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Opinião e coisas do nosso mundo...

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Opinião: O “ÓPIO DO POVO”?


Andava o coitado do Marx mergulhado nas teorizações é volta d a filosofia e da estruturação do marxismo e da luta dos trabalhadores quando descobriu, num laivo de inspiração iluminada que “a religião era o ópio do povo”. Estávamos numa tempo de mudança, um pouco por toda a Europa, lançando as sementes para posteriores períodos revolucionários mais conturbados que remeteram aos poucos para as prateleiras da História, protagonistas, acontecimentos e as histórias sobre da influência da Igreja sobre a política em geral e sobre os sistemas de governo então existentes na Europa em particular, numa conjuntura marcada então pelo primado do religioso em detrimento do ideológico e do abstracto filosófico numa sociedade europeia profundamente iletrada, diria mesmo analfabeta. Mas a verdade é que essa ideia de Marx, prevaleceu no tempo, sendo ainda hoje repetida pelos que simbolizam a réstia desses tempos áureos das teorias marxistas-leninistas que, doa a quem doer, não levaram, de forma nenhuma, a revolução ao povo, nem lhes trouxeram a felicidade ou a igualdade. Basta ver as disparidades, a miséria, os paradoxos, os contrastes, os abusos de poder que a queda do Muro colocou a nu. Pelo menos a revolução pela igualdade, em si mesmo utópica, é certo, mas tal como ela tinha sido idealizada pelos pensadores da época, que aceito estivessem imbuídos pelo desejo de dignificação do Homem e empenhados no combate às injustiças e desigualdades sociais, à exploração do homem pelo homem, ao contraste entre os que arrotam de pança cheia e vivem da corrupção, e os seus semelhantes que, mesmo ao seu lado, mergulhados na mais miserável pobreza privação, transformam cada dia num permanente desafio em prol da sua sobrevivência e dos seus, porventura utopicamente perseguidos, não pelas teorias de Marx ou outros filósofos, mas pelo muito humano desejo de alcançarem a dignidade a que todo o Homem deveria ter o direito. Curiosamente os desafios que na sociedade moderna se colocam com acrescida pertinência!
Se perguntarem aos jovens dos nossos tempos – aparentemente desinteressados da política e pouco ou nada motivados com os partidos – seja o que for, sobre os problemas sociais, as injustiças, dos homens que perseguem os seus iguais, a fome, a pobreza, a doença, sobre os que morrem por falta de assistência médica e medicamentos, o analfabetismo porque não há escolas ou professores, se falaram aos jovens nisso tudo, podem ter a certeza que vão descobrir em cada um deles um sentimento de revolta e de indignação, porventura sinal de irritação, uma atitude de revolta e de frustração, mas simultaneamente também um estranho acto de rendição, diria quase de submissão, influenciado pela consolidação da ideia da incapacidade de alterar este estado de coisas. Mas não é disso que vou falar, da fome que aumentou nos últimos meses porque aumentaram os preços de bens essenciais aos mais pobres e que pouco ou nada têm para comer. Morrer à fome no mundo que nos rodeia tornou-se infelizmente uma realidade contra a qual ninguém faz nada, porque não é a solidariedade efémera e que se transforma num espectáculo mediático, que nos ajuda a mudar seja o que for. O que é facto é que é que foi Marx quem afirmou que "a religião é o ópio do povo", uma ideia que consta da sua “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, publicada em 1844. Há muito tempo, tempo demasiado para que hoje se façam comparações. Porque tudo mudou, mudou o mundo, mudaram as ideias, mudaram as ideologias, mudou a política, mudaram os homens, mudaram-se as prioridades e os ideais.
Marx tinha “apenas” um problema. Nunca sonhou com este mundo real, preferindo antes desenvolver a “Utopia” que Thomas Moore, editada em 1516. No seu tempo, a bola de futebol era quadrada, não existiam campos de futebol, estádios magníficos, milhões para serem desbaratados, multidões eufóricas com jogadores de reconhecida habilidade, num espectáculo mediático a fazer lembrar os circos romanos onde se combatia e morria às mãos dos homens ou dos dentes das feras, para gáudio de muitos patéticos “césares” e das côrtes de parasitas que deambulavam à sua volta, em permanente conspiração. Marx não contava com as televisões que preferem o mediatismo do futebol a tudo resto, que escondem a fome ou desvalorizam a pobreza, em nome do luxo, da telenovela ou do “cor-de-rosa” balofo e hipócrita que por aí anda infestando tudo por onde passa. Marx não imaginava este outro “ópio do povo”, mais moderno, mais mediático, expandido à escala mundial, que derruba fronteiras com a maior facilidade deste mundo, escondendo misérias que todos conhecem. Com futebol descansam os governos, podem aumentar os preços, pode o Banco de Portugal andar a alertar para o endividamento ou a OCDE a dizer que afinal o desemprego vai crescer e o desenvolvimento económico baixar. Podem até falar todos ao mesmo tempo, porque ninguém desvia o olhar, um segundo que seja, dos ecrãs de televisão, dos passes mágicos, das fintas, dos dribles, das rasteiras, dos erros dos árbitros, das penalidades, dos livres, dos golos ou golaços, etc., Porque o mundo, nesses dias enquanto durante este Euro-2008, vai circunscrever-se a isso mesmo, ao sucesso ou ao azar de povos e países. Depois do Euro-2008 voltamos a falar de novo, os governos voltam a ter menos descanso, as graves e paralizações podem voltar a ser convocadas. Mas até lá, nada. Os combustíveis podem aumentar, o desemprego subir, as empresas encerrar, o custo de vida subir, etc, porque mais importante do que isso é saber se o Ronaldo vai mandar os turcos para o oculista, graças aos seus dribles junto à linha, ou se o “Petit” vai despachar alguns checos a meio campo, qual “cortadora de relva” ou então se o Bosingwa vai obrigar a equipa Suiça a correr atrás de si o jogo todo, qual tartaruga a competir com um cavalo de corrida. Claro que se tudo isto falhar, se o azar nos bater à porta mais cedo do que muitos esperam, então as coisas complicam-se um pouco, mas não tanto até ao menos sabermos qual será a equipa que leva a taça para casa. Sempre gostava de saber o que é que Marx e outros filósofos do seu tempo, à direita ou à esquerda, conseguiriam fazer contra este novo “ópio do povo”…


Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 06 de Junho de 2008)

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