Opinião: O DILEMA DE ALEGRE?
O histórico socialista Manuel Alegre, deputado, antigo candidato à Presidência da República – em cujas eleições teve a particularidade de ter ficado na segunda posição, com muitos votos a mais que os obtidos por Mário Soares, facto que até hoje nunca lhe foi perdoado pelo sector mais ”duro” do PS – parece estar hoje confrontado operante a dúvida de manter-se fielmente ligado ao PS, ou se avança para a criação de um novo partido, impulsionado ainda pelo movimento que à sua volta nasceu nas presidenciais.
O antigo militante do PCP – onde militou na clandestinidade durante vários anos – tem sido um dos mais contundentes críticos de muitas das medidas tomadas pelo actual governo socialista, particularmente na área social e na saúde, o que por exemplo explica, segundo muitos analistas, que Sócrates tenha convidado para ministra da Saúde uma pessoa próxima de Alegre, membro da sua estrutura política central nas presidências de 2006. Eu acredito que Manuel Alegre seja pressionado para abandonar essa ideia e que o PS faça tudo o que estiver ao seu alcance para manter este seu histórico militante nas suas fileiras.
Recentemente concedeu uma extensa entrevista ao jornal ”Publico”, considerada por alguns, como um testemunho dos seus projectos, fora do PS, ideia rebatida por outros que consideram que em circunstância alguma Alegre deu tal indicação. Interrogado pelo jornalista sobre o que realmente se passa no seu partido, o deputado foi claro: “Com o PS passa-se muito pouca coisa. Com o PS e com a nossa democracia. Porventura leu o artigo do general Garcia Leandro. É muito preocupante que um general, que exerceu aquelas funções no Estado e com aquele sentido de responsabilidade, tenha dito o que disse e que tenha sido porta-voz das preocupações de muitos portugueses. Ou seja, que isto é um sistema bloqueado, que os partidos políticos têm que se reformular, sob pena de poder haver uma explosão social. E que, se não houvesse União Europeia, estavam reunidas as condições para um golpe de estado. Mas ele teve o cuidado de sublinhar que isso não se passa em democracia. Eu acho realmente que as coisas estão muito bloqueadas, por toda a Europa, mas aqui particularmente”.
Confrontado com a insistência do jornalista, Alegre retorquiu: “O que é o PS? O que é o socialismo, hoje? Depois da queda do Muro de Berlim, veio o capitalismo globalizado, que mudou a sua própria natureza. O ministro de Bill Clinton, Bob Reich, disse recentemente que antigamente respeitava o capitalismo americano porque era eficaz, produzia riqueza, estava alicerçado em valores, mas agora é uma imoralidade, não cria justiça, destrói os serviços públicos. E até acrescentou: que liquida impiedosamente o cidadão que há em cada um de nós. Há um recuo geral da esquerda. O que é hoje o PS? Ainda há socialismo no PS? Ainda se fala de socialismo? Ainda se fala de soluções alternativas? Ou, como dizia o general, as pessoas hoje estão nos partidos mais para resolverem os seus problemas pessoais do que por ideologia?”
Perante estas considerações o jornalista colocou Manuel Alegre perante a questão principal da entrevista - este já não é o seu PS ou que já não se revê neste PS? – tendo dele obtido uma resposta contundente e que no fundo alimenta muita especulação, particularmente a de existência de projectos de distanciamento progressivo do PS e de criação de um partido alternativo, visando as legislativas de 2009 e as próximas presidenciais: “Claro que já não me revejo neste PS. O que não quer dizer que este PS não tenha socialistas ou que entre aqueles que votam e apoiam o PS não haja muitos socialistas. Mas num partido político há vários níveis, o das estruturas dirigentes, o das estruturas intermédias, as bases e ainda há os votantes. Aquilo que eu chamei de nomenclatura, bem, hoje é uma coisa impenetrável”.
Curiosas foram as críticas do actual deputado socialista ao aparelho socialista a nível nacional. “Aquilo a que se pode chamar o aparelho partidário, que são as estruturas, os que estão à frente da direcção nacional, das direcções intermédias, das federações, nas autarquias. Isso é um muro perfeitamente impenetrável. O PS ainda se move por alguma ideologia? Qual é a diferença hoje entre as políticas de um Governo conservador e as políticas gestionárias? Haverá diferenças de estilo. E aqui, neste Governo, houve uma mudança importante nas questões dos costumes. Fez a interrupção voluntária da gravidez, a paridade, a procriação medicamente assistida. Foram coisas significativas que, em outros momentos, o PS não tinha feito. Mas, nas políticas sociais, a ideia que se cria é esta: é necessário fazer reformas para garantir a sustentabilidade da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde. Mas estamos a fazer reformas ou estamos a fazer contra-reformas? Eu sei que as pessoas vivem mais tempo, há uma diminuição demográfica, há um peso migratório. As condições mudaram. Mudaram também as condições do processo produtivo. Mudaram as condições sociais. Sei que é preciso fazer reformas. Mas o que me pergunto é qual o sentido das reformas? Será que não há alternativas? Penso que o papel dos socialistas é criar soluções alternativas. É fazer as reformas no sentido de garantir a viabilidade e de reforçar os serviços públicos, não de os esvaziar, como é hoje a receita única”.
E como retoque final - no fundo a constatação de que Manuel Alegre é hoje um homem confrontado com um dilema e negativamente “marcado” no PS e que, caso a sua opção aponte para um abandono, deixará marcas profundas nos socialistas, cenário que não acredito que Sócrates e seus colaboradores mais directos sequer admitam: “Os partidos existem e têm de existir. Só que é muito difícil mudar um partido por dentro. Portanto, como fazer? Eu não tenho uma solução milagreira. As pessoas estão muito desesperadas, há muita gente que se me dirige. Eu fico, por vezes, numa situação incómoda, porque eu não sou uma Santa da Ladeira, nem nenhum santo milagreiro. Sou uma pessoa que se bate por convicções. Sou contra as soluções providenciais em política. Mas isto é muito difícil. Por um lado, a grande dificuldade de mudar um partido por dentro. Por outro lado, sei que as pessoas desconfiam hoje dos partidos e a tendência é mais para movimentos de cidadãos. Mas há muita gente ligada ao PS que é gente boa, quer nas suas bases, quer nos seus dirigentes, quer nos seus votantes. Penso que é preciso criar aqui um mecanismo de debate e uma corrente de opinião de socialistas, que debata, para dentro e para fora, e que ponha as coisas a mexer, para dentro e para fora. Para quebrar uma muralha de betão armado”.
Sem dúvida um problema que se coloca ao PS, à consciência dos seus militantes e simpatizantes.
O antigo militante do PCP – onde militou na clandestinidade durante vários anos – tem sido um dos mais contundentes críticos de muitas das medidas tomadas pelo actual governo socialista, particularmente na área social e na saúde, o que por exemplo explica, segundo muitos analistas, que Sócrates tenha convidado para ministra da Saúde uma pessoa próxima de Alegre, membro da sua estrutura política central nas presidências de 2006. Eu acredito que Manuel Alegre seja pressionado para abandonar essa ideia e que o PS faça tudo o que estiver ao seu alcance para manter este seu histórico militante nas suas fileiras.
Recentemente concedeu uma extensa entrevista ao jornal ”Publico”, considerada por alguns, como um testemunho dos seus projectos, fora do PS, ideia rebatida por outros que consideram que em circunstância alguma Alegre deu tal indicação. Interrogado pelo jornalista sobre o que realmente se passa no seu partido, o deputado foi claro: “Com o PS passa-se muito pouca coisa. Com o PS e com a nossa democracia. Porventura leu o artigo do general Garcia Leandro. É muito preocupante que um general, que exerceu aquelas funções no Estado e com aquele sentido de responsabilidade, tenha dito o que disse e que tenha sido porta-voz das preocupações de muitos portugueses. Ou seja, que isto é um sistema bloqueado, que os partidos políticos têm que se reformular, sob pena de poder haver uma explosão social. E que, se não houvesse União Europeia, estavam reunidas as condições para um golpe de estado. Mas ele teve o cuidado de sublinhar que isso não se passa em democracia. Eu acho realmente que as coisas estão muito bloqueadas, por toda a Europa, mas aqui particularmente”.
Confrontado com a insistência do jornalista, Alegre retorquiu: “O que é o PS? O que é o socialismo, hoje? Depois da queda do Muro de Berlim, veio o capitalismo globalizado, que mudou a sua própria natureza. O ministro de Bill Clinton, Bob Reich, disse recentemente que antigamente respeitava o capitalismo americano porque era eficaz, produzia riqueza, estava alicerçado em valores, mas agora é uma imoralidade, não cria justiça, destrói os serviços públicos. E até acrescentou: que liquida impiedosamente o cidadão que há em cada um de nós. Há um recuo geral da esquerda. O que é hoje o PS? Ainda há socialismo no PS? Ainda se fala de socialismo? Ainda se fala de soluções alternativas? Ou, como dizia o general, as pessoas hoje estão nos partidos mais para resolverem os seus problemas pessoais do que por ideologia?”
Perante estas considerações o jornalista colocou Manuel Alegre perante a questão principal da entrevista - este já não é o seu PS ou que já não se revê neste PS? – tendo dele obtido uma resposta contundente e que no fundo alimenta muita especulação, particularmente a de existência de projectos de distanciamento progressivo do PS e de criação de um partido alternativo, visando as legislativas de 2009 e as próximas presidenciais: “Claro que já não me revejo neste PS. O que não quer dizer que este PS não tenha socialistas ou que entre aqueles que votam e apoiam o PS não haja muitos socialistas. Mas num partido político há vários níveis, o das estruturas dirigentes, o das estruturas intermédias, as bases e ainda há os votantes. Aquilo que eu chamei de nomenclatura, bem, hoje é uma coisa impenetrável”.
Curiosas foram as críticas do actual deputado socialista ao aparelho socialista a nível nacional. “Aquilo a que se pode chamar o aparelho partidário, que são as estruturas, os que estão à frente da direcção nacional, das direcções intermédias, das federações, nas autarquias. Isso é um muro perfeitamente impenetrável. O PS ainda se move por alguma ideologia? Qual é a diferença hoje entre as políticas de um Governo conservador e as políticas gestionárias? Haverá diferenças de estilo. E aqui, neste Governo, houve uma mudança importante nas questões dos costumes. Fez a interrupção voluntária da gravidez, a paridade, a procriação medicamente assistida. Foram coisas significativas que, em outros momentos, o PS não tinha feito. Mas, nas políticas sociais, a ideia que se cria é esta: é necessário fazer reformas para garantir a sustentabilidade da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde. Mas estamos a fazer reformas ou estamos a fazer contra-reformas? Eu sei que as pessoas vivem mais tempo, há uma diminuição demográfica, há um peso migratório. As condições mudaram. Mudaram também as condições do processo produtivo. Mudaram as condições sociais. Sei que é preciso fazer reformas. Mas o que me pergunto é qual o sentido das reformas? Será que não há alternativas? Penso que o papel dos socialistas é criar soluções alternativas. É fazer as reformas no sentido de garantir a viabilidade e de reforçar os serviços públicos, não de os esvaziar, como é hoje a receita única”.
E como retoque final - no fundo a constatação de que Manuel Alegre é hoje um homem confrontado com um dilema e negativamente “marcado” no PS e que, caso a sua opção aponte para um abandono, deixará marcas profundas nos socialistas, cenário que não acredito que Sócrates e seus colaboradores mais directos sequer admitam: “Os partidos existem e têm de existir. Só que é muito difícil mudar um partido por dentro. Portanto, como fazer? Eu não tenho uma solução milagreira. As pessoas estão muito desesperadas, há muita gente que se me dirige. Eu fico, por vezes, numa situação incómoda, porque eu não sou uma Santa da Ladeira, nem nenhum santo milagreiro. Sou uma pessoa que se bate por convicções. Sou contra as soluções providenciais em política. Mas isto é muito difícil. Por um lado, a grande dificuldade de mudar um partido por dentro. Por outro lado, sei que as pessoas desconfiam hoje dos partidos e a tendência é mais para movimentos de cidadãos. Mas há muita gente ligada ao PS que é gente boa, quer nas suas bases, quer nos seus dirigentes, quer nos seus votantes. Penso que é preciso criar aqui um mecanismo de debate e uma corrente de opinião de socialistas, que debata, para dentro e para fora, e que ponha as coisas a mexer, para dentro e para fora. Para quebrar uma muralha de betão armado”.
Sem dúvida um problema que se coloca ao PS, à consciência dos seus militantes e simpatizantes.
Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 14 de Fevereiro de 2008)
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