Artigo: GRAVIDEZ
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Obviamente que recordo, a propósito, que dos 8.832.990 eleitores recenseados no referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, apenas votaram 3.851.613 (43,6%) e que, destes, apenas 2.237.565 votaram “sim”. Se eu utilizasse o mesmo argumento que na Madeira por vezes a oposição utiliza, para minimizar a representatividade do PSD, diria que apenas 23,3% dos portugueses recenseados votaram pelo “sim”. Acham b em esta minha desonestidade manipuladora de resultados eleitorais? Então porque fazem o mesmo quando querem reduzir a dimensão da vitória eleitoral do PSD da Madeira, por exemplo em 6 de Maio passado?
É mais do que evidente que existe, de um lado, a noção de “vida”, enquanto que do outro há quem não concorde com isso e considere que existem razões médicas, devidamente comprovadas e cientificamente demonstradas, a par de motivos até de ordem social, que dizem respeito às mulheres, que podem complicar este debate. Não creio, mesmo ressalvando as questões autonómicas e de competências legislativas da Região, que os resultados do referendo na Madeira, devam ser utilizados para justificar seja o que for, até porque o PSD da Madeira, enquanto instituição, não tomou qualquer posição pública oficial a favor do “sim” ou do “não”.
Hoje a sociedade portuguesa encontra-se dividida. O debate sobre a interrupção voluntária da gravidez, politizou-se excessivamente, dramatizaram-se situações, manipularam-se factos e estatísticas, promoveram-se manifestações orquestradas por partidos, radicalizaram-se posições mas continua a não haver o primado da razão absoluta – por exemplo, porque motivo serei eu obrigado a aceitar que a Igreja Católica, que se queixa, e com razão, do distanciamento crescente dos fiéis, de estar a perder vocações, de não conseguir cativar os jovens, admita sem contestação e como razoável, a decisão do Vaticano de retomar a antiga tradição das missas em latim?
Enfim, dividiu-se a sociedade portuguesa. Hoje quem está contra a interrupção voluntária da gravidez é da direita, reaccionário, retrógrado. Quem for a favor da interrupção voluntária da gravidez, é revolucionário, progressista, uma espécie de iluminado virado para a frente. No meio de tudo isto, cruzam-se, depois, os argumentos, de um lado e de outro, a sustentarem que a interrupção voluntária da gravidez é um mal, que a sociedade portuguesa deveria empenhar-se na defesa da natalidade, na defesa da vida, na concessão de apoio a todas as mulheres grávidas para que a referida interrupção a gravidez não se concretize.
O que eu constato é que as pessoas parecem resignadas. O debate continua a ser apenas político e partidário, pouco ou nada dizendo à opinião pública portuguesa, a Madeira continua no centro do mundo por causa da posição política assumida sobre esta temática (a região ainda não suscitou a verificação da constitucionalidade da lei, quando tem motivos constitucionais para o fazer) e parece-me que não ter pressa, o que poderá parecer um paradoxo.
Neste contexto, acho que o Presidente da República, em vez de andar a fazer declarações que são legítimas, nas quais sugere o recurso aos tribunais por parte das mulheres madeirenses que se sintam lesadas no seu direito de acesso à lei de interrupção voluntária da gravidez, deveria ter demonstrado a mesma preocupação, por exemplo antes de ter promulgado a lei, de saber se tinham sido cumpridos todos os requisitos constitucionais vigentes, um dos quais – que estará na origem das iniciativas que a Madeira legitimamente terá que tomar, até para que não se abra um precedente que seria grave – o da consulta prévia, não foi respeitado? Recomendaria a Cavaco Silva que não utilizasse dois pesos e duas medidas e que, na medida do possível, não ignorasse as obrigações do Estado, em matéria de consulta para efeitos de aprovação de legislação que também diz respeito ás Regiões Autónomas, como é o caso.
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 24 de Julho 2007
P.S. – Hoje, na Assembleia Legislativa, estão agendadas duas iniciativas: uma, do Bloco de Esquerda, intitulada “apreciação e votação do projecto de decreto legislativo regional que “adapta à Madeira e regulamenta a lei nº 16/2007, de 17 de Abril, que define a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez” que foi acompanhada de processo de urgência o que explica o seu agendamento à frente de outra iniciativa do PSD, que parece não ter pressa nenhuma no assunto, que se encontra no 30º ponto da Ordem de Trabalhos – e que a manter-se assim nem em Dezembro deste ano haverá ”fumo branco”, dado que a sessão de hoje é a última antes de Outubro. A iniciativa do PSD, que entrou primeiro – mas sem urgência – é uma mera resolução intitulada “pedidos de pareceres jurídicos acerca da inconstitucionalidade da lei nº 16/2007, de 17 de Abril – Lei da interrupção voluntária da gravidez – e da portaria nº 741/2007 que estabelece as medidas a adoptar nos estabelecimentos de saúde ou oficialmente reconhecidos com vista à realização da interrupção voluntária da gravidez nas situações revistas no artigo 142º do código penal”. Eu acho que depois de toda a polémica causada, o processo de urgência para que o assunto seja discutido ainda hoje, é inevitável. Mas isso não me diz respeito.
P.S. – Hoje, na Assembleia Legislativa, estão agendadas duas iniciativas: uma, do Bloco de Esquerda, intitulada “apreciação e votação do projecto de decreto legislativo regional que “adapta à Madeira e regulamenta a lei nº 16/2007, de 17 de Abril, que define a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez” que foi acompanhada de processo de urgência o que explica o seu agendamento à frente de outra iniciativa do PSD, que parece não ter pressa nenhuma no assunto, que se encontra no 30º ponto da Ordem de Trabalhos – e que a manter-se assim nem em Dezembro deste ano haverá ”fumo branco”, dado que a sessão de hoje é a última antes de Outubro. A iniciativa do PSD, que entrou primeiro – mas sem urgência – é uma mera resolução intitulada “pedidos de pareceres jurídicos acerca da inconstitucionalidade da lei nº 16/2007, de 17 de Abril – Lei da interrupção voluntária da gravidez – e da portaria nº 741/2007 que estabelece as medidas a adoptar nos estabelecimentos de saúde ou oficialmente reconhecidos com vista à realização da interrupção voluntária da gravidez nas situações revistas no artigo 142º do código penal”. Eu acho que depois de toda a polémica causada, o processo de urgência para que o assunto seja discutido ainda hoje, é inevitável. Mas isso não me diz respeito.
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