Artigo: Finanças (I)
Julgo que hoje ninguém tem dúvidas (se porventura alguma vez elas existiram…) que a questão da lei das finanças regionais, mais do que as alterações que ela produziu nas transferências do Estado para a Madeira, causou polémica e gerou controvérsia pelo significado político das opções tomadas quanto aos novos critérios e pela natureza sectária e tendenciosamente eleitoralista e partidária das decisões tomadas, bem como pelos fundamentos em que elas se alicerçaram. É uma questão de princípio, para mim, considerar que bastaria um cêntimo a menos transferido de Lisboa para o Funchal para que a lei fosse prejudicial. O argumento de que os cortes este ano representam cerca de 2% do orçamento regional para 2007, numa tentativa desesperada de esvaziar a realidade incontornável da questão — um corte financeiro da ordem dos quase 36 milhões de euros — não colhe, nem tem sequer qualquer consistência, lógica e credibilidade, tratando-se, quanto muito, de procurar esconder o “sol com a peneira”. Eu não entendo os malabarismos que se fazem em torno desta questão, já há muito clarificada e esclarecida. Os próprios cortes financeiros foram assumidos pelo governo socialista de Lisboa, pelo que não percebo como se tenta, no Funchal, negar o que os próprios autores confirmaram ser um facto. Alguma vez alguém acreditou que uma redução das transferências de Lisboa para o Funchal pudesse encher de prazer fosse quem fosse? Alguém de bom senso e com sentido de responsabilidade, independentemente de concordar ou não com o PSD, com o Governo Regional ou com o próprio Alberto João Jardim — porque esta matéria transcende as questões meramente político-partidárias — concebe que a redução das verbas geradas pela nova lei das finanças regionais vá apenas prejudicar uma parte dos madeirenses, os que votam no PSD, ficando todos os outros à margem dessa penalização? Quando vemos Lisboa apontar o dedo acusador ao Funchal e olhamos para o Metropolitano de Lisboa, empresa que está a perder cerca de 160 milhões de euros por cada exercício de actividade, situação deficitária crónica que elevou o passivo acumulado da empresa para o limiar dos 3.300 milhões de euros, o equivalente a cerca de 2,2% do PIB nacional, o que nos apetece dizer? Quando é o próprio Presidente da empresa a admitir que em 2007 os custos globais da massa salarial do Metro poderão aproximar-se dos 100 milhões de euros, contra os 90 milhões inicialmente pensados, que dizer? Quando é sabido que o Metro, além destes 100 milhões de euros anuais de encargos com pessoal, gasta por ano, mais 75 milhões de euros com encargos financeiros com a dívida (juros), mais 40 milhões de euros para o Fornecimento de Serviços Externos e mais 30 a 40 milhões de euros com amortizações, o que dizer de tudo isto? Quando olhamos para uma empresa com um nível de custos anuais da ordem dos 240 a 245 milhões de euros, quando em receitas, tudo incluído, ela garante apenas 85 milhões de euros anuais, que dizer? Perguntar-me-ão se, por haver uma situação absurda em termos de gestão (Metro), isso implica que necessariamente outras tenham que ser aceites? Não, evidentemente que não. Sou apologista de regras claras e de uma gestão criteriosa dos recursos financeiros disponíveis, até porque não tenho qualquer objecção a fazer quando me confronto com as pessoas que sustentam que os políticos, quando são eleitos para um determinado mandato, circunscrito temporalmente, não podem reclamar legitimidade ou dizer que foram mandatados para tomar decisões passíveis de questionar o futuro colectivo dos que neles votaram, em anos posteriores aos do exercício do seu mandato. Mas sou rigorosamente contra a passividade inoperante dos eleitos, porque a política exige criatividade dinâmica e capacidade de contornar as dificuldades, umas naturais, outras impostas. Ou seja, para a execução de um programa de acção, qualquer que ele seja, são necessários recursos financeiros que ou são gerados pelas próprias instituições em questão, ou terão que ser procurados junto de instituições bancárias interessadas em financiar esse programa. Eu sei que para a imagem e o prestígio de um país, lá fora, uma situação de endividamento crónico, de descontrolo orçamental ou de acumulação de passivos que, por via de malabarismos contabilísticos, são remetidos para períodos posteriores — mas quem deve, é sempre obrigado a pagar, seja lá de que forma for — em nada ajuda. Creio que ninguém concebe que o exercício da política signifique necessariamente a construção de “heranças”, penosamente legadas de um governo para outro. Mas também aceito que, por muito grandes que sejam as restrições financeiras, elas não podem condicionar o futuro dos cidadãos e o seu direito ao desenvolvimento e à melhoria do nível de vida, por via do progresso local, regional ou nacional, responsabilidade esta atribuída ao poder político.
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 17 de Janeiro 2007
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