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quinta-feira, 28 de junho de 2007

A televisão levou mais felicidade ao Butão. Ou talvez não

Desde que a televisão por cabo chegou há dois anos a Sobsa, uma minúscula aldeia no reino do Butão, Kencho Om, de 55 anos, está sempre a arranjar problemas com o marido por ficar acordada até tarde a ver filmes. "O meu marido repreende-me, diz que com esta idade eu devia passar o meu tempo a fazer orações", conta ela, sentada no chão de madeira da sua sala, que tem as paredes vazias, exceptuando uma prateleira onde está instalada uma pequena televisão. "Ele diz que depois de eu morrer, em vez de organizar os rituais fúnebres, vai simplesmente colocar o meu corpo ao lado de uma televisão." Os cidadãos do Butão começaram a ver televisão quando o então Rei Jigme Singye Wangchuck cedeu ao inevitável em 1999 e autorizou-a neste paraíso budista isolado. Desde então, o pequeno aparelho tem sido acusado de destruir a vida familiar, de promover o crime e a delinquência juvenil nesta terra pacífica e de minar as tradições ancestrais.
Este é um país que há uma geração vivia numa bolha medieval. Quando o primeiro jipe chegou à capital, Thimpu, nos anos 1960, os locais fugiram com medo do dragão que cuspia fogo. Outros levaram-lhe ração de gado. Menos de quatro décadas depois, o Butão viu-se subitamente confrontado com 45 canais do mundo exterior. Wangshuck é famoso por considerar que a Felicidade Nacional Bruta era mais importante do que o Produto Interno Bruto, que as tradições, a confiança e o ambiente eram tão importantes como a impiedosa busca de bens materiais. No entanto, quase de um dia para o outro, os cidadãos do Butão foram presenteados com uma visão alternativa - de glamour e riqueza - e bombardeados com anúncios publicitários para produtos que eles nunca tinham dado conta que lhes faziam falta. O ministro da Informação e das Comunicações, Leki Dorji, diz que o Governo está a começar a ficar preocupado com a fera que soltou no pequeno reino. "Aquilo que perguntamos é: "A televisão torna-nos mais felizes ou menos felizes?"", explicou à Reuters. "Ao aumentar as nossas expectativas, provavelmente está a tornar-nos mais infelizes", diz, respondendo à sua própria pergunta. As pessoas do Butão parecem discordar. Um estudo feito pelo Ministério da Informação em 2003 concluiu que muitas pessoas sentiam que a televisão tinha alargado os seus horizontes. Mais de 66 por cento das pessoas disseram que a televisão teve um impacto positivo na sociedade, enquanto apenas 7,3 por cento discordaram.
O fim da vida familiar?
Ainda assim, as críticas persistem. Os pequenos crimes e as drogas recriativas, que praticamente não existiam há uma década, foram chegando ao país nos últimos anos. "A publicidade televisiva cria desejos que não podem ser satisfeitos pela actual situação económica das pessoas", escreveu Phuntsho Rapten do Centro de Estudos do Butão. "Os crimes e a corrupção geralmente nascem de anseios económicos", observa. Mas a televisão não é a única culpada. Milhares de pessoas migraram do campo para as cidades e muitas não arranjaram empregos. Por isso também há quem defenda os seus benefícios. A televisão pode juntar as famílias à noite e manter os homens em casa, em vez de estarem na rua a embebedar-se. O álcool é primeira causa de morte no Butão e um passatempo tradicional. Mas muitos homens partilham a preocupação do marido de Om. "Odeio a televisão", diz Chencho Tshering, director do Kuensel, o jornal estatal, recordando uma noite recente em que o serviço de cabo foi abaixo. A sua mulher viu-se privada das suas novelas indianas e os suas três filhas perderam o episódio de Friends e não puderam ver o Cartoon Network, mas a família juntou-se na sala e começaram a falar do passado. "Foi a melhor noite que eu passei desde 1999", disse.
Wrestling banido
A educação que as crianças recebem da televisão é algo que nem todos os pais apreciam ou valorizam. Uma febre generalizada pelo wrestling americano varreu as escolas do país depois do aparecimento da televisão. Os professores queixaram-se que as crianças da cidade viam televisão até muito tarde e que, por isso, estavam menos concentradas nas aulas. O Governo respondeu às queixas banindo o serviço Ten Sports que transmitia wrestling, a MTV e a Fashion TV. Não foi uma medida inteiramente eficaz, porque o wrestling apareceu noutros canais e os fãs de futebol não param de se queixar desde que deixaram de poder ver os jogos da Liga dos Campeões europeia que eram transmitidos pelo Ten Sports. Tshering Yonten, director de media do Ministério da Informação, justifica a proibição com a necessidade de regular aquilo que as pessoas vêem. "Não se trata de privar as pessoas de algo, mas o Governo tem que assumir alguma responsabilidade." Há pessoas que temem que a marcha da globalização esteja a ameaçar as suas tradições. No entanto, é improvável que a cultura nacional morra de um dia para o outro. Quando saem à noite, os jovens vestem-se como os seus ídolos estrangeiros, mas de dia, quando vão trabalhar ou estudar, têm que vestir a tradicional túnica - o gho - que lhes dá pelos joelhos e as compridas meias puxadas bem para cima. A televisão estatal do Butão, lançada à pressa três meses depois da luz verde do Rei, transmite actualmente a sua própria telenovela e está cada vez mais popular. E, de repente, o pequeno reino descobriu a sua própria indústria cinematográfica que domina os cinemas de Thimpu. De regresso a Sobsa, Om, com os seus dentes amarelecidos e os pés cheios de lama seca, discorda de todos aqueles que dizem mal da televisão. Todas as noites ela escapa-se para os filmes de Bollywood realizados por Salman Kan, para os documentários da vida selvagem ou para os filmes de guerra americanos. "Sem televisão, a vida aqui é bastante aborrecida", diz. "É bom ver o mundo que há lá fora. Já vi agricultores japoneses a cultivarem arroz e eles fazem-no quase da mesma maneira do que nós." (Fonte: Simon Denyer, Publico e Reuters)

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