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Opinião e coisas do nosso mundo...

segunda-feira, 31 de março de 2008

Opinião: IVA

Assisti sexta-feira ao debate na Assembleia da República (já agora será que aquele modelo regimental é realmente um debate parlamentar na verdadeira acepção da palavra, com primeiro-ministro e os próprios grupos parlamentares a ficarem sem tempo disponível, a dada altura, levando a que deputados coloquem perguntas aos membros do governo sabendo que não vão receber respostas, porque não há tempo disponível?) no qual a anunciada descida do IVA (em Julho) e a contenção do défice das contas públicas para valores que não eram registados há 30 anos. Não sendo eu um especialista nesta temática, direi apenas que penso que esta descida de um ponto percentual da taxa máxima do IVA é sobretudo simbólica, embora tenha um natural impacto, mesmo que reduzido no consumo. Admito que para os cidadãos com mais rendimentos, esta descida do IVA pouco ou nenhum significado possa ter, ao contrário dos cidadãos com menores rendimentos. Mas não vale a pena fazer festanças, até porque estamos a falar de um país que ainda não sabe se vai passar incólume à crise que agita os mercados internacionais.
O que as pessoas esperam é uma redução mais significativa no IVA, uma redução nos impostos sobre rendimentos, caso do IRS, ou do IRC que tributa as empresas. Recordo que o nosso país faz parte do lote dos países europeus com a taxa de IVA máxima mais elevada: Suécia e Dinamarca, ambos com 25,0 %, Polónia e Finlândia com 22%, Bélgica, Irlanda, Portugal, todos com 21%, Áustria, Hungria, Bulgária, Itália e Eslovénia, todos com 20%, França com 19,6%, Grécia, Alemanha, Roménia, República Checa, Países Baixos e Eslováquia, todos com 19%, Estónia, Lituânia, Letónia e Malta, todos com 18%, Reino Unido com 17,5%, Espanha com 16% e Chipre e Luxemburgo com 15%. E prescindo de cruzar estes valores, por exemplo, com os valores do salário mínimo em cada país…
Mesmo assim, admito que esta decisão do governo, associada ao controlo do défice público (resta saber se à custa da despesa, conjugada com a receita, como sustenta o governo, ou se apenas por causa da contenção da despesa, como argumenta a oposição) e do anuncio de que novas descidas dos impostos poderão acontecer este ano ou em 2009, é uma realidade que naturalmente incomoda a oposição ou, pelo menos, não lhe facilita o trabalho.
Porque há o reverso da medalha. As declarações do ex-ministro das Finanças de Sócrates, Campos e Cunha, contundente desta medida do governo, ou o pedido de esclarecimento feito ao governo no debate que atrás referi, e que ficou sem resposta. Falo do facto do governo socialista, interpelado por um deputado do Bloco de Esquerda sobre quais os ginásios que reduziram os preços de adesão aos seus serviços apesar do governo ter descido o IVA obrigado pela transposição de uma norma comunitária.
Outra questão que inevitavelmente tem que ser colocada, neste contexto, tem a ver com a alegada crise, no sector bancário nacional, que se está borrifando para o facto do povo estar cada vez mais endividado e sem dinheiro, mas que apenas aposta nos lucros – que aumentaram 2.490 milhões de euros em 2007, mais 290 milhões que no ano anterior – ou na pouca vergonha escandalosa das reformas atribuídas pelo BCP a administradores saneados e a falcatruas ainda não esclarecidas, e que se este povo tivesse alguma dignidade seriam motivo mais do que suficiente para uma reacção popular como deveria ser, agravando ainda mais as dificuldades da instituição bancária, neste caso por falta de clientes em carteira…
É esta contradição e esta libertinagem descarada por parte de instituições com falta de seriedade, que ninguém consegue explicar. Tal como referiu Jerónimo Sousa na Assembleia da Republica, nesse tal debate, os lucros da banca aumentaram mas o sector pagou menos 156 milhões de euros em impostos em 2007 comparativamente ao que se passou em 2006.
Em resumo, o IVA é um imposto cego porque indiscriminadamente afecta a todos, dado que incide sobre consumo e não sobre os rendimentos não sendo por isso aplicado em função do que ganham pobres ou ricos. O IVA já foi considerado o imposto mais injusto, embora dificilmente posamos considerar viável um mecanismo económico privado dessa tributação. Podemos é discutir valores, mas nunca a sua existência.
Uma nota final para referir que continuo a pensar que o grande problema do PSD no parlamento nacional, quer queira, quer não queira, é o de que o maior partido da oposição será sempre confrontado com o passado, e nisso Sócrates insiste sistematicamente e já admitiu que o fará as vezes que entender, porque essa responsabilidade passada, partilhada pelo PSD e pelo CDS/PP, não pode ser escamoteada. De facto, foi com esse governo que o défice das contas públicas fugiu ao controlo atingindo valores superiores aos 5,3%, pelo que quando vemos um Santana Lopes ou um Paulo Portas, os dois homens fortes desse governo demitido por Sampaio em 2005, serem confrontados com esses factos, facilmente percebemos o desconforto e constatamos que os dois partidos ficam com um campo de actuação claramente condicionado. E isso não ajuda.

Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 31 de Março de 2008)

P.S. Joana, 13 anos, é nome de uma jovem de Santa Maria da Feira, afectada por uma doença grave, e que precisa de apoio refugiando-se, e ao seu drama, na escrita. A mãe foi obrigada a deixar de trabalhar para se dedicar à sua filha. Naquela casa apenas o ordenado do pai é rendimento garantido. Já deixaram de pagar ao banco as prestações da casa que tinham comprado, quando os rendimentos eram outros. Agora aguardam a decisão do tribunal para que procedam à entrega da habitação à instituição bancária credora. A Câmara Municipal compara-se a um rol de promessas, sem qualquer sensibilidade para um caso humano e para o drama de uma família atingia pelo infortúnio. Mas é este país que somos, é este o mundo em que vivemos, é esta Humanidade de que fazemos parte. Enquanto isso a pequena Joana – e quantos dramas iguais ou semelhantes não existirão por esse país fora? - quase sente remorsos da sua doença e das dificuldades causadas aos seus pais. Uma reportagem emitida na SIC e que me emocionou, porque não sou capaz de perceber como é que esta injustiça acontece, porque não aceito que o poder político não resolva com rapidez e de forma consistente estes dramas. É por isso que muitas vezes apolítica mete nojo.

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