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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

A gaffe de Chirac

Certas gaffes são actos falhados, ignorância ou inexperiência, outras são o revelador do que um político tem em mente, para lá da sua posição oficial. E a gaffe não é necessariamente involuntária. Pode ser uma deliberada declaração, que depois se desmente, mas produz o efeito desejado.
"(...) Não é assim tão perigoso [que o Irão tenha] uma bomba nuclear, e talvez uma segunda um pouco mais tarde", disse Chirac numa entrevista ao International Herald Tribune, New York Times e Nouvel Observateur. "O perigo não está na bomba que vai ter e que não lhe servirá para nada. (...) Para onde é que o Irão enviaria essa bomba? Sobre Israel? Ela não teria feito 200 metros na atmosfera e já Teerão estaria arrasada." Conclui: "O perigo é a proliferação." Chirac imediatamente se penitenciou e reafirmou a posição oficial da diplomacia francesa, que não admite que o Irão possa vir a ter a bomba. Não disse ter sido mal interpretado. Disse que não sabia que estava a falar em on com os jornalistas, não esperando ser citado. De facto, Chirac prepara a comunidade internacional para a hipótese de ter de coabitar com um Irão nuclearizado. Este alerta pode encobrir uma proposta: talvez seja possível impedir a bomba se a Europa e os EUA aceitarem o enriquecimento de urânio no Irão para fins pacíficos sob controlo da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). O Irão não construiria provavelmente a bomba, ficando no "limiar do nuclear", tal como o Japão. Chirac comete a gaffe precisamente antes da reunião do Conselho de Segurança - em fins de Fevereiro - para verificar se Teerão cumpriu a resolução de 23 de Dezembro que ordena a suspensão da actividade de enriquecimento e discutir a possibilidade de novas sanções. Por coincidência, a França pediu ao director-geral da AIEA, Mohamed El Baradei, que ajude a ONU a sair do impasse. El Baradei fez, a 26 de Janeiro, uma proposta conciliadora: a "pausa". O Irão faria uma "pausa" no enriquecimento, o Conselho de Segurança faria uma "pausa" nas sanções, de forma a permitir retomar as negociações. A França não se pronunciou, mas Chirac fez, em Setembro, uma proposta semelhante, a "dupla suspensão". Washington acolheu a ideia "com reservas". Mas Moscovo apoia abertamente a proposta do director da AIEA, o que augura um bloqueio no Conselho de Segurança.
Reacções
A Casa Branca minimizou o incidente, lembrando que o Presidente francês rectificou as suas palavras. Le Monde fez um editorial muito crítico, chamando a atenção para dois pontos. Primeiro, a diplomacia chiraquiana está centrada no Líbano e quer negociar com o Irão uma saída da crise libanesa e a segurança da força internacional. Por isso, sugere a "integração do Irão no jogo regional", satisfazendo a sua aspiração de ver reconhecido o seu novo estatuto de potência regional. Segundo: "A ideia de que o Irão vai possuir a arma nuclear e que isso não será um perigo imediato é uma viragem ainda mais radical e que vem no mau momento", quando a comunidade internacional se prepara para voltar a ameaçar o Irão. Chirac pôs em causa a credibilidade da França.
Outros jornais franceses lamentam a gaffe e sublinham a divisão do Ocidente, as divergências de estratégia entre europeus e americanos perante a ameaça iraniana.
Interpretações
Hubert Védrine, antigo ministro socialista dos Negócios Estrangeiros, fez outra leitura, declarando a uma televisão: "Chirac disse coisas que muitos especialistas dizem no mundo, inclusive nos Estados Unidos, ou seja, que um país que possui a bomba não se serve dela e entra automaticamente no esquema da dissuasão." A imprensa russa é muito clara: "Jacques Chirac provocou um escândalo internacional. (...) É a primeira declaração de um dirigente ocidental a reconhecer o facto de que a comunidade mundial não consegue parar o programa nuclear iraniano", escreveu o Nezavissimaia Gazeta. Acrescentou: "As palavras de Chirac sobre a reacção a uma agressão nuclear contra Israel parecem fazer parte da estratégia de dissuasão que o Ocidente prepara para o caso de não conseguir impedir o Irão de ter uma bomba." Elaine Sciolino, correspondente do I. H. Tribune em Paris, anotava ontem: "Chirac diz o que muitos pensam". Mark Fitzpatrik, analista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres, comentou: "Há uma crescente percepção de que a comunidade internacional está a falhar em impedir o Irão de adquirir a capacidade de enriquecer o urânio. (...) O Governo dos EUA não o aceita, mas está a tornar-se um fait accompli." Elaine Sciolino lembra que, mesmo dentro da Administração Bush, altos funcionários admitiram no ano passado que o Irão pode alcançar a capacidade de fabricar a bomba. Um estudo encomendado pela Administração à National Defense University, em 2005, concluía: "Podem os EUA viver com o Irão dotado de arma nuclear? (...) Apesar da sua retórica, podem não ter escolha."
Efeitos
François Heisbourg, presidente do IISS, em entrevista ao Libération, toca o ponto crucial: "O nuclear iraniano arrastará necessariamente uma proliferação regional, designadamente a Arábia Saudita, o Egipto, até a Jordânia. O equilíbrio do terror funciona se há dois protagonistas, mas estaremos numa situação multipolar. Um Médio Oriente em que a posse da arma se torne regra e não excepção continuará sempre instável, mas ainda mais perigoso." Este é o verdadeiro travão. "Tecnicamente, os iranianos podem em breve estar em condições de se dotarem da arma nuclear. Em compensação, há a incerteza sobre a sua vontade de construir a bomba." O Irão não tem vantagem numa corrida à arma nuclear na região, em ser isolado e tornar-se um pária internacional, como a Coreia do Norte. Não teme apenas os americanos, mas uma aliança regional anti-iraniana apoiada pelos EUA e Israel. A sua elite política está dividida, sublinha Heisbourg. Teerão tem trunfos para impor o enriquecimento do urânio. Espera-se, aliás, um anúncio triunfal sobre a montagem de 3000 centrifugadoras. Mas tem fraquezas - política regional e vulnerabilidade económica - que permitem reabrir a negociação. Os riscos de derrapagem permanecem altos, pela mistura entre nuclear e a rivalidade xiitas-sunitas. Mas a bomba ainda não é um facto consumado.
Fonte: JORGE ALMEIDA FERNANDES, Publico

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