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Opinião e coisas do nosso mundo...

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Opinião: GREVES E FOME

Todos nós nos confrontamos, nos últimos meses, com situações absurdas, todas elas relacionadas, mais ou menos directamente, com o aumento dos preços dos combustíveis. Apesar da pressão e dos efeitos da paralização, por exemplo do sector dos transportes (em Portugal 93% do movimento de mercadorias de fora para dentro do país e do interior para o exterior, é feito por estrada e com recurso aos camiões), parece-me que existem reivindicações que são atentatórias, porque não podemos colocar todos os portugueses a suportar dificuldades que existem nalguns sectores económicos - suporte esse que, se fosse feito, só o poderia ser à á custa do orçamento do Estado, acompanhando portanto do aumento de impostos que compensassem o acréscimo de encargos, evitando-se assim novo desequilíbrio das contas públicas. Além disso o Estado não tem condições para acudir aos problemas de todas as actividades económicas nacionais, nem pode tolerar que se instale na sociedade portuguesa, mais do que a anarquia que por falta de autoridade e do exercício da força mergulha o país no caos, revoltando os cidadãos que não tardam muito, a manter-se tudo como está, vão revoltar de forma violenta contra os protagonistas desta paralização idiota, causando o que me parece possa ser uma inevitabilidade, a queda do governo socialista opor incapacidade.
O governo, que não acredito possa ceder sob pressão – porque todos conhecemos o perfil de José Sócrates – não pode permitir que, por causa de pressões avulsas, que podem suceder –se numa espiral infindável de reivindicações sectoriais, se instale na sociedade nacional uma espécie de portugueses de primeira e outros de segunda, uns beneficiando de apoios e de favores orçamentais enquanto que outros levam com uma carga tributária que deveria envergonhar qualquer governo que exibisse a suprema lata de insinuar que está preocupado com a sua política social. Porque não está mesmo. A propaganda governamental tentou, sem sucesso, esconder o que aconteceu durante estas semanas e desvalorizar ou ignorar a realidade ameaçadora resultante do aumento do petróleo pelo que, repentinamente, viu-se a braços com uma pressão social de tal modo que o governo socialista é claramente penalizado e não consegue neutralizar a sua incompetência para resolver seja o que for, a que se associam as limitações impostas pela própria União Europeia, uma instituição contestada e burocratizada que hoje luta pela sua sobrevivência, mergulhada como está numa crise de ausência de credibilidade. Tudo porque prefere impor as tais regras em defesa do funcionamento do mercado aberto, sem intervenção proteccionista estatal.
Enquanto isso, com o petróleo mergulhado numa instabilidade de preços e os cereais a ameaçarem que continuarão a sua espiral de aumento dos preços, vemos a UNICEF denunciar que há presentemente seis milhões de crianças com menos de cinco anos de idade, na Etiópia, que precisam de ajuda para superar a subnutrição que as pode condenar à morte, o que torna ainda mais criminoso que empresários dos transportes andem a promover uma greve selvagem, marcada pela morte e pela violência, greve esta que conta com a cumplicidade dos seus funcionários (querem que as ajudas de custo que auferem nas longa viagens pela Europa não sejam tributadas pelo IRS!...), que deita milhares de litros de leite ao lixo ou estraga milhares de toneladas de alimentos. Obviamente que para o governo é bom, é fundamental, que a selecção continue a ganhar no Euro 2008 porque o sucesso e as vitórias (até quando?) faz com que o povo desvie as suas atenções para uma realidade platónica, perfeitamente ficcional, ignorando o país real onde vivem e ao qual voltarão mal tudo isto acabe.
A UNICEF (que é a agência das Nações Unidas para a Infância) garante que pelo menos 126 mil destas crianças “precisam de cuidados terapêuticos com carácter de urgência: a situação actual é a mais grave desde a crise humanitária de 2003, e está a deteriorar-se rapidamente. Para uma resposta imediata nos domínios da saúde, nutrição e água e saneamento são necessários quase 100 milhões de euros”.
A UNICEF explica as causas desta realidade dramática que deveria incomodar as pessoas quando somos confrontados com notícias sobre destruição de alimentos e de leite: “É extremamente lamentável que a conjugação dos efeitos da seca, da subida em flecha do custo dos alimentos, e da escassez de recursos para medidas preventivas tenha provocado uma crise que compromete ganhos significativos em matéria de sobrevivência infantil conseguidos na Etiópia. Os mecanismos e a capacidade para prevenir e responder ao aumento da má nutrição aguda existem mas o financiamento não é suficiente”. Sendo certo que esta realidade social não se limita à Etiópia – porque hoje o custo de alguns cereais aumentou entre 50% e 90%, “reduzindo significativamente a capacidade das famílias para comprar comida e satisfazer as suas necessidades alimentares” - a UNICEF continua a fazer esforços para garantir o fornecimento de alimentos terapêuticos para crianças gravemente mal nutridas através da utilização de compostos fortificados prontos. Mas são também necessárias verbas, que não existem, para a vacinação contra o sarampo, o controlo de doenças diarreicas, acções de saúde e nutrição, abastecimento de água e saneamento.
No preciso momento em que escrevo este texto confronto-me com a notícia da suspensão da paralização dos camionistas por alegadamente terem chegado a acordo com o Governo. Acho que é uma boa notícia porque a situação estava a ficar insustentável. Mas temo sinceramente um efeito carrossel, com outras actividades económicas afectadas pela actual situação possam estar a preparar acções de protesto de reivindicação ao mesmo nível dos camionistas e na expectativa de alcançarem acordos que minorizem o impacto negativo dos combustíveis nesses sectores. O problema é que é preciso colocar um travão a tudo isto, sob pena dos cidadãos serem inevitavelmente penalizados pelo agravamento de impostos porque os governos não têm disponibilidades financeiras nem espaço orçamental para acorrerem a todas as necessidades. Fiquei igualmente a saber que essa cada vez mais inepta e desnecessária Comissão Europeia se mostra preocupada, provavelmente por temer que os protestos dos europeus em, vez de ficarem pelas redondezas do edifício-sede da comissão em Bruxelas, como já aconteceu com os pescadores, e possam ir bem mais longe, levando tudo à sua frente numa espiral descontrolada que ninguém sabe onde poderá chegar. Portanto, não nos iludamos: as coisas acalmaram por agora, porque as negociações abriram caminho a acordos possíveis. Mas à medida que se começar a saber o que foi negociado, que se ficar a conhecer os custos do acordo obtido, certamente que assistiremos a legítimas e naturais reacções de outros sectores de actividade que não podem, contudo, perder o tino, ou seja, dissociar-se da realidade do pais que somos. Eu não tenho grandes dúvidas de que isso vai acontecer porque a realidade económica está longe de estar controlada.

Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 13 de Junho de 2008)

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