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Opinião e coisas do nosso mundo...

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Opinião: EXPLICAR?

Li há dias que “a tendência, expurgada do efeito dos choques petrolíferos resultantes da cartelização dos mercados mundiais, é de declínio da share dos recursos naturais”. Mas a autoridade da concorrência foi esta semana à Assembleia da República dizer que não havia cartelização – eu quase “chorei” quando ouvi o Presidente da GALP lamentar-se dos ataques à empresa… - embora tivesse admitido a existência de uma “coisa” nova que designou de “paralelismo” de preços que ninguém sabe muito bem do que se trata. Razão tinha um especialista quando há dias escrevia num jornal económico que nos tempos que correm a cartelização, para além de cada vez mais subtil, se veste de várias e novas formas além de que ninguém contesta uma harmonização concertada quando à política de preços dos combustíveis na Europa que, pelo menos, indicia uma tentativa de harmonização estratégica das decisões por parte das empresas abastecedoras do mercado europeu.
Mas quando se fala em cartel, saberá a opinião pública do que se trata? Sabem os portugueses que um cartel é um “agrupamento de empresas do mesmo ramo económico que acordam entre si seguirem normas que restringem a sua liberdade, mas que deixaram de ser concorrentes. Ou que se constituem cartéis para fixar os preços de compra e de venda de um produto, dividir o mercado e fixar as percentagens de produção de um produto por cada uma das empresas participantes”.
No meio de tudo isto, o que me parece patético é tudo o que se assiste a montante e a jusante da questão de fundo. Julgo que a esmagadora maioria dos portugueses não sabe, porque ninguém lhes explica, porque motivo tem subido de forma tão acelerada e ameaçadora o preço do petróleo no mercado mundial, quais as perspectivas até final do ano, que impacto terão esses cenários mais pessimistas, mas realistas, nas economias, particularmente dos países mais pobres como Portugal. Não. Porventura ouviram falar em aumentos inesperados de consumo em países como a China e a Índia, duas potências económicas mundiais emergentes (com taxas anuais de crescimento económico da ordem dos 8 a 10%!) mas também dois dos mais populosos países do mundo (1,3 mil milhões de habitantes na China e 1,1 mil milhões na Índia que em 2035 ultrapassará os chineses…). Dizem os especialistas que a manter-se esta procura extraordinária de petróleo, é natural que a oferta “jogue” num campo (o dos preços) que em situações normais, por exemplo no ano passado, apesar de alguns sintomas de especulação já então observados, não lhes propiciavam grandes margens de manipulação como agora acontece. O que se fala em Portugal é da descida dos impostos, que eu compreendo interesse à opinião pública, porque pagaria menos, e a quem está na oposição, por que precisa de votos. Mas se essa descida, que eu até admito pudesse acontecer, resolve o problema de fundo e garante a manutenção dos níveis de consumo? Duvido.
Mesmo com os portugueses a pouparem no consumo, as receitas do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos garantem ao Estado valores superiores a mais de dez milhões de euros por dia (em 2007), 3.500 milhões de euros só nos primeiros oito meses do ano passado, mais 3,4% face a igual período do ano anterior. O governo não gosta de falar do ISP, muito menos de quanto arrecada, e agora nem sequer dedica especial atenção ao facto do orçamento para 2008 ter “roubado” ao Estado mais de 600 milhões de euros desviados para financiar as Estradas de Portugal. E se os preços dos combustíveis entrarem numa escalada de subida - até final do ano fala-se já em 200 dólares por barril! - terão os governos que baixar todos os meses o respectivo ISP? E como serão compensadas as perdas de receitas daí resultantes, a que se juntam as quedas já significativas resultantes das baixas assinaláveis de consumo? É isto que precisa de ser explicado aos portugueses.
Para que as pessoas percebam do que estamos a falar e da dimensão do problema lembro que a queda no consumo de combustíveis que o mercado nacional está já a registar, como consequência dos elevados preços, a par da procura para Espanha, já custou aos cofres do Estado uma descida de 2% nas receitas do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP), o equivalente a 20 milhões de euros. Este número foi anunciado pelo próprio Teixeira dos Santos, que não se mostrou preocupado porque – lá está! - em contrapartida, o Estado encaixou mais receita de IVA, por força do aumento dos preços: “A receita do IVA é que não pode baixar, se não teríamos um grande problema orçamental e aí sim, teríamos razões para estar preocupados”. O curioso é que nas contas do ministro, o preço do petróleo em euros subiu 39% de Abril do ano passado a Abril deste ano enquanto que o preço da gasolina em venda ao público registou um acréscimo de 6,5% e o do gasóleo aumentou 20,6%.
Os governos dizem, com alguma razão, que a redução do imposto sobre produtos petrolíferos não resolve nada, mas não têm a coragem de dizer que uma descida de preços significa uma quebra das receitas que obrigará a que alguma medida compensatória seja tomada, seja ela qual for. Enquanto que o IVA é considerado um “imposto cego” porque incide directamente sobre o consumo, afectando indiscriminadamente todos os cidadãos, qualquer medida governamental – que teria que ser sempre de natureza fiscal - destinada a compensar essa quebra de receitas provenientes do ISP, acabaria por penalizar de uma forma também cega todos os cidadãos, incluindo aqueles que nem carro têm e que, por isso, ficariam com toda a moral para se considerarem discriminados e prejudicados. Admito que podem ser pensadas formas de apoio, mais significativas, destinadas a sectores estratégicos da economia – pescas, indústria, transportes, etc – evitando a penalização dos consumidores pelos aumentos de preços registados. Mas não podemos falar a sério nisso num país que mantém para os iates de luxo, preços do gasóleo semelhante ao que é praticado para o sector piscatório.
E há ainda uma espécie de componente negra nesta história toda, que é a indiferença da União Europeia e da comunidade internacional perante os resultados de tudo isto no preço dos alimentos e na alimentação dos mais pobres, tudo por causa da subida dos preços, quer devido a problemas na origem (na produção) quer devido ao facto de estarem a ser canalizados recursos para iniciativas no âmbito da bioenergia que penalizam os países mais pobres.


Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 05 de Junho de 2008)

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