Artigo: COISAS DO PAÍS (IV)….
Hoje resolvi “falar” do País, não por mim próprio, ou seja, socorrendo-me das minhas opiniões pessoais – que por serem opiniões de uma pessoa em concreto, são naturalmente passíveis de gerar concordâncias e discordâncias – mas publicando algumas passagens da longa entrevista que o ex-Presidente da República, Mário Soares, concedeu recentemente ao “Diário Económico”. Obviamente que ao longo dos anos tenho manifestado, no uso da minha liberdade de pensar e de discordar, divergências com muitas das posições que o ex-Secretário-Geral do PS frequentemente assumiu, particularmente em relação à autonomia regional e à Madeira. Se sem comentar estas declarações, por uma questão de princípio e de respeito, deixo algumas das declarações de Soares, através das quais ele fala do país que somos:
(…) “ Está a vislumbrar que pode haver o perigo de queda do Governo? – Mário Soares: Não o prevejo nem desejo. Mas desleixar a frente interna quando o "estado de graça" começa a passar e o eleitorado PS espera reformas progressistas e uma certa viragem à Esquerda, parece-me perigoso.
Quando alguém diz que “há pouco PS no Governo” isso decorre de um certo esvaziamento ideológico? - Mário Soares: É evidente. As ideologias estão a regressar, dado o fracasso global do neo-liberalismo. Depois, há a relação entre a política e os negócios - ou o dinheiro - que não fazem boa companhia. A honradez cívica dos homens da I República foi uma das suas forças, apesar dos erros que cometeram. A política não pode ser uma forma dos políticos "se governarem". O serviço público deve ser um exercício de moralidade. Mesmo na América do Norte - terra dos lobbies - começa a compreender-se que é perigoso misturar os negócios com a política.
Sente-se confortável com a governação? – Mário Soares: Os dois anos de Governo tiveram como objectivo fundamental reequilibrar as finanças públicas. Esse objectivo foi, de alguma maneira, conseguido. Vamos ver se está consolidado, ou não. Mas custou muitos sacrifícios, sobretudo aos mais pobres. Há um mal-estar na sociedade portuguesa que não deve ser ignorado. Há que dar razões às pessoas para acreditarem no Governo. As pessoas não protestam só porque os sindicatos as empurram. Vêm para a rua porque sentem os seus postos de trabalho em causa ou porque a saúde, a educação, a justiça ou as reformas os preocupam. São problemas sérios. Chegou a hora de tranquilizar as pessoas quanto a eles.
Nos últimos tempos acumulam-se alguns sinais de autoritarismo, a impopularidade do Executivo cresceu, o mesmo se diga da conflitualidade social. O Governo corre o risco de não chegar ao fim? – Mário Soares: Espero que não. Seria mau para a democracia e para o País que isso acontecesse. Não vejo que haja uma alternativa credível. O que é mau - repare - para o próprio Governo. Quanto ao autoritarismo, houve episódios desagradáveis, que foram muito empolados, mas que devem ser evitados e corrigidos. É talvez necessário haver mais sentido de autocrítica e menos arrogância nas respostas.
Que leitura faz dos sinais de autoritarismo? – Mário Soares: Não vejo sinais de uma cultura autoritária. Longe disso. Arrogância, sim, em certas áreas. Teóricos da Direita, esquecidos das lições do passado - e alérgicos aos partidos políticos - já se atrevem a aconselhar o Presidente da República a "preparar-se para novos governos de iniciativa presidencial". O que é isso? Esquecem-se que são os partidos que estruturam a democracia.
Falou dos partidos e não dos independentes… - Mário Soares: Sem partidos não há democracia. O regime de partido único - ou sem partidos - significa sempre ditadura. Portugal já teve a sua conta, com crimes e erros graves que o atrasaram meio século. Claro que os partidos têm que se renovar e democratizar. Não podem transformar-se em clientelas ávidas de lugares e de dinheiro. Têm que se estruturar em volta de um corpo de ideias coerente - que os distingam uns dos outros - e de princípios éticos que os orientem, inflexivelmente. Faz falta mais ideologia, mais transparência, quanto às receitas e aos gastos, e mais educação cívica e ética para o comportamento dos seus quadros e militantes.
Citando Jules Mazarin (“Breviário dos Políticos”), “quando queres dar a entender a alguém que está errado, começa por falar-lhe doutras coisas, acabando por chegar, como por acaso, aos actos que merecem reprovação. Descreve-os, então, de modo caricatural, diz todo o mal que pensas deles, mas fá-los acompanhar de circunstâncias diferentes, de modo a que a pessoa que queres aconselhar não se sinta directamente atingida. Procura que te escute de boa vontade, sem zangar-se; alegra a conversa com algumas piadas e, se de súbito o vires fazer má cara, mostra um ar cândido e interroga-o nesse sentido. Finalmente, misturando-as com considerações diversas, aborda as soluções a considerar num caso como o que te preocupa”.
Luís Filipe Malheiro
(…) “ Está a vislumbrar que pode haver o perigo de queda do Governo? – Mário Soares: Não o prevejo nem desejo. Mas desleixar a frente interna quando o "estado de graça" começa a passar e o eleitorado PS espera reformas progressistas e uma certa viragem à Esquerda, parece-me perigoso.
Quando alguém diz que “há pouco PS no Governo” isso decorre de um certo esvaziamento ideológico? - Mário Soares: É evidente. As ideologias estão a regressar, dado o fracasso global do neo-liberalismo. Depois, há a relação entre a política e os negócios - ou o dinheiro - que não fazem boa companhia. A honradez cívica dos homens da I República foi uma das suas forças, apesar dos erros que cometeram. A política não pode ser uma forma dos políticos "se governarem". O serviço público deve ser um exercício de moralidade. Mesmo na América do Norte - terra dos lobbies - começa a compreender-se que é perigoso misturar os negócios com a política.
Sente-se confortável com a governação? – Mário Soares: Os dois anos de Governo tiveram como objectivo fundamental reequilibrar as finanças públicas. Esse objectivo foi, de alguma maneira, conseguido. Vamos ver se está consolidado, ou não. Mas custou muitos sacrifícios, sobretudo aos mais pobres. Há um mal-estar na sociedade portuguesa que não deve ser ignorado. Há que dar razões às pessoas para acreditarem no Governo. As pessoas não protestam só porque os sindicatos as empurram. Vêm para a rua porque sentem os seus postos de trabalho em causa ou porque a saúde, a educação, a justiça ou as reformas os preocupam. São problemas sérios. Chegou a hora de tranquilizar as pessoas quanto a eles.
Nos últimos tempos acumulam-se alguns sinais de autoritarismo, a impopularidade do Executivo cresceu, o mesmo se diga da conflitualidade social. O Governo corre o risco de não chegar ao fim? – Mário Soares: Espero que não. Seria mau para a democracia e para o País que isso acontecesse. Não vejo que haja uma alternativa credível. O que é mau - repare - para o próprio Governo. Quanto ao autoritarismo, houve episódios desagradáveis, que foram muito empolados, mas que devem ser evitados e corrigidos. É talvez necessário haver mais sentido de autocrítica e menos arrogância nas respostas.
Que leitura faz dos sinais de autoritarismo? – Mário Soares: Não vejo sinais de uma cultura autoritária. Longe disso. Arrogância, sim, em certas áreas. Teóricos da Direita, esquecidos das lições do passado - e alérgicos aos partidos políticos - já se atrevem a aconselhar o Presidente da República a "preparar-se para novos governos de iniciativa presidencial". O que é isso? Esquecem-se que são os partidos que estruturam a democracia.
Falou dos partidos e não dos independentes… - Mário Soares: Sem partidos não há democracia. O regime de partido único - ou sem partidos - significa sempre ditadura. Portugal já teve a sua conta, com crimes e erros graves que o atrasaram meio século. Claro que os partidos têm que se renovar e democratizar. Não podem transformar-se em clientelas ávidas de lugares e de dinheiro. Têm que se estruturar em volta de um corpo de ideias coerente - que os distingam uns dos outros - e de princípios éticos que os orientem, inflexivelmente. Faz falta mais ideologia, mais transparência, quanto às receitas e aos gastos, e mais educação cívica e ética para o comportamento dos seus quadros e militantes.
Citando Jules Mazarin (“Breviário dos Políticos”), “quando queres dar a entender a alguém que está errado, começa por falar-lhe doutras coisas, acabando por chegar, como por acaso, aos actos que merecem reprovação. Descreve-os, então, de modo caricatural, diz todo o mal que pensas deles, mas fá-los acompanhar de circunstâncias diferentes, de modo a que a pessoa que queres aconselhar não se sinta directamente atingida. Procura que te escute de boa vontade, sem zangar-se; alegra a conversa com algumas piadas e, se de súbito o vires fazer má cara, mostra um ar cândido e interroga-o nesse sentido. Finalmente, misturando-as com considerações diversas, aborda as soluções a considerar num caso como o que te preocupa”.
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 31 de Agosto 2007
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