PINACULOS

Opinião e coisas do nosso mundo...

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Artigo: Duas Notas

I. A Comissão Permanente da Assembleia Legislativa da Madeira reúne-se hoje para definir quando se inicia a nova legislatura regional, tudo indicando que tal possa acontecer até 30 de Maio. Os deputados eleitos em 2004, por força da dissolução do parlamento e das competências da referida Comissão Permanente, vão pronunciar-se não só sobre essa data, mas porventura sobre alguns procedimentos importantes e urgentes, como é o caso da alteração do Regimento. Para que tal aconteça é preciso que uma iniciativa seja entregue e que, a partir daí, o processo seja despoletado, já que todos os partidos terão as suas propostas e/ou ideias sobre a temática em questão.
Em situações normais diria que o início de uma nova Legislatura tem que corresponder a um esforço redobrado, e renovado, de todos para que o parlamentarismo autonómico se dignifique, coisa que em abono da verdade não tem acontecido com a amplitude que queríamos e que achamos deveria ter sido conseguida. A bipolarização vai continuar, porventura ainda mais reforçada e a disparidade de partidos (7) representados faz com que novos procedimentos sejam adoptados, sob pena da actividade parlamentar poder encalhar nas frequentes contradições regimentais, nas omissões ou nas “artimanhas” de partidos mais experimentados nestas andanças.
Esta nova Assembleia Legislativa não pode ser mais do mesmo, vai continuar a ser, e ainda bem, o local privilegiado do debate político regional, quer interno, quer por tudo o quem, a partir dela passa “lá para fora”, por via dos meios de comunicação social. Mas isso nada tem a ver com a subversão das regras do jogo parlamentar, com a tentativa de colocar os 72% dos mandatos num patamar de paridade com os restantes 28% só porque é “chique”, porque os partidos se insinuam melhor junto dos média, ou porque há uns iluminados que acham que as eleições se fazem apenas para saber quem as ganha, mas que, depois, tudo deve continuar na mesma, com os partidos iguais entre si. Nada disso. Este mandato será para um mandato de combate político, marcado por factos que, a seu tempo, acabarão por influenciar e muito o cenário de 2011, pelo que é de prever que o PSD não ceda nas pressões que sobre ele serão feitas. O regimento deve ser rigoroso, quer nos comportamentos, quer na linguagem utilizada, nas acusações pessoais, nas insinuações feitas em plenário e que depois não se provam. A ética tem que estar presente, sob pena de abandalharmos o que já não anda nada bem visto junto dos cidadãos eleitores, por muito que se insista na tese, correcta, de que o parlamento é o principal órgão de governo próprio. É sim, mas às vezes não parece. E todos terão responsabilidades, todos poderão apontar o dedo aos demais, porque nisto, tal como não há só “anjolas”, também nem só alguns serão os “demos” deste filme...

II. O rapto da pequena inglesa, Madeleine McCann tem mobilizado a atenção da opinião pública portuguesa e internacional. Mas tenho que dizer que, no meio de toda esta fobia informativa, até episódios perfeitamente idiotas se transformam em notícias. Para além de algumas notícias surgidas na fase inicial deste caso sobre os membros do casal, das acusações – que ainda impendem sobre eles – de irresponsabilidade por terem deixado três crianças num fechados num apartamento quando foram jantar fora, é um facto que o jornalismo continua a viver de factos que, por não existirem, acabam por conduzir as reportagens para banalidades, diria mesmo para futilidades e para a asneirada. Recordo, por exemplo, que todas as televisões deram destaque a uma mulher inglesa, idosa, que numa carrinha montou uma banca de recepção denúncias relacionadas com o caso e o paradeiro da pequena inglesa. Dias depois essa mulher foi identificada como a mãe do único arguido, um tal Murat! Deixaram de falar na mulher, que deixou de ter direito a entrevistas e tudo o mais. Já perceberam o logro de muitos “factos” e “notícias”? Já perceberam que o branqueamento das responsabilidades dos pais neste caso não pode continuar? Já perceberam que as pessoas começam a aperceber-se que moralmente são eles os culpados de tudo o que se passou naquele apartamento?
Mas há mais. É patético – para além de questões que tem a ver com o recursos financeiros disponíveis, do facto dos pais serem dois médicos, do mediatismo que eles conseguiram junto dos meios de comunicação social ingleses e da atenção dada ao “caso” – que as televisões portuguesas tenha sido todas levadas por arrastamento, quando é sabido que em Portugal ninguém ouve falar das milhares de crianças que todos os anos desaparecem na Inglaterra, assim como os ingleses se estão borrifando nos problemas que os portugueses tenham neste domínio. Pior do que isso, e revelador da hipocrisia subjacente a tudo isto: e as crianças portuguesas desaparecidas em Portugal? A nossa Sofia aqui na Madeira? O Rui Pedro, apesar dos esforços da sua mãe? Onde andam eles? Que interesse têm as nossas televisões dedicado ao assunto? Que investigação anda a PJ a fazer? Quantos minutos de silêncio se registaram nesse país, Algarve incluído, por todas essas crianças do nosso País? Haja vergonha. Repito, uma coisa é a solidariedade com estes ou quaisquer outros pais cujos filhos são raptados, outra coisa é nos deixarmos ser arrastados pela hipocrisia que muitas vezes nos faz esquecer a realidade. Afinal que diferença existe, em termos de drama familiar e de facto social, entre o rapto de uma criança inglesa, portuguesa, chinesa, latino-americana, etc? Será que o sofrimento varia conforme a cor da pele, a profissão dos pais, o dinheiro que eles possuam ou o local onde tudo se passa?
Mas a irresponsabilidade desavergonhada de alguma comunicação social mais vocacionada para o “espectáculo mediático”, não pode ignorar que deram mais destaque a este caso e empenharam meios no terreno, do que a todos os outros casos de raptos de crianças portuguesas. E nem mesmo o caso da bebé de Penafiel mereceu atenção. Não fosse a polícia a abastecer os média com notícias e eles nem disso falavam. Criticas? Que sejam. Mas eu assumo-as. Deixem-se de palhaçadas, não especulem, não inventem, não façam, histórias tontas à volta de um assunto demasiado sério, não fiquem reféns de disputas de audiências ou de outras. E pensem nas nossas crianças desaparecidas, em tudo o que poderia, e de veriam ter sido feito, e não foi.
Luís Filipe Malheiro

Jornal da Madeira, 22 de Maio 2007

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