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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Opinião: LIBERTINAGEM


Ficamos a saber recentemente que as confederações patronais portuguesas, da indústria e do comércio querem que as empresas passem a poder despedir trabalhadores quando pretendam renovar os seus quadros de pessoal. Um perfeito absurdo, direi eu. Outros, porventura melhor informados, nem saberão dar-nos uma resposta, deixando antes um conjunto de dúvidas pertinentes: Uma evolução “natural” do mercado de trabalho? Um dos efeitos da globalização negocial entre empregadores e empregados? Uma nova ameaça para as famílias e para a sua sustentabilidade? A institucionalização da libertinagem devoradora, onde é privilegiado o primado economista do lucro fácil em detrimento do primado humano? A prioridade ao encher da pança em vez da preocupação em aplicar critérios de justiça social e humana?
No meio de toda esta confusão, a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), descobriu, com recurso ao malabarismo das palavras, que “não raro, as empresas estão apenas carecidas de trabalhadores diferentes e não de menos trabalhadores. É essa renovação que também se tem de possibilitar", posição que consta de um parecer sobre o Livro Branco das Relações Laborais, documento que poderá servir de base à revisão do Código do Trabalho.
Francisco Van Zeller, zeloso Presidente da CIP – e que ainda há uns meses esteve envolvido em polémica com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais cessante por causa da fuga aos impostos por parte das empresas de construção – vai mais longe e diz claramente que a “possibilidade de despedir não pode limitar-se a casos de motivos disciplinares, de inadaptação do trabalhador ou de necessidade de reduzir pessoal, pelo que a renovação do quadro deva ser integrada como fundamento legitimador" para a dispensa do trabalhador.
Curiosamente, também a Confederação do Comércio e Serviços (CCP) defende que os despedimentos devem ser permitidos quando "se pretenda a reestruturação da empresa e a renovação do perfil do trabalhador afecto ao posto de trabalho": "Na prática, traduz-se na renovação do quadro de pessoal sem redução de postos de trabalho".
Repetidamente temos sido confrontados – e acho que todos já ouvimos falar disso – com a teoria de que a produtividade da economia portuguesa e a sustentabilidade das empresas passa em grande medida pela alteração da legislação laboral, perspectiva que organismos internacionais de quando em vez repetidamente vêm tentando “vender-nos”! Hoje em Portugal, e no fundo no mundo, a segurança no emprego deixou de ser um dogma, para se transformar num conceito aleatoriamente usado, em função do maior ou menor grau de espezinhamento dos trabalhadores, sem dúvida o elo mais fraco neste conflito cada vez mais desigual, pela libertinagem legislativa e pela introdução de novas teorias económicas, sempre aplaudidas e estimuladas pelos governos. Há, repito, uma libertinagem criminosa protagonizada por indivíduos sem escrúpulos, que lideram empresas que sobrevivem à custa de quem lá trabalha e que eles não defendem, mas que querem encher rapidamente a pança, “pilhando” tudo o que lhes for possível, para depois declararem falência ou optarem por deslocalizações.
Cada vez menos acredito nesta sociedade hipócrita onde a economia se instalou e quer tudo comanda, arrastando consigo alguns energúmenos para os quais homem, a mulher, o jovem ou o adulto, enquanto seres humanos, enquanto Pessoas, são perseguidos ou olhados com desdém, com falta de respeito, como se não passassem de uma mera peça de uma engrenagem mais complicada e com tentáculos que é preciso combater e denunciar. Para mim é cada vez mais importante que as pessoas exerçam a sua cidadania, reclamem pelos seus direitos, reflictam, unam-se em defesa dos seus interesses, reajam perante todas estas ameaças, abandonem a passividade, recusem a manipulação que só os prejudica, por exemplo de sindicatos e sindicalistas desacreditados que exigem limitação de mandatos para os políticos, mas que se agarraram aos tachos sindicais e deles não despegam, originando sindicatos sem poder de manobra, sem respeitabilidade negocial e abocanhados por partidos e liderados por oportunistas
O Papa João Paulo II, de quem continuo a ser um confesso admirador, publicou em 1981 a encíclica “Laborem exercens” que continua a ser hoje um documento de referência:
“(…) Uma planificação racional e uma organização adequada do trabalho humano, à medida das diversas sociedades e dos diversos Estados, deveriam facilitar também a descoberta das justas proporções entre os vários tipos de actividades: o trabalho dos campos, o da indústria, o dos multiformes serviços, o trabalho de concepção intelectual e mesmo o científico ou artístico, segundo as capacidades de cada um dos homens e para o bem comum de todas as sociedades e de toda a humanidade. A organização da vida humana segundo as múltiplas possibilidades do trabalho deveria corresponder um sistema de instrução e de educação adaptado, que tivesse como finalidade, antes de mais nada, o desenvolvimento da humanidade e a sua maturidade, e também a formação específica necessária para ocupar de maneira rendosa um justo lugar no amplo e socialmente diferenciado «banco» de trabalho. Lançando o olhar para a inteira família humana espalhada por toda a terra, não é possível ficar sem ser impressionado por um facto desconcertante de imensas proporções; ou seja, enquanto que por um lado importantes recursos da natureza permanecem inutilizados, há por outro lado massas imensas de desempregados e subempregados e multidões ingentes de famintos. É um facto que está a demonstrar, sem dúvida alguma, que, tanto no interior de cada comunidade política como nas relações entre elas a nível continental e mundial, existe alguma coisa que não está bem, e isso precisamente nos pontos mais críticos e mais importantes sob o aspecto social (…) Os justos esforços (dos sindicatos) para garantir os direitos dos trabalhadores, que se acham unidos pela mesma profissão, devem ter sempre em conta limitações que impõe a situação económica geral do país. As exigências sindicais não podem transformar-se numa espécie de «egoísmo» de grupo ou de classe, embora possam e devam também tender para corrigir — no que respeita ao bem comum da inteira sociedade — tudo aquilo que é defeituoso no sistema de propriedade dos meios de produção, ou no modo de os gerir e de dispor deles. A vida social e económico-social é certamente como um sistema de «vasos comunicantes», e todas e cada uma das actividades sociais, que tenham como finalidade salvaguardar os direitos dos grupos particulares, devem adaptar-se a tal sistema (…)”.

Luís Filipe Malheiro (in "Jornal da Madeira, 08 de Fevereiro de 2008)

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