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quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

ARTIGO: Europa

I. O Parlamento finlandês aprovou, por larga maioria (125 contra 39 votos e quatro abstenções), a ratificação do projecto do Tratado Constitucional Europeu, documento rejeitado em referendos realizados em 2005, na França e na Holanda. A Finlândia — 16.º país europeu a ratificar este documento — desencadeou este processo sobretudo porque exerce, até ao final deste ano, a presidência da União Europeia, enviando desta forma um sinal aos europeus, já que no primeiro semestre do próximo ano, com a Alemanha na presidência da União, tudo indica que o processo poderá ser dinamizado. O que importa saber é se esta Constituição Europeia deve ser referendada apenas pelos parlamentos nacionais ou se os povos europeus não têm direito a uma palavra. Eu sou um apologista incondicional e fundamentalista do referendo popular. Não há parlamento nenhum que tenham o direito e a legitimidade para decidir, numa matéria tão substancialmente importante em nome de povos que não os mandataram para isso. Em Portugal seria vergonhoso que fosse a Assembleia da República a se pronunciar sobre esta temática, mantendo o povo à margem de um processo que cada vez mais diz mais respeito aos cidadãos e cada vez menos é uma espécie de quintal reservado a para parlamentos ou a políticos. E faça a Finlândia o espectáculo que fizer, as dúvidas subsistem numa Europa em crise, de referências, de causas e de identidade.

II. Nunca pensei fazê-lo mas tenho que me render a Ségolène, a socialista candidata às presidenciais francesas de Abril do próximo ano, que no congresso dos socialistas europeus realizado há dias no Porto foi directa, falando sem equívocos de um dos problemas que hoje mais afectam a Europa e ameaçam o projecto de construção da União. Ségolène deixou avisos duros ao poderoso Banco Central Europeu, cada vez mais dotado de um alargado espaço de manobra e de poderes estranhamente reforçados, permitindo a União Europeia, particularmente as suas estruturas dirigentes, que o seu Presidente, o francês Truchet, mande e desmande impunemente, que aumente as taxas de juro de referência quando e sempre que entende, tudo em nome da ameaça de uma inflação que parece dar cada vez mais um tremendo jeito ao Banco Europeu, tudo isto passando-se como se acima de Truchet e do BCE não existisse uma estrutura política que não pode continuar a olhar para esta “libertinagem” anárquica que caracteriza a actuação do BCE, de uma forma tolerante, passiva e cúmplice. Neste contexto, Ségolene foi clara ao defender que devem ser os políticos e não os tecnocratas a ter de assumir as suas responsabilidades: "O Banco Central Europeu deve estar sujeito a decisões políticas e não caberá apenas ao senhor Trichet liderar as nossas economias". Curiosamente, uma semana depois, foi a vez do próprio primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, se ter mostrado partidário da necessidade dos estados da Zona Euro “recuperarem margens de manobra e de soberania” face ao Banco Central Europeu, para poderem fazer mais contra a inflação. Villepin defendeu “uma clarificação dos papéis entre as instituições” embora reconhecendo que o BCE “tem a responsabilidade principal da luta contra a subida de preços e a inflação”. Sobre isto a Finlândia, apostada na palhaçada da referendar por cima uma Constituição Europeia que continua a ser um documento divisionista e conflituoso, nada disse. Daí o falhanço de uma presidência que deveria ser mais sensível ao pulsar dos povos e não aos desejos dos políticos ou dos parlamentares. Realmente é inadmissível que a Europa, a braços com dificuldades várias, económicas, orçamentais, sociais e políticas, andem a reboque destes “truchets” todos. No mesmo dia em que aumentou as taxas de juro, o Presidente do BCE, como se fosse ele o mentor e o decisor das orientações do Banco central, justificou que a decisão de aumentar a taxa de juro de referência para a Zona Euro reflecte os riscos de inflação, embora não dando garantias concretas de que isso possa acontecer, já que apenas falou de riscos, mas adiantando já que a instituição vai continuar a subir o valor das taxas de juro, uma vez que considera que eles "ainda estão baixos". É esta falta de liderança política, esta ausência de líderes europeus carismáticos e fortes, que tem contribuído para o desprestígio da União Europeia, para o descrédito das suas instituições e para o crescente distanciamento dos cidadãos. Talvez por isso a Europa, enquanto projecto político, social, económico, comece a parecer-se mais com uma farsa, para gáudio de uma decadente nomenclatura europeia, bem instalada e principescamente bem paga, do que com um objectivo a alcançar. E nem falo na questão turca, porque até provas em contrário, não sou um entusiástico adepto desse alargamento, muito menos quando feito aos empurrões, sem adequada reflexão aprofundada, muito menos depois de ter percebido que esse desiderato agrada aos norte-americanos por razões (militares e geo-estratégicas) que nada têm a ver com a Europa e com os europeus.

Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 20 Dez 2006

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