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Opinião e coisas do nosso mundo...

domingo, 30 de dezembro de 2007

Opinião: NATAL E O MUNDO DOS IDOSOS

A propósito do Dia Mundial da Terceira Idade, a jornalista Bárbara Simões do jornal “Publico” registou os depoimentos de diversos idosos na esperança de perceber o que vai na sua alma, quais as suas desilusões e prioridades de vida. Recordando que em Portugal há mais de um milhão e 800 mil idosos, que representam mais de 17% da população total (os jovens são quase 16%)., a jornalista registou 65 depoimentos, na sal maioria de reformados, sublinhando:
- “O mundo é cada vez mais deles. E, se eles mandassem, o mundo que os rodeia seria assim”:
- "O meu maior sonho era ter uma casinha com um quintal para plantar salsa e coentros" (Joaquim Dias Diogo, 72 anos, funcionário público)
- "A primeira coisa que fazia era aumentar as pensões. E depois dava muito carinho, muito amores... Porque os idosos são como as crianças: precisam que olhem para eles com amor" (José Barros, 84 anos, funcionário dos CTT)
- "Eu gostaria que houvesse um espaço reservado, com um tracejado, à entrada do centro de dia, para a nossa carrinha poder estacionar e os outros carros não" (Lurdes Santos, 74 anos, costureira)
- "Um 25 de Abril para o povo. E ter médico quando preciso" (Francisco Palminha Franco, 80 anos, professor do ensino básico)
- "Vou morrer com o desgosto de não ter ido para a escola. Mas o que eu gostava mesmo era de ter um emprego. Continuo a trabalhar muito, mas já ninguém me dá emprego" (Alzira Gonçalves Ferreira, 79 anos, jornaleira e tecedeira)
- "Era bom que não pagássemos alguns medicamentos, pelo menos os da diabetes. Metade do ordenado do meu marido vai para medicamentos para os dois" (Martinha Brito, 73 anos, doméstica)
- "O que faz falta é um lar para a terceira idade. Moro sozinha. Quando estiver doente, não tenho quem trate de mim" (Isaltina Félix, 77 anos, empregada de biblioteca)
- "Como não posso ser feliz – porque ninguém pode ser feliz assistindo ao que se assiste no mundo – o meu desejo é ser apenas não infeliz" (Raul Solnado, 78 anos, actor)
- "Há muitos velhos que estão abandonados. Devia haver quem os visitasse em casa uma ou duas vezes por semana, quem os levasse a passear ou a beber um chazinho no café" (Maria do Rosário Fernandes, 79 anos, empregada de escritório)
- "Às vezes gostávamos muito de ir ao teatro, mas não temos transportes. E os espectáculos acabam muito tarde" (Maria Helena Borges Fernandes, 73 anos, modista)
- "Que houvesse cura para o cancro, que está a matar a minha mulher" (José Catalino Guerreiro, 67 anos, pescador)
- "Eu gostava de viajar. Um abatimento de 50 por cento no preço das viagens já não era nada mau. O primeiro sítio onde ia era o Brasil" (Carmina Cardoso de Almeida, 71 anos, servente de limpeza)
- "Mudaria a educação das crianças e dos jovens no sentido de nos transportes e lugares públicos darem o seu lugar; numa porta, ou passagem estreita, deixarem a outra pessoa passar primeiro" (Maria da Conceição Afonceca, 72 anos, tradutora)
- "Moro num quatro andar. O prédio não tem elevador. Vou pelas escadas e nem corrimão para me agarrar tenho" (Palmira de Carvalho, 83 anos, mulher-a-dias)
- "Precisava de ter uma pessoa que me limpasse a casa, desse cera, tratasse da roupa e a quem eu não pagasse nada ou pagasse muito pouco. É que já não posso fazer essas coisas..." (Albertina Segundo, 86 anos, dona de casa)
- "Ser feliz" (Elvira Josefa Mendonça, 73 anos, camponesa)
- "Adoro a minha casa, está é quase toda a cair. A senhoria quer vender o prédio, mas ninguém lhe pega. Queria ao menos que me deixassem lá estar até morrer" (Maria da Piedade, 84 anos, operária da indústria de lanifícios)
- "O meu marido e eu termos saúde" (Luísa da Conceição Esteves, 89 anos, dona de casa)
- "Ter menos idade. Só queria ter uns 70..." (Emília Cardoso, 87 anos, arrumadora de cinema)
- "A coisa que eu mais queria ter era uma casinha com um bom quarto, uma boa cozinha e uma casa de banho" (Manuel Sousa Morais, 72 anos, pintor da construção civil)
- "Receber uma melhor reforma que os 14 contos que recebo" (Almerinda Cordeiro, 69 anos, camponesa)
- "Gostava que me arranjassem a rua, que está indecente. Até aqueles que andam bem têm medo de cair, quanto mais eu" (Dinah Baptista, 92 anos, doméstica)
- "Algum dia ter governantes sérios que olhem pelos pobres" (Artur António, 80 anos, emigrante, trabalhador na construção civil)
- "Punha na linha alguns funcionários públicos que são pequenos ditadores: tratam da vida deles, maquilham-se, saem para o café ou para fumar o cigarro e os utentes dos serviços ficam à espera" (Leonel Gonçalves, 73 anos, militar)
- "Há idosos que não saem de casa, nem de cadeira de rodas, porque não há uma rampa no bairro" (Etelvina Sampainho, 81 anos, empregada comercial)
- "Não queria morrer sem ir à Madeira" Maria Adelaide Carvalho, 72 anos, comerciante)
- "À Madeira já fui. Agora era aos Açores..." (Maria Beatriz Tavares, 80 anos, costureira)
- "Gostaria de ter condições para continuar a trabalhar, como faço actualmente" (Gentil Martins, 67 anos, cirurgião)
- "O meu desejo era conseguir ainda uma casa nova. Os quartos e a casa de banho são no primeiro andar e tenho muito medo de cair" (Isabel Maria Lopes, 76 anos, ajudante de lar e centro de dia)
- "Nas cidades as pessoas estão muito afastadas umas das outras. Gostava que os vizinhos e as famílias fossem mais unidos e ajudassem mais os mais velhos" (Olinda Marçal Silva, 72 anos, dona de casa)
- "Que cuidassem mais das pessoas de idade. A atravessar a rua, numas escadas, a entrar num transporte – ninguém ajuda, ninguém dá uma mãozinha" (Leonor Serafim, 79 anos, costureira de calças)
- "Se pudesse, trocava o quinto andar onde moro por um rés-do-chão. Custa-me muito subir e não posso levar pesos" (Emília da Conceição, 85 anos, mulher-a-dias)
- "Devia haver uma preocupação de todas as pessoas em ajudar os mais velhos a ter uma vida mais digna" (Lucinda Carvalho, 86 anos, funcionária pública)
- "Uma pessoa que me desse apoio em casa. Sou viúvo há 17 anos. Já viu o que é não ter ninguém que diga assim: deixa lá ver se esta alma está morta... ou se precisa de uma camisa lavada?" (Abílio Augusto Moiço, 86 anos, trabalhador do tráfego de Lisboa)

Propositadamente foram estes pequenos desabafos que escolhi como tema de reflexão neste dia de Natal. Através deles podemos pesar o Natal, através do que pensam o que e desejam os nossos idosos que tantas esquecemos. Neste Natal recordo com saudade os meus “velhos” e”velhas” que foram morrendo ao longo deste meu percurso de vida, aos quais muito devo, a uns mais do que a outros, mas que a todos guardo com saudade e emoção no meu coração. E já quantas vezes, senti a falta deles, dos seus conselhos, dos seus sorrisos, da sua sabedoria, da sua tranquilidade de espírito e da sua amizade? Quantas vezes se interrogo, se terei sido injusto para alguns deles, pela pouca atenção que porventura lhes tenha dispensado, quando eles esperavam mais de mim? Mas essa dúvida permanecerá enquanto por cá andar. Neste Natal, mais um, mais do que ficar refém do pragmatismo de alguns para quem “contam os vivos”, não hesitarei, sem que ninguém dê por isso, a guardar um espaço nesta alegria natalícia, festa da família, para todos eles que partiram, porventura incapaz de conter uma lágrima que mais do que tristeza representará sempre a saudade pelos que embora tendo par tido, estarão presentes. E aos quais estarei eternamente grato por tudo o que fizeram por mim, sempre e quando deles precisei. Eles estarão comigo, podem crer, tal como dos os vivos. Porque um dia vou ficar finalmente a saber se morrer afinal não é continuar vivo. Bom Natal.
Luís Filipe Malheiro (in "Jornal da Madeira", 24 de Dezembro 2007)

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