Artigo: GREVE
“Não há governos populares. Governar é descontentar”,
Anatole France, crítico e escritor francês
Hoje é dia de greve geral, convocada pela CGTP-Intersindical (sem a concordância, aliás esperada, da UGT...), para protestar contra as políticas sociais e de emprego do governo, contra o aumento do desemprego, contra a precaridade do emprego, contra a deslocalização, contra a passividade governativa perante a realidade económica e social, de cidadãos e empresas, enfim, contra tudo o que seja passível de protesto. Não creio, a propósito, é que nestes momentos existam bons e maus governos, boas ou más políticas governamentais. Regra geral não há governo algum cujas medidas não penalizem seja quem for, pelo que não faz muito sentido – e sinceramente o afirmo – que um executivo apareça publicamente a apoiar graves, dado que estas são, independentemente do seu grau de manipulação e da amplitude da ingerência partidária, um testemunho de descontentamento popular que, em última instância, visa todos os governos.
Quando há das ouvia Carvalho da Silva, líder da Intersindical, lamentar o pouco grau de adesão dos portugueses às greves, contrastando com a sua realidade social e económica entre os estados-membros da União Europeia, o que lhe faltou foi reconhecer que foi exactamente esse grau de manipulação e essa amplitude da ingerência partidária que há pouco falei, que aos poucos foram retirando credibilidade, consistência e, pior do que isso, eficácia, aos movimentos grevistas. Também não tenho a certeza se a situação económica dos portugueses lhes permite, por exemplo, dispensar o salário de um dia de trabalho, por causa da sua adesão à greve. Porque uma coisa é uma atitude de protesto, de frustração e o desejo de dar publico testemunho desse estado de espírito por parte das pessoas, outra coisa é paralisar sofrendo a penalização salarial, prevista na lei.
Para que se perceba do que estou a falar recordo, a propósito, que recentemente foi revelado que Portugal é o país europeu que “tem maior percentagem de cidadãos a viver abaixo do limiar da pobreza (20% contra 16% da média europeia), aquele onde a miséria é mais persistente e também aquele onde o fosso entre ricos e pobres é quase o dobro dos seus parceiros da União”. Ou seja, cerca de 2 milhões de portugueses têm rendimentos baixos (um casal com dois filhos não ganha mais do que 800 euros mensais, enquanto um adulto sozinho consegue atingir mensalmente apenas 356 euros). De acordo com esse estudo, “a esta situação acresce ainda um outro indicador, que regista a desigualdade de rendimentos, o rácio entre o total de rendimentos recebidos pelos 20% da população com maiores vencimentos e o mesmo total obtido pelos 20% de menores rendimentos: o número registado no estudo bate todas as tabelas europeias: em Portugal é de 8,2 pontos, quando a média da Europa não chega aos 5 pontos, e na Suécia ou na Dinamarca pouco ultrapassa os 3”. Uma realidade que mostra como é maior, em Portugal, a distância entre ricos e pobres.
Para além disso, temos ainda em Portugal um outro problema com o qual os sindicatos se confrontam: os níveis de adesão dos portugueses às greves. Indicadores oficiais do governo de Lisboa, mostram, por exemplo, que em 2000 se realizaram 250 greves, que foram de 208 em 2001, 250 em 2002, 170 em 2003, 122 em 2004 e 126 em 2005. Relativamente aos níveis de adesão, e segundo a mesma fonte, 38.830 trabalhadores estiveram em greve em 2000, 26.058 em 2001, 80.168 em 2002, 30.330 em 2003, 31.906 em 2004 e 21.740 em 2005. Em termos dos chamados “dias de trabalho perdidos” o estudo fala em 40.545 em 2000, 41.570 em 2001, 108.062 em 2002, 53.370 em 2003, 46.096 em 2004 e 27.333 em 2005. Albert Camus, in 'Cadernos' dizia que “os intelectuais fazem a teoria, as massas a economia. Finalmente, os intelectuais utilizam as massas e através deles a teoria utiliza a economia. Por isso é-lhes necessário manter o estado de sítio e a servidão económica - para que as massas continuem a ser massas manobráveis. É bem certo que a economia constitui a matéria da história. As ideias contentam-se com conduzi-la”.
A greve é uma greve justa, porque cerca de 500 mil desempregados, a maior taxa de desemprego registada nos últimos 15 anos, são motivo mais do que suficiente para que o povo proteste, temendo pela redução do poder de compra e pelo futuro, sobretudo temendo pelo futuro. Basta referir que foi a própria Direcção-Geral de Impostos a reconhecer, com base nos dados de 2005 que “mais de metade dos portugueses não tem rendimentos suficientes para pagar o IRS” - considerando declarações de IRS de trabalhadores dependentes, pensionistas e profissionais liberais, perto de 52% dos agregados familiares portugueses que declararam rendimentos acabaram por não pagar IRS. Mas deixem as pessoas manifestar-se livremente, sem as manipular, sem lhes imporem como devem protestar, o que devem dizer, que cartazes devem exibir, etc. Porque segundo o estudo que venho citando, 82% das revindicações que estiveram na origem das greves em 2000, não foram aceites, 75% em 2001, 76,3% em 2002, 81,2% em 2003, 67,9% em 2004 e 69,9% não foram aceites nas greves realizadas em 2005.
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 30 de Maio 2007
P.S. Neste ambiente, eu não hesito em publicar, pela gravidade, pela idiotice pegada, uma notícia ontem divulgada pelo jornal “Publico” que recomendo seja devidamente reflectida pelas pessoas: “O Supremo Tribunal de Justiça reduziu em dois anos e meio a pena de prisão a que um arguido tinha sido condenado em Celorico da Beira por abuso sexual de menores. O acórdão do Supremo, que reduziu a pena de prisão de sete anos e cinco meses para cinco anos, critica também o tribunal de primeira instância por valorizar em demasia os crimes sexuais. Um dos argumentos do Supremo para alterar a decisão da primeira instância está relacionado com a idade da vítima - no acórdão lê-se que não é a mesma coisa praticar alguns dos actos pelos quais o homem foi condenado com uma criança de 5, 6 ou 7 anos ou com um jovem de treze, que até já despertou para a puberdade e que é capaz de "actos ligados à sexualidade que dependem da sua vontade". Os abusos terão decorrido entre 2000 e 2004 e foram quatro as crianças alvo do pedófilo, apesar dos abusos terem sido apenas consumados com um deles. Os juízes entendem também que a imagem social do pedófilo, que era globalmente positiva, com uma estrutura familiar adequada e uma integração boa a nível comunitário”. Justiça? Pois é...
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