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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Opinião: DÉFICES E EXPECTATIVAS…

Ficamos ontem a saber que ninguém sabe ainda qual foi o défice público do Estado em 2007, na medida em que a Comissão que vai calcular esse valor “ainda não decidiu como irá contabilizar os 150 milhões de euros injectados pelo Estado em dez hospitais transformados em Entidades Públicas Empresariais”. De concreto, apenas se ficou a saber que a posição da referida comissão não é subscrita pelo governo socialista, já que o gabinete de Sócrates pretende que aquele montante “não seja classificado nas contas públicas como transferência de capital, já que dessa forma conseguirá evitar um impacto ao nível do défice público e apresentar um resultado orçamental mais positivo em 2007”. A comissão, liderada pelo Instituto Nacional de Estatística, vai também pronunciar-se sobre se estão ou não “reunidas as condições para que as dotações do Estado possam realmente ficar fora do cálculo”. Esta divergência resulta do facto das regras contabilísticas europeias “dizerem que isto só poderá acontecer se se considerar que o Estado está a agir como um accionista privado e se não houver dúvidas sobre a possibilidade de o projecto empresarial ser lucrativo”. Apesar de tudo, dizem os especialistas que, mesmo com esta “contrariedade” continuam a existir fortes possibilidades do governo socialista poder apresentar um défice público, em 2007, inferior aos 3%, perspectiva que já foi contestada, naturalmente, pela oposição, mas que o gabinete de Sócrates precisa que seja confirmada. Sublinhe-se que estamos a falar de uma verba da ordem dos 150 milhões de euros, correspondentes a cerca de 0,1% do PIB português.
Diz o jornal em questão (Publico) que no ano passado Portugal acabou mesmo por não conseguir evitar o impacto no défice destas duas injecções de capital, “já que, em Abril de 2007, o Eurostat – que tem a palavra final nas contas públicas – forçou as autoridades portuguesas a corrigir os dados de 2005, agravando o défice”.
Mas enquanto Portugal – governo e a tal comissão – discutem afinal qual o défice público que apresentarão a Bruxelas, e que depois terá que ser aceitem ou não, pelos organismos comunitários a quem cabe a última palavra nesta matéria, ficamos a saber que Portugal ocupa a 15ª posição como destino preferido pelos investidores estrangeiros ao nível da União Europeia, segundo dados constantes de um estudo realizado por uma empresa de consultoria, para quem "desempenho de Portugal em 2007 surpreende pela positiva”, mantendo em 2007 a mesma posição que tinha 2005, no âmbito da União Europeia, à frente da Dinamarca, Áustria e Noruega. Quer isto dizer que o governo socialista tem assentado muita da sua retórica quanto á recuperação da economia e quanto á estabilidade e controlo das contas públicas em informações da autoria de entidades públicas ou privadas consistentes, dispersas, mas que nalguns casos têm alguma credibilidade.
Deixando para trás as questões formais, vamos ao encontro do país real – utilizando o mesmo procedimento que na Região a oposição usa quando quer confrontar os resultados do PIB regional (mas não é disso que estamos a falar) com a realidade social interna – e constatar, ou tentar constatar, se nos últimos anos tem existido ou não. Por parte da governação em Lisboa, uma dependência crónica perante um predomínio imposto do primado economicista em elação a todos os demais, nomeadamente as questões humanas.
E é a mesma Comissão Europeia que o governo quer ver aprovar o défice abaixo dos 3% a traçar um retrato, a propósito da pobreza em Portugal, particularmente dos idosos e das crianças que nos envergonha a todos (mas esse será tema de um meu próximo artigo), já que revela o efeito pernicioso de orientações economicistas, onde apenas o défice das contas públicas é essencial. Eu esclareço desde já, até para evitar interpretações erradas ou deturpações, que considero uma obrigação dos governos e dos Estados o equilíbrio das suas contas públicas, porque insistir sistematicamente em gestões deficitárias acaba por constituir um ónus que em nada abo na a favor dos governantes. Considero, e nem sequer discuto isso, que este governo, na fase inicial do seu mandato, depois das eleições de 2005, teve necessidade de suster o agravamento do défice público. O que se pode questionar, com toda a legitimidade, são as medidas adoptadas, a natureza e a intencionalidade eventualmente subjacentes a nalgumas delas, mas sobretudo a sua prorrogação temporal até hoje a par de muitas contradições – e amanhã falaremos disso – reveladoras de hesitações ou de cumplicidade com determinadas realidades financeiras do Estado que parecem passar ao lado de tudo o que tem sido feito noutros níveis, nomeadamente com as Regiões Autónomas, os Municípios e alguns departamentos governamentais.

Luís Filipe Malheiro (in "Jornal da Madeira", 27 de Fevereiro de 2008)

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