não me surpreenderam as declarações de Teixeira dos Santos. O que continuamos sem saber é que medidas tomará o governo socialista de Lisboa relativamente aos impostos, já que não acredito que com uma subida das taxas de juro pelo BCE, com repercussões nos empréstimos de milhares de portugueses, os socialistas queiram enfrentar o ciclo eleitoral mantendo ou aumentando os impostos, sob pena de perderem eleições no próximo ano. Admito, embora remetendo essa matéria para os especialistas, que uma descida dos impostos, mesmo que meramente simbólica, poderá ser, em final deste ano ou início de 2009, o único e último recurso ao dispor do governo central para suavizar um previsível aumento da insatisfação popular perante muitas decisões governativas, sobretudo em áreas de intervenção mais polémicas e que, pela sua amplitude e natureza suscitam mais facilmente a contestação popular.Optimista, o ministro disse que “Portugal está no bom caminho” — algum ministro poderia dizer o contrário? — e que para o crescimento económico deverá ficar a cima dos 1,8%. Para Teixeira dos Santos, “contas públicas estão sob controlo”: "Não estamos ainda numa situação orçamental que nos permita qualquer redução de impostos, a isso obriga o rigor financeiro". Curioso o facto de Teixeira dos Santos ter passado ao lado do desemprego que continua a crescer e assegurando que mais nenhuma medida será acrescentada às já tomadas para assegurar a melhoria das contas públicas, afastando a perspectiva de "novos sacrifícios", declaração que admito possa ser aproveitada pela oposição para deixar antever a possibilidade de medidas de sinal contrário, passíveis de atenuar esses sacrifícios.A verdade é que existe uma diferença substancial entre o discurso oficial, o que diz o governo e os ministros, e o que pensam os cidadãos, alicerçando a sua opinião no quotidiano e nas crescentes dificuldades que há uns anos a esta parte vêm criando reforçados obstáculos às famílias. Na semana passada ficamos a saber, pela comunicação social, que a avaliação que os portugueses fazem da situação financeira da sua família nos últimos doze meses “é actualmente a mais negativa desde Outubro de 2003, altura em que a economia portuguesa se encontrava na fase mais baixa do ciclo económico e em nítida recessão”. Curiosamente estes dados consta do inquérito de conjuntura publicados pelo Instituto Nacional de Estatística os quais revelam a continuação de uma quebra da confiança dos consumidores que se prolonga desde Novembro de 2006. Mais. De acordo com o jornal que venho citando, nalgumas questões utilizadas para medir a confiança dos consumidores portugueses, “as respostas revelaram um pessimismo que apenas tem paralelo no auge do ciclo económico negativo dos últimos anos, como é o caso da relativa à situação financeira dos últimos doze meses que, em Dezembro, caiu para -26,9 pontos (diferença entre as respostas extremas positivas e negativas), acentuando uma tendência que já vem desde Outubro de 2006. Outra das questões suscitadas pelo INE relaciona-se com as poupanças que os portugueses acham que podem actualmente fazer: “Neste caso, limitados pelo endividamento, desemprego e crescimento lento do salário, as famílias responderam com um pessimismo recorde. A oportunidade de realização de poupança revelada em Dezembro pelos portugueses situa-se nos -73,9 pontos, o valor mais baixo desde que esta questão começou a ser colocada em 1997 e que revela que são muitos mais aqueles que não podem realizar poupanças do que os que podem”.
Luis Filipe Malheiro (in "Jornal da Madeira", 08 de Janeiro de 2008)
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