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quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Artigo: Ensino Superior

Para que se perceba o drama que rodeia o ensino superior português — caracterizado por Universidades sem dinheiro para fazer face aos seus encargos mais primários, instalações degradadas, qualidade do ensino em acentuado declínio, alunos frustrados, a insistência no mito qualitativo do ensino superior “privado”, etc — recordo que foi há dias noticiado que cerca de 2.000 docentes do superior, sobretudo os contratados a prazo, correm o risco de cair no desemprego devido às carências orçamentais das universidades e politécnicos para este ano de 2007. Trata-se de uma estimativa feita pela Federação Nacional dos Professores — e por isso a ser olhada com cuidados redobrados, dada a tendência daquela organização para o empolamento de factos — que aponta para aqueles cortes de pessoal considerando as decisões as instituições teriam que tomar para conseguirem pagar salários sem recorrer a receitas próprias. Mas há mais. Um elevado número de funcionários administrativos, e não contabilizado pela estrutura em questão, poderá ter que enfrentar também tempos incertos. Diz a Fenprof que o ensino superior sofrerá uma quebra de verbas do Orçamento de Estado a par de um aumento de 1,5% nos ordenados da Administração Pública, factores juntos que deixam as instituições com um buraco "da ordem dos 7,5%" para preencher em matéria de vencimentos. O ensino superior português tem actualmente cerca de 25 mil docentes, pelo que estamos a falar na previsão de uma redução que penalizaria 1.875 professores, 1.125 no sector universitário e 750 no politécnico. Estima-se que o sector tenha presentemente mais de 4.000 docentes convidados [a prazo] que no politécnico ascenderão a 7.000 em idênticas condições. Recordo que o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), já admitiu como "provável" a dispensa de docentes e de não docentes: "É um assunto que está agora a ser equacionado por cada instituição e é cedo para fazer previsões. Não pode haver medidas precipitadas e elas têm de ser humanamente correctas". Curiosamente, em época de contenção, aquele presidente do CRUP ainda vem falar em indicadores que permitem calcular o rácio de professores necessários face ao número de alunos, apontando tudo isto para a possibilidade das universidades terem um défice de funcionários que ronda os 13 a 15%. Mas qual é a realidade do ensino superior português? Sabe-se que durante o período 1994 a 2002 o ensino superior português viu o número de lugares, de alunos inscritos e de docentes aumentar como nunca. “O problema é que a expansão não foi sinónimo de maior qualidade, já que aconteceu sobretudo em instituições e cursos com notas mínimas de entrada mais baixas, vagas sobrantes, menores níveis de empregabilidade e níveis de produção científica inferiores”, refere um estudo da autoria de Manuel Caldeira Cabral, professor do departamento de Economia da Universidade do Minho. O documento intitulado “Expansão do sistema de ensino superior nas últimas duas décadas” questiona o facto do modelo de crescimento adoptado ter “privilegiado a expansão de unidades, preferencialmente do politécnico, situadas no interior, em cidades mais pequenas e de forma muito dispersa”. Vai mais longe ao denunciar que “a utilização do ensino superior como instrumento de política regional, por vontade dos governos centrais ou como cedência a pressões de autarcas e representantes locais, causou desperdícios e revelou-se muito limitada”. O estudo aponta provavelmente uma das causas da actual degradação e dos problemas estruturais e financeiros do sector: “A partir do momento em que o número de candidatos deixou de ser claramente superior ao de vagas, comprovou-se que muitos dos cursos dos institutos politécnicos eram segundas escolhas. A forte diminuição de candidatos verificada exactamente nas unidades onde mais se expandiu a oferta demonstra bem os limites de opções políticas que ignoram a evolução demográfica e as preferências há muito reveladas". O texto sublinha que cerca de metade dos pólos de ensino superior criados depois de 1994 não conseguem hoje preencher sequer 50% das vagas aí criadas, acrescentando Manuel Caldeira Cabral que 19 das 23 unidades que não ocuparam metade das vagas na 1.ª fase do concurso de 2006 estão fora dos grandes centros urbanos, em cidades como Bragança, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Tomar, Santarém ou Beja. Basicamente o autor reconhece que “a quebra de candidatos não decorre de circunstâncias aleatórias, mas da conjugação de factores demográficos, sectoriais (cursos com cada vez menos procura) e institucionais (preferência pelo ensino universitário) conhecidos em 1994”. Embora constituindo (este estudo) apenas mais uma referência para percebermos (?) a realidade evidente do ensino superior português — em fase de adaptação às exigências resultantes do processo Bolonha — não me parece que existam condições, nos tempos mais próximos, para que os problemas sejam resolvidos. Isto porque o próprio sector universitário gerou, no seu seio, obstáculos a essa modernização e à possibilidade de ensaiar passos qualitativos a todos os níveis. Mas existem ainda factores exógenos à própria Universidade, relacionados com a realidade demográfica portuguesa, com o decréscimo significativo da população estudantil e com o impacto negativo das crescentes limitações orçamentais de muitas famílias portuguesas que optam por influenciar o abandono escolar dos seus filhos enviando-os para o mercado de trabalho. Eu só posso lamentar tudo isto, assim como reputo de indecorosas as interferências políticas na Universidade, particularmente por pessoas ou organizações a quem não reconheço qualquer capacidade para o fazer.
Luis Filipe Malheiro

Jornal da Madeira, 25 de Janeiro 2007

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