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sexta-feira, 30 de maio de 2008

Opinião: DESMOTIVADOR

Li esta semana num jornal nacional de referência, um texto da jornalista Paula Cordeiro que não deixa dúvidas a ninguém: “O elevado nível de endividamento dos portugueses pode limitar a sua capacidade de ajustamento a crises, numa altura em que as taxas de juro não param de subir. O endividamento dos particulares já atingiu os 129% do seu rendimento disponível anual, ou seja, a dívida total das famílias é superior em 29% ao seu rendimento de um ano, sem impostos. Em 2006, este valor era de 123%, o que significa que os portugueses aumentaram as suas dívidas à banca em 11,2 mil milhões de euros, no último ano. A dívida total dos particulares à banca era de 147,9 mil milhões de euros no final do ano passado, ou seja, 91% do PIB (…) O elevado nível de endividamento das famílias, refere ainda a instituição (Banco de Portugal) liderada por Vítor Constâncio, "poderá estar a constituir uma restrição activa para a evolução do consumo privado e do investimento residencial". Uma situação que tenderá a agravar-se, num quadro de aumento da restritividade na concessão de crédito, como consequência das dificuldades de financiamento enfrentadas pelos bancos”. Por isso, não será de estranhar, tendo por base a mesma fonte, que em 2007 se tenha registado “uma redução da taxa de poupança dos portugueses. De acordo com o Relatório de Estabilidade, esta taxa, quando medida em percentagem do rendimento disponível dos particulares, fixou-se nos 7,9%, contra 8,4 % no ano anterior. No que respeita à sua relação com o PIB, a taxa de poupança foi de 5,5%, quando em 2006 tinha sido de 6%. Mais um dado que indicia um maior recurso ao financiamento nos mercados internacionais, por parte dos bancos, agravando a posição do País face ao exterior. Do lado das empresas, a situação também não melhorou. A dívida total destas atingiu os 114% do produto interno bruto (PIB) em 2007, enquanto a sua poupança corrente, em percentagem do PIB, baixou para 4,3%, contra 5% em 2006. Referindo-se ao sector bancário, o Banco de Portugal defende um reforço dos fundos próprios dos bancos portugueses, para fazer face às incertezas que persistem nos mercados financeiros. "As perturbações nos mercados financeiros deverão continuar a afectar negativamente a rendibilidade dos bancos".
Qualquer pessoa minimamente atenta à realidade da economia nacional e internacional, que tem acompanhado as contradições do governo, os alertas do Banco de Portugal, as contradições de indicadores entre a União Europeia e outras instituições internacionais, que se confronta com o aumento frequente das taxas de juro para valores próximos dos existentes em 1999 ou com o aumento do preços dos combustíveis, naturalmente que percebe que estamos a falar de uma realidade que constitui uma perigosa ameaça para milhares de cidadãos e para famílias e empresas que desconhecem as dificuldades futuras, porque ninguém sabe, salvo os embustes que a propaganda nos quer vender, qual a tendência da evolução desta situação nos próximos anos.
É neste contexto que deve ser enquadrado o alerta de Mário Soares – que rapidamente, é curioso, foi “banido” de qualquer destaque informativo – no seguimento de outros alertas da Igreja Católica, de instituições de solidariedade social, de especialistas universitários, etc: “Não posso dizer que tenha ficado surpreendido com o Relatório da União Europeia (Eurostat) e o trabalho, coordenado pelo Prof. Alfredo Bruto da Costa, do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), intitulado "Um olhar para a pobreza em Portugal", divulgados há dias, que coincidem em alertar para o facto de a "pobreza e as desigualdades sociais se estarem a agravar em Portugal". Surpreendido não fiquei. Mas chocado e entristecido, isso sim, por Portugal aparecer na cauda dos 25 países europeus - a Roménia e a Bulgária ainda não fazem parte da lista - nos índices dos diferentes países, quanto à pobreza e às desigualdades sociais e, sobretudo, quanto à insuficiência das políticas em curso para as combater (…) A revolta quanto às escandalosas desigualdades sociais, que igualmente crescem, fazendo de Portugal, trinta e quatro anos depois da generosa Revolução dos Cravos, o país da União Europeia socialmente mais desigual e injusto, ombreando, à sua escala, naturalmente, com a América de Bush... Ora, a pobreza e a riqueza (ostensiva e muitas vezes inexplicável) são o verso e o reverso da mesma moeda e o espelho de uma sociedade a caminho de graves convulsões. Atenção, portanto. (…) No entanto, no nosso canto europeu, deveremos fazer tudo o que pudermos, numa estratégia concertada e eficaz, para combater a pobreza - há muito a fazer, se houver vontade política para tanto - e também para reduzir drasticamente as desigualdades sociais. Até porque, como têm estado a demonstrar os países nórdicos - a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia - as políticas sociais sérias estimulam o crescimento, contribuem para aumentar a produção e favorecem novos investimentos. Este é o objectivo geo-estratégico para o qual deveremos caminhar, se quisermos evitar convulsões e conflitos (…)Em Portugal, permito-me sugerir ao PS - e aos seus responsáveis - que têm de fazer uma reflexão profunda sobre as questões que hoje nos afligem mais: a pobreza; as desigualdades sociais; o descontentamento das classes médias; e as questões prioritárias, com elas relacionadas, como: a saúde, a educação, o desemprego, a previdência social, o trabalho. Essas são questões verdadeiramente prioritárias, sobre as quais importa actuar com políticas eficazes, urgentes e bem compreensíveis para as populações. Ainda durante este ano crítico de 2008 e no seguinte, se não quiserem pôr em causa tudo o que fizeram, e bem, indiscutivelmente, para reduzir o deficit das contas públicas e tentar modernizar a sociedade”.
Aparentemente direccionado para o PS – daí porventura a relutância com que alguns aceitaram este texto de Soares - é um facto que o artigo do fundador dos socialistas portugueses confirma uma tendência indisfarçável em Portugal, a de que a pobreza está a crescer, em grande parte também por causa de medidas económicas que têm vindo a agravar progressivamente o poder de compra das pessoas, abalando o orçamento de famílias e de empresas, gerando desemprego, etc, numa escalada sem precedentes – e conjugando factores que colocam, reconheço, dificuldades inesperadas e extraordinariamente difíceis ao governo socialista de Sócrates – que poderá agravar ainda mais a realidade social portuguesa e europeia em geral impedindo quer a propaganda, quer o agendamento de medidas populistas que eventualmente estariam pensadas (e previstas) apenas lá para 2009, em vésperas do acto eleitoral. Aumentar o abono de família (sem dúvida positivo porque vai beneficiar os mais necessitados) num país caracterizado por um alarmante défice demográfico?

Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeiora, 30 de Maio de 2008)

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