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Opinião e coisas do nosso mundo...

segunda-feira, 10 de março de 2008

Opinião: DIREITOS E AUTISMO

O documento da “Sedes” – do qual já aqui falei em anterior artigo, e que foi elaborado pelo Conselho Coordenador, do qual fazem parte Vítor Bento (Presidente), M. Alves Monteiro, Luís Barata, L. Campos e Cunha, J. Ferreira do Amaral, Henrique Neto, F. Ribeiro Mendes, Paulo Sande e Amílcar Theias – ao invés de constituir um documento de reflexão, sobretudo por parte da sociedade civil, foi rapidamente desvalorizado, teve direito a notícia, mas sem “exageros” e rapidamente foi relegado para um plano secundaríssimo. Bem vistas as coisas que pode uma organização não governamental e não partidária como a “Sedes” fazer perante um governo que ao longo de toldos estes anos nunca de enganou, que raramente tem dúvidas, que resolve manter todas as suas políticas, embora mude de ministros, porque se olha ao espelho e julga que o voto que os portugueses lhe deram em Março de 2005 lhes dá o direito de se comportar arbitrariamente, tudo fazendo, tudo decidindo, seja na saúde, na educação, na economia, nas finanças, na justiça, que o povo ou organismos como a “Sedes” deixam de ter o direito de dizer seja o que for, mantendo uma posição autista indiferente a críticas e a manifestações públicas de um povo cada vez mais revoltado e descontente.
Tudo isto a propósito do documento da “Sedes”, de análise livre e legítima aos principais problemas que, no entendimento da organização, mais afectam a sociedade portuguesa e preocupam os portugueses:
“Outro factor de degradação da qualidade da vida política é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas. Com ou sem intencionalidade, essa combinação alimenta um estado de suspeição generalizada sobre a classe política, sem contudo conduzir a quaisquer condenações relevantes. É o pior dos mundos: sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a; a banalização da suspeita e a incapacidade de condenar os culpados (e ilibar inocentes) favorece os mal-intencionados, diluídos na confusão. Resulta a desacreditação do sistema político e a adversa e perversa selecção dos seus agentes”.
A comunicação social não ficou isenta de críticas – e isso explica também o reduzido impacto que esta posição conseguiu na agenda dos meios informativos nacionais, provavelmente em resposta corporativista à ousadia da crítica: “Nalguma comunicação social prolifera um jornalismo de insinuação, onde prima o sensacionalismo. Misturando-se verdades e suspeitas, coisas importantes e minudências, destroem-se impunemente reputações laboriosamente construídas, ao mesmo tempo que, banalizando o mal, se favorecem as pessoas sem escrúpulos”.
Quanto à omnipresença do Estado a “Sedes” não tem dúvidas: “Por seu lado, o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada. Além disso, demite-se muitas vezes do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasto de desconfiança. Num ambiente de relativismo moral, é frequentemente promovida a confusão entre o que a lei não proíbe explicitamente e o que é eticamente aceitável, tentando tornar a lei no único regulador aceitável dos comportamentos sociais. Esquece-se, deliberadamente, que uma tal acepção enredaria a sociedade numa burocratizante teia legislativa e num palco de permanente litigância judicial, que acabaria por coarctar seriamente a sua funcionalidade. Não será, pois, por acaso que é precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E que é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança”.
Depois de reconhecer que a “criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos” – embora Portugal ainda seja um país relativamente seguro – e que “a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência”, a “Sedes” denuncia uma cultura “predominantemente laxista no cumprimento da lei, em áreas menos relevantes para as necessidades do bom funcionamento da sociedade emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo utra-zeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom-senso” e faz um apelo com um destinatário claramente definido:
“O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. A sociedade civil pode e deve participar no desbloqueamento da eficácia do regime, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República (…) Este estado de coisas deve preocupar todos aqueles que se empenham verdadeiramente na coisa pública e que não podem continuar indiferentes perante a crescente dissociação entre o conceito de “res pública” e o de intervenção política! A regeneração é necessária e tem de começar nos próprios partidos políticos, fulcro de um regime democrático representativo. Abrir-se à sociedade, promover princípios éticos de decência na vida política e na sociedade em geral, desenvolver processos de selecção que permitam atrair competências e afastar oportunismos, são parte essencial da necessária regeneração (…)”.
Pois é…

Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 10 de Março de 2008)

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