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quarta-feira, 23 de maio de 2007

Artigo:Europa I

Eu acho lamentável – e não concordo em nada - que o Presidente da República tivesse afirmado, recentemente, não concordar com a realização de um referendo em Portugal para a ratificação do Tratado Constitucional Europeu, por entender que este documento deve ser aprovado na Assembleia da República: "Antes de ser nomeado Presidente da República, nunca manifestei entusiasmado em relação aos referendos". Pouco me importa o que pensa hoje Cavaco Silva. O que não lhe reconheço é o direito de querer manipular partidos e a opinião pública, fugindo ao referendo, ignorando deliberadamente a opinião dos mesmos portugueses que votaram na sua eleição presidencial e o colocaram no Palácio de Belém.
Cavaco diz-se adepto da ratificação do tratado pelo Parlamento português, sem recurso a um referendo popular, acusando os partidos políticos de precipitação nesta matéria - "Às vezes avança-se sem pensar nas consequências e depois o que fazem é corrigir" - e deles esperando que meditem serenamente sobre o processo de ratificação. Eu sou um europeísta convicto, acho que Portugal fora da União Europeia é o desastre, assim como a Europa sem um novo Tratado Constitucional será um projecto condenado ao fracasso. Mas considero que numa matéria tão importante não podemos exigir que sejam os políticos, uns mais iluminados que outros, uns mais oportunistas que outros, a quererem fazer tudo nas costas do Povo, impondo aos portugueses modelos políticos e económicos que terão um significativo impacto no futuro dos cidadãos e dos países - e de que maneira! – se que aqueles que elegem os políticos não podem dizer o que pensam.
Não conta comigo toda e qualquer corrente apologista da imposição Tratado, sem referendo popular, por muito que o ”bloco central” queira funcionar ou que as pessoas percam a cedência para cederem, por mero oportunismo às manipulações presidenciais nesta matéria. E se o PSD embarcar na loucura dessas teses tontas de recusa do referendo, eu estarei do outro lado da batalha pugnado para que o Povo tenha o direito a pronunciar-se. Eu votarei sim, mas a proposta inicial de Tratado Constitucional tem que sofrer alguns ajustes. O documento que recebeu um “Não” na França e na Holanda, da minha parte terá idêntica resposta. A Europa não é dos grandes países nem podemos tolerar que se instale no eixo Bruxelas-Estrasburgo uma espécie de burocracia elitista, como se o projecto europeu se circunscrevesse a uma disputa de datas ou à distribuição de cheques milionários.
Já antes destas declarações de Cavaco, ficamos a saber que Durão terá tentado pressionar José Sócrates para não fazer referendo, refugiando-se, segundo a imprensa, no argumento de que os “países da União Europeia pretendem resolver a questão constitucional reduzindo ao mínimo a realização de referendos”, posição que segundo alguns jornalistas pode levar o Governo português a reconsiderar a sua posição sobre o assunto. O que é mais vergonhoso é que em Bruxelas se anda a tentar manipular (eu diria condicionar) Portugal, por causa da presidência da União. O problema é que o primeiro-ministro está entalado com a promessa eleitoral do referendo, e não me parece muito interessado em voltar a comportar-se perante os portugueses como um mentiroso incurável e sem escrúpulos, que promete uma coisa mas que sistematicamente faz outra. Já bastaram outros exemplos, desde Fevereiro de 2005.
Porque é que eu acho que o referendo se tem que realizar, e que os partidos e a classe política de uma maneira geral tem que assumir as suas responsabilidades e envolver-se numa campanha de esclarecimento das pessoas? Já não basta a vergonha de abstenções nas eleições europeias que, apesar de tudo, e no caso da Madeira, são as menores de todo o País e que, ainda por cima, nas últimas europeias até baixaram comparativamente ao acto eleitoral anterior? Porque acho que os eleitores têm que ser informados, tem que se sentir mobilizados a participar na construção do projecto europeu, tem que saber identificar a importância da União Europeia para todos nós. Temos que combater a ideia que os lugares europeus são tachos principescamente bem pagos, ou que nalguns casos, funcionam como prateleiras douradas para políticos que não se retiram da actividade política nos vários países e que encontram ali um ”hobby” que adia uma reforma compulsiva. E de certeza absoluta que nada disso será conseguido, nem esses objectivos serão alcançados, se decidirem manter tudo distante das pessoas, longe do envolvimento e da decisão dos cidadãos. Impor a Europa aos europeus tem sido nestes anos todos o grande erro de uma União Europeia que porventura está moribunda, que não consegue disfarçar as suas contradições e que caminha aceleradamente para uma encruzilhada, pelo simples facto de que os eurocratas querem decidir tudo nas costas do Povo.
Luís Filipe Malheiro

Jorn al da Madeira, 23 de Maio 2007

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