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terça-feira, 4 de março de 2008

Opinião: 304 MILHÕES

O Estado, empenhado, e bem, na estabilização das suas contas públicas, não pode, não deve, ter comportamentos diferentes para situações porventura semelhantes. Uma cosia é a estabilidade das contas públicas que não fica mal a nenhum Estado, outra coisa são os procedimentos adoptados e o rigor exigido, para que tais objectivos sejam conseguidos. Isso não constitui novidade. Mas quando, por exemplo, se confundem municípios e regiões autónomas, que precisam de recursos para investirem no quadro das suas competências constitucionais e legais, com um sector empresarial do Estado que, por muitos truques que possam fazer, está falido, aí as coisas mudam de figura. Vem isto a propósito do facto de ter lido há dias num jornal de Lisboa, uma notícia – “Estado perdeu 304 milhões com empresas públicas” – que revela bem como o Ministério das Finanças, por um lado, aperta o torniquete, vá lá saber-se com base em que motivações prioritárias, mas, por outro, olha para o lado e finge que não é nada com ele, sempre que se trata das empresas públicas que continuam a pagar uma infinidade de administradores e nunca apresentam resultados. Naturalmente que este problema não tem a ver apenas com este governo, pelo contrário, ele resulta de uma postura comum a todos os governos que o antecederam. Há uma espécie de prurido institucional em “entrar a matar” em relação a algumas empresas públicas
Dizia a referida notícia que, “o esforço financeiro do Estado com as empresas públicas aumentou, no ano passado, 190 milhões de euros, mais 28,2% do que em 2006, segundo a Direcção Geral do Tesouro e Finanças” e que “a injecção de capital totalizou 860 milhões de euros (em 2006 tinham sido atribuídos 671 milhões), enquanto que as receitas (e era bom que se conhecem ao pormenor estas receitas…) ascenderam apenas a 556,2 milhões”. A coisa é simples, feitas as contas o Estado "perdeu" 304 milhões de euros.
Obviamente que perante estes números, mais de 60 milhões de contos, tinham que aparecer as “explicações, céleres: “A saúde e a banca foram os principais responsáveis pelo maior esforço financeiro. No primeiro caso, a empresarialização dos hospitais obrigou o Estado a realizar aumentos de capital no valor de 150 milhões de euros. Na banca, a explicação está no reforço de capital da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no valor de 150 milhões de euros para manter os rácios, sem prejudicar os resultados e os dividendos do banco público. Só que enquanto, as empresas da saúde são em regra deficitárias e não pagam dividendos, a CGD é a maior contribuinte para os cofres públicos nessa matéria”.
Embora os dividendos recebidos pelo Estado em 2007 tenham totalizado 556,2 milhões de euros, mais 4,4%, “a remuneração do Estado enquanto accionista está muito abaixo dos encargos com o sector empresarial, o que significa que o Estado "perdeu" com as suas empresas cerca de 304 milhões de euros no ano passado (em 2006, a diferença entre rendimentos e custos tinha sido de apenas de 23 milhões de euros)”.
Recorda a notícia que venho citando (para que nem sequer digam que sou eu a inventar coisas, e não sei que mais) que “o esforço financeiro do Estado contabiliza as indemnizações compensatórias ou subsídios à exploração atribuídos em regra a serviços de interesse público, os aumentos de capital, os empréstimos e ainda a assunção de passivos ou conversão de créditos em capital. A maior fatia dos custos com o sector empresarial resultou de dotações de capital que ascenderam no ano passado a 408,4 milhões de euros, mais 332 milhões de euros que em 2006. Estas operações são financiadas em regra com as receitas das privatizações e não têm impacto no défice. Seguem-se, as indemnizações compensatórias que saem do Orçamento de Estado. No ano passado este valor subiu 7% face a 2006, atingindo os 392,4 milhões de euros. A RTP e as empresas de transportes públicos são as principais beneficiadas. No último ano não foram concedidos empréstimos e as assunções de passivo ascenderam a 58,7 milhões de euros, em intervenções na Casa da Música e na Gestnave (empresa em liquidação)”.
Mas a realidade do sector empresarial do Estado não se fica por aqui: “Para além das transferências directas de 860 milhões de euros, o Estado concedeu ainda garantias a várias empresas na contratação de empréstimos à banca que no total ascenderam a 611,2 milhões de euros, muito abaixo dos 1,5 mil milhões de euros concedidos em 2006. Os empréstimos de empresas públicas que têm uma garantia do Estado (que terá de pagar aos bancos em caso de incumprimento) atingiram no ano passado 8507 milhões de euros, um crescimento de 2,5% face a 2006”.
Portanto, é mais do que evidente que sendo importante a estabilidade orçamental, e das conta públicas, é um facto que o Estado tem que utilizar da mesma inflexibilidade e do mesmo rigor de critérios que usa no tocante aos municípios e regiões autónomas, também face ao sector empresarial do Estado. Caso contrário, perde um pouco a moral ao querer ser “justiceiro” com uns e fechar os olhos a outros…

Luís Filipe Malheiro (in "Jornal da Madeira", 04 de Março de 2008)

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