Opinião: O “ÓPIO DO POVO”?
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Se perguntarem aos jovens dos nossos tempos – aparentemente desinteressados da política e pouco ou nada motivados com os partidos – seja o que for, sobre os problemas sociais, as injustiças, dos homens que perseguem os seus iguais, a fome, a pobreza, a doença, sobre os que morrem por falta de assistência médica e medicamentos, o analfabetismo porque não há escolas ou professores, se falaram aos jovens nisso tudo, podem ter a certeza que vão descobrir em cada um deles um sentimento de revolta e de indignação, porventura sinal de irritação, uma atitude de revolta e de frustração, mas simultaneamente também um estranho acto de rendição, diria quase de submissão, influenciado pela consolidação da ideia da incapacidade de alterar este estado de coisas. Mas não é disso que vou falar, da fome que aumentou nos últimos meses porque aumentaram os preços de bens essenciais aos mais pobres e que pouco ou nada têm para comer. Morrer à fome no mundo que nos rodeia tornou-se infelizmente uma realidade contra a qual ninguém faz nada, porque não é a solidariedade efémera e que se transforma num espectáculo mediático, que nos ajuda a mudar seja o que for. O que é facto é que é que foi Marx quem afirmou que "a religião é o ópio do povo", uma ideia que consta da sua “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, publicada em 1844. Há muito tempo, tempo demasiado para que hoje se façam comparações. Porque tudo mudou, mudou o mundo, mudaram as ideias, mudaram as ideologias, mudou a política, mudaram os homens, mudaram-se as prioridades e os ideais.
Marx tinha “apenas” um problema. Nunca sonhou com este mundo real, preferindo antes desenvolver a “Utopia” que Thomas Moore, editada em 1516. No seu tempo, a bola de futebol era quadrada, não existiam campos de futebol, estádios magníficos, milhões para serem desbaratados, multidões eufóricas com jogadores de reconhecida habilidade, num espectáculo mediático a fazer lembrar os circos romanos onde se combatia e morria às mãos dos homens ou dos dentes das feras, para gáudio de muitos patéticos “césares” e das côrtes de parasitas que deambulavam à sua volta, em permanente conspiração. Marx não contava com as televisões que preferem o mediatismo do futebol a tudo resto, que escondem a fome ou desvalorizam a pobreza, em nome do luxo, da telenovela ou do “cor-de-rosa” balofo e hipócrita que por aí anda infestando tudo por onde passa. Marx não imaginava este outro “ópio do povo”, mais moderno, mais mediático, expandido à escala mundial, que derruba fronteiras com a maior facilidade deste mundo, escondendo misérias que todos conhecem. Com futebol descansam os governos, podem aumentar os preços, pode o Banco de Portugal andar a alertar para o endividamento ou a OCDE a dizer que afinal o desemprego vai crescer e o desenvolvimento económico baixar. Podem até falar todos ao mesmo tempo, porque ninguém desvia o olhar, um segundo que seja, dos ecrãs de televisão, dos passes mágicos, das fintas, dos dribles, das rasteiras, dos erros dos árbitros, das penalidades, dos livres, dos golos ou golaços, etc., Porque o mundo, nesses dias enquanto durante este Euro-2008, vai circunscrever-se a isso mesmo, ao sucesso ou ao azar de povos e países. Depois do Euro-2008 voltamos a falar de novo, os governos voltam a ter menos descanso, as graves e paralizações podem voltar a ser convocadas. Mas até lá, nada. Os combustíveis podem aumentar, o desemprego subir, as empresas encerrar, o custo de vida subir, etc, porque mais importante do que isso é saber se o Ronaldo vai mandar os turcos para o oculista, graças aos seus dribles junto à linha, ou se o “Petit” vai despachar alguns checos a meio campo, qual “cortadora de relva” ou então se o Bosingwa vai obrigar a equipa Suiça a correr atrás de si o jogo todo, qual tartaruga a competir com um cavalo de corrida. Claro que se tudo isto falhar, se o azar nos bater à porta mais cedo do que muitos esperam, então as coisas complicam-se um pouco, mas não tanto até ao menos sabermos qual será a equipa que leva a taça para casa. Sempre gostava de saber o que é que Marx e outros filósofos do seu tempo, à direita ou à esquerda, conseguiriam fazer contra este novo “ópio do povo”…
Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 06 de Junho de 2008)
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