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segunda-feira, 16 de junho de 2008

Opinião: O “NÃO”

Quando sucessivas sondagens publicadas na comunicação social, deram conta de um défice informativo na Irlanda – um dos países europeus com maiores níveis de desenvolvimento – era mais do que óbvio que alguma coisa estava a correr mal, mesmo que Durão Barroso, erradamente, tenha tentando manipular o referendo, ao afirmar que a Comissão Europeia não tinha um “plano B”, numa clara demonstração da confiança de Bruxelas no triunfo do “sim”. Ao contrário dos demais estados-membros, que optaram pelo processo de ratificação parlamentar, apenas porque tinham garantias prévias que o “sim” estava em posição dominante – porque se assim fosse teriam arranjado outra solução – a Irlanda foi o único país obrigado, pela Constituição, a referendar o tratado, dado que se trata de um documento que não se compadece com a hipocrisia da palhaçada em que a esmagadora maioria dos países transformaram este processo, por ter sido esse o procedimento adoptado, e mantido em, segredo, numa das cimeiras europeias.
Recordam-se os leitores do que foi feito com a Polónia, das ameaças que sobre os ”dois gémeos” polacos os países mais influentes da União realizaram, até que obrigaram Varsóvia a ceder à chantagem e a aceitar o Tratado em relação ao qual as pessoas mais informadas continuam a ter muitas dúvidas quanto à sua real eficácia. Recordo igualmente a posição dos italianos que, confrontados com uma redução do número dos seus actuais deputados europeus (Portugal perde representatividade no PE) pura e simplesmente disseram que não assinavam o documento. Lá tiveram que apressadamente repor todos os lugares que a Itália elegia para o PE antes do Tratado, retirando esses mandatos de outros estados mais pequenos, para que Roma assinasse. O processo foi uma vergonha e ao contrário do que as pessoas julgam – e Sócrates anda a tentar erradamente colocar uma forte carga emocional e política nestas questão - Portugal ficou apenas com a fase final de um processo negocial que conheceu o seu auge sobretudo durante a presidência alemã, que nos antecedeu. Lisboa teve obviamente méritos, mas é evidente que são os grandes países que mandamos destinos europeus, pelo que Portugal nunca poderia ter qualquer capacidade persuasiva nem política de obrigar Paris, Londres, Berlim ou Roma, por exemplo, a vergarem nos seus propósitos. E que isto fique esclarecido de uma vez por todas. Foi um processo marcado por avanços e recuos, pela cedência aos egoísmos nacionalistas e por remendos que o tempo se encarregará de demonstrar não funcionarão devidamente.
O problema da Europa é outro, porventura estrutural, certamente financeiro e orçamental, nas indesmentivelmente político (a falta de preparação para um alargamento tão generalizado de uma só vez, quando entraram 10 novos países) e social, com o aumento do desemprego e com sinais de crises económicas em áreas que, mais cedo ou mais tarde, pela sua influência social, terão que justificar novas perspectivas de entendimento dos problemas que não se compadecem com fundamentalismos orçamentais que, sendo necessários, não podem ser o centro de todas as decisões. E como se tudo isso não bastasse, temos um Banco Europeu a implementar, quando e como quer, uma política financeira longe de consensual, que tem causado problemas graves na Europa e que inclusivamente já levou o seu Presidente (o francês Trichet) a ser publicamente admoestado por líderes europeus mais desprendidos, casos de Sarkosy e de Zapatero.
Considero-me um europeísta convicto pelo que não reconheço ao primeiro-ministro qualquer autoridade moral ou política para acusar indiscriminadamente as pessoas que defendem a opção do referendo do Tratado de Lisboa de estarem contra a Europa. Defendo o referendo, e sou um europeísta convicto – senão fosse a Europa, Portugal continuava a ser um dos países mais pobres do continente e a Madeira nem” estava no mapa” – mas continuo a considerar que as ratificações por via parlamentar são um acto de vergonhosa cobardia por parte das elites iluminadas que dominam os estados-membros num dado momento, e que desta forma querem impor aos cidadãos europeus um documento que estes desconhecem, mantendo-as à distância, sem direito a se pronunciarem e a serem informados. Mas não tarda muito andarão, quais hipócritas, a mendigar votos para eleger deputados. O que se passa é que esta patifaria política, depois da vitória do “não” na Irlanda, pode muito bem descambar para uma coisa pior, para um monumental embuste promovido a partir de Bruxelas, com a conivência de um cada vez mais apagado e dispensável Presidente da Comissão Europeia, que não percebeu que o problema da Europa tem muito a ver com o que foi feito (de mal feito) nos últimos anos. Mas se Barroso foi à Cimeira dos Açores sem ter percebido, antes dela, que ali seria decidida a guerra do Iraque…
Não reconheço autoridade política nem mandato para que a Assembleia da República ratifique o Tratado de Lisboa. E qual é o problema? O que é que nem impede, quem me impede, de pensar deste modo e de afirmá-lo as vezes que eu entender? Quando em Fevereiro de 2005 os portugueses elegeram este Parlamento nacional, ninguém falava do Tratado. O tema europeu não fez parte da campanha eleitoral. Ninguém ouviu falar de Tratados. Por isso, não há mandato do povo, não há legitimidade política, pelo que estamos perante um acto de cobardia do governo e do parlamento nacionais - tal como são cobardes os demais líderes europeus – com a conivência de um sempre disponível Presidente da República, que deliberadamente, em declarações públicas, e por outras “artes” junto dos partidos, marginalizou a opinião dos que já lhe serviram quando se tratou, em Janeiro de 2006, de lhe darem o tacho presidencial. Ou seja, os mesmos portugueses que foram bons para votarem e o colocarem em Belém, sentado na poltrona do poder com a qual sempre sonhou, e pela qual chegou a ser derrotado, já deixaram de servir e de estar informados quando se tratou de se pronunciarem sobre um Tratado europeu que lhes diz respeito! Estamos perante uma vergonha atitude mental, restritiva dos direitos dos cidadãos, à qual Cavaco Silva não é estranho, bem pelo contrário. No próximo ano teremos as eleições europeias e lá teremos os mesmos que agora andaram a fazer a apologia da ratificação parlamentar – o PSD foi um deles – nas costas do povo, a mendigar votos.
Se este Povo tivesse um pingo de dignidade que fosse, se este Povo votasse em função da sua consciência e da preservação da sua liberdade e dos seus direitos, PS e PSD teriam a resposta adequada nas europeias de 2009 (e, com eles, todos os partidos dos demais partidos europeus, aos quais estejam ligados os dirigentes que ratificaram o Tratado debaixo da mesa, nos parlamentos) tal como Cavaco Silva em 2010 deveria sentir o peso da revolta do povo perante a injustiça de quem o maltrata. É por causa de todas estas patifarias políticas somadas, destes actos de cobardia que não dignificam ninguém, que a Europa caminha para o abismo, sem dinheiro, com desemprego, condicionada pelos inultrapassáveis egoísmos nacionais, permanentemente vulnerável a qualquer discurso mais radical, ameaçada pelo fenómeno da emigração, incapaz de construir uma identidade europeia fundamental ao sucesso do projecto europeu, alimentando uma casta de euro-deputados na sua maioria nada fazendo de útil pela Europa, pagando astronómicos custos de manutenção de toda uma logística funcional, que ultrapassam os limites do razoável a par de uma poderosa máquina de eurocratas instalados em Bruxelas que tratam os cidadãos europeus como se fossem uma “manada” sem vontade e dignidade próprias.
Mas quais são afinal os interesses das Europa na óptica de Sócrates? Por acaso serão interesses comuns aos dos líderes alemão, francês, inglês ou italiano? Que interesses de Europa, na perspectiva dos portugueses, defende o primeiro-ministro? Que respostas são essas que o Tratado de Lisboa dá, e como? Resolver os problemas de distribuição de tachos e aprovar novos modelos remuneratórios? Vamos voltar ao tema, não duvidem.

Luís Filipe Malheiro (in Jornal da Madeira, 16 de Junho de 2008)

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