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segunda-feira, 30 de julho de 2007

Artigo: GRAVIDEZ

Por opção pessoal, que nada tem a ver com qualquer fuga à complexidade da questão, não vou deambular sobre a interrupção voluntária da gravidez, até porque conheço a posição da Igreja Católica – eu próprio, enquanto católico, oriento-me pelos meus princípios, aos quais não renuncio – bem como as posições, sobretudo políticas, do Governo Regional da Madeira sobre este tema. Seria hipocrisia minha aproveitar-se das páginas do “JM” para emitir opiniões que pudessem ferir susceptibilidades. Respeito todas as opiniões, compreendo os argumentos de todos os lados, mas não aceito fundamentalismos hipócritas muito menos numa sociedade que, por mais complexo que pareça, tem as suas próprias regras. Quando se fala na interrupção da gravidez, fala-se de um problema social, complexo em Portugal, porventura já não tanto na restante quase totalidade dos países europeus.
Obviamente que recordo, a propósito, que dos 8.832.990 eleitores recenseados no referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, apenas votaram 3.851.613 (43,6%) e que, destes, apenas 2.237.565 votaram “sim”. Se eu utilizasse o mesmo argumento que na Madeira por vezes a oposição utiliza, para minimizar a representatividade do PSD, diria que apenas 23,3% dos portugueses recenseados votaram pelo “sim”. Acham b em esta minha desonestidade manipuladora de resultados eleitorais? Então porque fazem o mesmo quando querem reduzir a dimensão da vitória eleitoral do PSD da Madeira, por exemplo em 6 de Maio passado?
É mais do que evidente que existe, de um lado, a noção de “vida”, enquanto que do outro há quem não concorde com isso e considere que existem razões médicas, devidamente comprovadas e cientificamente demonstradas, a par de motivos até de ordem social, que dizem respeito às mulheres, que podem complicar este debate. Não creio, mesmo ressalvando as questões autonómicas e de competências legislativas da Região, que os resultados do referendo na Madeira, devam ser utilizados para justificar seja o que for, até porque o PSD da Madeira, enquanto instituição, não tomou qualquer posição pública oficial a favor do “sim” ou do “não”.
Hoje a sociedade portuguesa encontra-se dividida. O debate sobre a interrupção voluntária da gravidez, politizou-se excessivamente, dramatizaram-se situações, manipularam-se factos e estatísticas, promoveram-se manifestações orquestradas por partidos, radicalizaram-se posições mas continua a não haver o primado da razão absoluta – por exemplo, porque motivo serei eu obrigado a aceitar que a Igreja Católica, que se queixa, e com razão, do distanciamento crescente dos fiéis, de estar a perder vocações, de não conseguir cativar os jovens, admita sem contestação e como razoável, a decisão do Vaticano de retomar a antiga tradição das missas em latim?
Enfim, dividiu-se a sociedade portuguesa. Hoje quem está contra a interrupção voluntária da gravidez é da direita, reaccionário, retrógrado. Quem for a favor da interrupção voluntária da gravidez, é revolucionário, progressista, uma espécie de iluminado virado para a frente. No meio de tudo isto, cruzam-se, depois, os argumentos, de um lado e de outro, a sustentarem que a interrupção voluntária da gravidez é um mal, que a sociedade portuguesa deveria empenhar-se na defesa da natalidade, na defesa da vida, na concessão de apoio a todas as mulheres grávidas para que a referida interrupção a gravidez não se concretize.
O que eu constato é que as pessoas parecem resignadas. O debate continua a ser apenas político e partidário, pouco ou nada dizendo à opinião pública portuguesa, a Madeira continua no centro do mundo por causa da posição política assumida sobre esta temática (a região ainda não suscitou a verificação da constitucionalidade da lei, quando tem motivos constitucionais para o fazer) e parece-me que não ter pressa, o que poderá parecer um paradoxo.
Neste contexto, acho que o Presidente da República, em vez de andar a fazer declarações que são legítimas, nas quais sugere o recurso aos tribunais por parte das mulheres madeirenses que se sintam lesadas no seu direito de acesso à lei de interrupção voluntária da gravidez, deveria ter demonstrado a mesma preocupação, por exemplo antes de ter promulgado a lei, de saber se tinham sido cumpridos todos os requisitos constitucionais vigentes, um dos quais – que estará na origem das iniciativas que a Madeira legitimamente terá que tomar, até para que não se abra um precedente que seria grave – o da consulta prévia, não foi respeitado? Recomendaria a Cavaco Silva que não utilizasse dois pesos e duas medidas e que, na medida do possível, não ignorasse as obrigações do Estado, em matéria de consulta para efeitos de aprovação de legislação que também diz respeito ás Regiões Autónomas, como é o caso.

Luís Filipe Malheiro

Jornal da Madeira, 24 de Julho 2007

P.S. – Hoje, na Assembleia Legislativa, estão agendadas duas iniciativas: uma, do Bloco de Esquerda, intitulada “apreciação e votação do projecto de decreto legislativo regional que “adapta à Madeira e regulamenta a lei nº 16/2007, de 17 de Abril, que define a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez” que foi acompanhada de processo de urgência o que explica o seu agendamento à frente de outra iniciativa do PSD, que parece não ter pressa nenhuma no assunto, que se encontra no 30º ponto da Ordem de Trabalhos – e que a manter-se assim nem em Dezembro deste ano haverá ”fumo branco”, dado que a sessão de hoje é a última antes de Outubro. A iniciativa do PSD, que entrou primeiro – mas sem urgência – é uma mera resolução intitulada “pedidos de pareceres jurídicos acerca da inconstitucionalidade da lei nº 16/2007, de 17 de Abril – Lei da interrupção voluntária da gravidez – e da portaria nº 741/2007 que estabelece as medidas a adoptar nos estabelecimentos de saúde ou oficialmente reconhecidos com vista à realização da interrupção voluntária da gravidez nas situações revistas no artigo 142º do código penal”. Eu acho que depois de toda a polémica causada, o processo de urgência para que o assunto seja discutido ainda hoje, é inevitável. Mas isso não me diz respeito.

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