Opinião: Mais uma nega
Tal como se esperava, o Tribunal Constitucional, através do seu acórdão nº 238/2008, que teve o conselheiro Carlos Fernandes Cadilha como relator, retirou qualquer possibilidade de razão, uma vez mais, à Madeira no que à Lei de Finanças regionais diz respeito. Esta foi a resposta a uma iniciativa desencadeada pelo Presidente do parlamento, na sequência de uma resolução apresentada pelo PSD que, basicamente, contestava a competência da Assembleia da República para aprovar novos procedimentos em matéria das relações financeiras entre o Estado e a Madeira, desde que ultrapassando a reclamada predominância – era esse o argumento – do Estatuto Político da Região (o documento do TC refere que “o Requerente fundamenta o pedido no valor supra-legislativo dos Estatutos Político-Administrativos da Regiões Autónomas e no carácter de subordinação da Lei das Finanças das Regiões Autónomas a esses Estatutos, imputando às referidas disposições, por via disso, diversas ilegalidades violadoras de direitos das regiões autónomas neles consagrados”). Admito que esta posição do TC venha a ter igualmente consequência na mais do que previsível recusa de São Bento, dado o predomínio da maioria parlamentar socialista, relativamente à proposta de alteração à referida lei de Finanças regionais, iniciativa do Governo Regional aprovada pela Assembleia Legislativa e que se encontra a aguardar agendamento. Dias depois de ter sido divulgado este acórdão do TC – por sinal disponível online para consulta – surgiu a notícia, mais uma, relacionada com a “guerra” entre o tribunal Constitucional e os partidos, tudo por causa das transferências que a Assembleia faz para os partidos, ao abrigo da lei orgânica, e das exigências de prestação de contas que o TC a todos coloca, mas que não é pacificamente aceite por alguns partidos que alegam ser essa responsabilidade do Tribunal Constitucional.
A verdade é que de polémica em polémica estamos “nisto” há anos, sem saber bem qual a saída para o que padece ser um impasse interpretativo de disposições legislativas, mas que acaba por colocar ciclicamente na agenda política uma matéria – o apoio financeiro aos partidos – que não é fácil de ser gerida e que muito menos é cómoda, não propriamente pelos apoios concedidos – porque nos Açores e em Lisboa (Assembleia da República) eles também existem – mas pela dimensão dessas transferências que contrastam com as dificuldades financeiras da Região. Não podemos ser hipócritas e negar o que é uma evidência que as pessoas começam a perceber que precisa de ser devidamente explicada no plano político, sem pôr em causa a eventual necessidade do erário público financiar os partidos. A questão é que, dizem alguns, se esse apoio visa impedir “esquemas” de financiamento privado ilegal (por baixo da mesa para que as pessoas percebam do que falamos) por outro lado, situações como a que recentemente envolveu a Somague e PSD nacional (ambos condenados pelo Tribunal competente ao pagamento de pesadas coimas), acabam por lançar a confusão, levando as pessoas a interrogar-se sobre se tais financiamentos continuam ou não a ocorrer. No caso da Madeira, recordo que a Assembleia Legislativa solicitou à Procuradoria-Geral da República um parecer sobre este ”diferendo”, pedido esse feito há vários meses, mas que até hoje continua sem resposta, mesmo que, pessoalmente, duvide que qualquer documento emanado pela PGR não se coloque ao lado da perspectiva do Tribunal de Contas, entidades que nos últimos tempos têm vindo a trabalhar de forma sintonizada.
São estas contradições que ninguém entende. Recordo-me, a propósito, do caso da publicidade na RTP, que o PSD de Meneses pretendia acabar por se tratar de um canal do Estado, ao mesmo tempo que criticava os gastos orçamentais com a RTP. Ou seja, por um lado pretendia impedir uma fonte de receita e de financiamento da estação, por outro criticava as transferências orçamentais para a empresa. Estaria o PSD ou não a fazer um “frete” a outros interesses privados no sector, numa conjuntura marcada por uma comprovada retracção do mercado publicitário no que à comunicação social diz respeito?
A verdade é que de polémica em polémica estamos “nisto” há anos, sem saber bem qual a saída para o que padece ser um impasse interpretativo de disposições legislativas, mas que acaba por colocar ciclicamente na agenda política uma matéria – o apoio financeiro aos partidos – que não é fácil de ser gerida e que muito menos é cómoda, não propriamente pelos apoios concedidos – porque nos Açores e em Lisboa (Assembleia da República) eles também existem – mas pela dimensão dessas transferências que contrastam com as dificuldades financeiras da Região. Não podemos ser hipócritas e negar o que é uma evidência que as pessoas começam a perceber que precisa de ser devidamente explicada no plano político, sem pôr em causa a eventual necessidade do erário público financiar os partidos. A questão é que, dizem alguns, se esse apoio visa impedir “esquemas” de financiamento privado ilegal (por baixo da mesa para que as pessoas percebam do que falamos) por outro lado, situações como a que recentemente envolveu a Somague e PSD nacional (ambos condenados pelo Tribunal competente ao pagamento de pesadas coimas), acabam por lançar a confusão, levando as pessoas a interrogar-se sobre se tais financiamentos continuam ou não a ocorrer. No caso da Madeira, recordo que a Assembleia Legislativa solicitou à Procuradoria-Geral da República um parecer sobre este ”diferendo”, pedido esse feito há vários meses, mas que até hoje continua sem resposta, mesmo que, pessoalmente, duvide que qualquer documento emanado pela PGR não se coloque ao lado da perspectiva do Tribunal de Contas, entidades que nos últimos tempos têm vindo a trabalhar de forma sintonizada.
São estas contradições que ninguém entende. Recordo-me, a propósito, do caso da publicidade na RTP, que o PSD de Meneses pretendia acabar por se tratar de um canal do Estado, ao mesmo tempo que criticava os gastos orçamentais com a RTP. Ou seja, por um lado pretendia impedir uma fonte de receita e de financiamento da estação, por outro criticava as transferências orçamentais para a empresa. Estaria o PSD ou não a fazer um “frete” a outros interesses privados no sector, numa conjuntura marcada por uma comprovada retracção do mercado publicitário no que à comunicação social diz respeito?
Voltando ao acórdão do tribunal Constitucional sobre a iniciativa do Presidente da Assembleia Legislativa solicitando a declaração de ilegalidade de vários artigos da chamada Lei das Finanças das Regiões Autónomas, não vou entrar em pormenores explicativas, nem tão pouco na divulgação dos fundamentos legais usados pelas duas partes, até porque seria complicar um assunto demasiado sério e afastar as pessoas do entendimento que reclamam e precisam. Direi apenas que por muitos que sejam os esforços, incluindo os do Presidente da República, para a normalização das relações entre o Estado e a Região, e embora existindo matérias que continuam a aguardar evolução e decisão, as quais nada têm a ver com temática financeira, a verdade é que, comprovadamente, a Lei de Finanças Regionais, e as restrições que através dela a Madeira tem vindo a ser objecto, continua a se o principal, obstáculo, diria o único obstáculo sério, impeditivo da normalização dessas relações institucionais bilaterais.
Limito-me a recordar os argumentos do TC no capítulo que ele próprio designou de “Parâmetros de validade jurídica da Lei de Finanças das Regiões Autónomas”: “ De tudo o que anteriormente se expôs decorre a necessária conclusão de que, por força da repartição constitucional de competências, os parâmetros de validade jurídica das normas relativas às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas se devem procurar na Constituição e não nos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas. Assim, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira não é, no que respeita às “relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas”, o referente de validade da Lei das Finanças das Regiões Autónomas. Pois, nos termos da Constituição, é a essa Lei, cuja aprovação e iniciativa competem em exclusividade à Assembleia da República, que cumpre regular as referidas relações financeiras. À Assembleia da República cabe, pois, concretizar, na Lei de Finanças da Regiões Autónomas, os termos exactos do princípio da autonomia financeira e do princípio da solidariedade nacional em matéria financeira; pode também definir a forma de cálculo das transferências orçamentais e, ainda, a possibilidade de prestação de garantias aos empréstimos contraídos pelas regiões autónomas. Pelo que deve, nesse plano, obediência à Constituição da República Portuguesa (…) Não está, contudo, a Assembleia da República impedida pelas normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira de regular, da forma que entender mais adequada, no quadro normativo dos preceitos e princípios constitucionais, as matérias relativas às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas. Nos termos da Constituição da República Portuguesa, essas relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas devem ser reguladas por uma lei de valor reforçado da Assembleia da República que possa ser modificada por iniciativa parlamentar, ou seja, pela lei orgânica que define o regime das finanças das regiões autónomas”. Ora, assentando o presente pedido de declaração de ilegalidade de normas da Lei das Finanças Regionais no valor supra-legislativo dos Estatutos Político-Administrativos da Regiões Autónomas e no carácter de subordinação da Lei das Finanças das Regiões Autónomas a esses Estatutos, prejudicado fica, desde logo, o conhecimento das concretas questões de ilegalidade que vêm suscitadas. Essa apreciação apenas se justificaria se pudesse concluir-se pela superioridade paramétrica dos Estatutos Regionais relativamente à Lei de Finanças das Regiões Autónomas, caso em que se tornava ainda necessário verificar se existia uma efectiva contrariedade, conforme vem alegado, entre as impugnadas normas desta Lei e as disposições do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira”.
Limito-me a recordar os argumentos do TC no capítulo que ele próprio designou de “Parâmetros de validade jurídica da Lei de Finanças das Regiões Autónomas”: “ De tudo o que anteriormente se expôs decorre a necessária conclusão de que, por força da repartição constitucional de competências, os parâmetros de validade jurídica das normas relativas às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas se devem procurar na Constituição e não nos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas. Assim, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira não é, no que respeita às “relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas”, o referente de validade da Lei das Finanças das Regiões Autónomas. Pois, nos termos da Constituição, é a essa Lei, cuja aprovação e iniciativa competem em exclusividade à Assembleia da República, que cumpre regular as referidas relações financeiras. À Assembleia da República cabe, pois, concretizar, na Lei de Finanças da Regiões Autónomas, os termos exactos do princípio da autonomia financeira e do princípio da solidariedade nacional em matéria financeira; pode também definir a forma de cálculo das transferências orçamentais e, ainda, a possibilidade de prestação de garantias aos empréstimos contraídos pelas regiões autónomas. Pelo que deve, nesse plano, obediência à Constituição da República Portuguesa (…) Não está, contudo, a Assembleia da República impedida pelas normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira de regular, da forma que entender mais adequada, no quadro normativo dos preceitos e princípios constitucionais, as matérias relativas às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas. Nos termos da Constituição da República Portuguesa, essas relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas devem ser reguladas por uma lei de valor reforçado da Assembleia da República que possa ser modificada por iniciativa parlamentar, ou seja, pela lei orgânica que define o regime das finanças das regiões autónomas”. Ora, assentando o presente pedido de declaração de ilegalidade de normas da Lei das Finanças Regionais no valor supra-legislativo dos Estatutos Político-Administrativos da Regiões Autónomas e no carácter de subordinação da Lei das Finanças das Regiões Autónomas a esses Estatutos, prejudicado fica, desde logo, o conhecimento das concretas questões de ilegalidade que vêm suscitadas. Essa apreciação apenas se justificaria se pudesse concluir-se pela superioridade paramétrica dos Estatutos Regionais relativamente à Lei de Finanças das Regiões Autónomas, caso em que se tornava ainda necessário verificar se existia uma efectiva contrariedade, conforme vem alegado, entre as impugnadas normas desta Lei e as disposições do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira”.
Em resumo, perguntarão as pessoas habituadas a olhar para o Estatuto Político como se se tratasse de uma espécie de “constituição das autonomias”: para que serve afinal o Estatuto Político se ele nem consegue ser um instrumento de defesa dos interesses financeiros da Região Autónoma?
Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 05 de Maio de 2008)
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