Opinião: DISCURSOS…
Tenho a perfeita consciência que o tipo de discurso do novo bastonário da Ordem dos Advogados não agrada a toda a gente, que há pessoas que se sentem incomodadas e que inclusivamente já advogados – já que falamos de uma corporação profissional – que provavelmente não se revêem e criticam os métodos de intervenção pública de António Martinho. Mas se a discussão e a divergência tem a ver com a forma, então presumo que a Ordem de Advogados deve ter ao seu dispor os mecanismos adequados para propor a Marinho, recentemente eleito, e portanto com toda a legitimidade para representar os advogados, uma alteração de comportamentos. Mas se a discordância é mais profunda e tem a ver com o conteúdo, então as coisas mudam de figura, na medida em que não creio que fique mal a um Bastonário de uma Ordem com a responsabilidade da Ordem dos Advogados, falar de um problema grave da sociedade portuguesa e cuja gravidade tem também muito a ver com a maior ou menor capacidade de resposta da Justiça. Ora, sendo os advogados parte dessa justiça, não vejo porque seja descabida tal intervenção. Penso que Marinho não pode recorrer à generalização, deixando, levianamente, acusações disparadas indiscriminadamente em todas as direcções, sem um destinatário próprio, para depois se refugiar, quando pressionado, no facilitismo do argumento pouco consistente de que não é a ele que compete investigar as denúncias. Mas se é ele quem insinua, se é ele quem denuncia, afinal em que é que ficamos? Provavelmente reside aqui, nesta opção contraditória e pouco séria, o elo mais fraco do discurso do novo Bastonário da Ordem dos Advogados, e que por isso possivelmente o impede de ser levado mais a sério. Mas não tenho dúvida que a opinião pública portuguesa está farta de casos que não se investigam, de denúncias que morrem cedo demais, de suspeitas de corrupção que ninguém investiga, etc.
Do discurso de Marinho proferido recentemente na Abertura do Ano Judicial, acto público presidido pelo Presidente da República, Cavaco Silva – que também não foi nada “meigo” – retive as seguintes passagens de um discurso que voltou a causar impacto e a incomodar:
o “Vivemos talvez a maior crise de sempre na Justiça portuguesa. Mas mesmo assim, em nome dos Advogados Portugueses, quero começar por exprimir um sentimento de confiança e de esperança (…) Num Estado de Direito Democrático a Justiça não tem donos, tem servidores. Todos somos servidores da justiça e todos devemos servi-la com dedicação e empenho.
o Ninguém respeitará a justiça se os seus agentes não se respeitarem uns aos outros. Nunca teremos uma boa administração da justiça, que é um valor superior do Estado de Direito, se não contribuirmos para a dignificação das diferentes funções em que essa administração se exprime (…) A justiça atravessa hoje em Portugal momentos particularmente agitados que são a evidência de uma crise profunda, sem dúvida a mais grave desde a instauração da República.
o Fizeram-se leis progressistas e generosas em matéria de direitos e garantias individuais, de entre as quais emerge, naturalmente, a Constituição da República Portuguesa, mas as suas concretas aplicações esbarraram sempre com o imobilismo do sistema e sobretudo com a incapacidade deste em assimilar o sentido progressista e humanitário dessas leis. As consequências estão à vista. As nossas cadeias estão cheias de pessoas oriundas principalmente dos sectores mais desfavorecidos da população. Temos uma das mais elevadas taxas de reclusão de toda a Europa senão mesmo a mais elevada. A pobreza e a exclusão social são as principais causas dessa triste realidade (…) Portugal aplica as maiores penas de prisão efectiva de entre os países da Europa Ocidental e também as penas mais curtas. O tempo médio de prisão efectiva por cada recluso corresponde a mais do triplo do daqueles países, incluindo alguns que aplicam a pena de prisão perpétua.
o Há jovens na casa dos 20 anos de idade condenados a penas de 15 e 16 anos de prisão por crimes de furto – unicamente furtos. Há reclusos que cumprem penas de cerca de 20 anos de prisão condenados em cúmulo jurídico por múltiplos delitos contra o património os mais graves dos quais são punidos abstractamente com penas máximas não superiores a três anos.
o Há um sentimento generalizado na sociedade portuguesa de que o sistema judicial é forte e severo com os fracos e fraco, muito fraco e permissivo com os fortes (…) No domínio da investigação criminal, fazem-se grandes encenações mediáticas para os órgãos de informação, por vezes com prisões e buscas filmadas pelas TV’s, mas depois os inquéritos prolongam-se durante anos sem quaisquer consequências dissuasoras para esses delinquentes.
o Fazem-se negócios de milhões com o estado, tendo por objecto bens do património público, quase sempre com o mesmo restrito conjunto de pessoas e grupos económicos privilegiados. E muitas pessoas que actuam em nome do Estado e cuja principal função seria acautelar os interesses públicos, acabam mais tarde por trabalhar para as empresas ou grupos que beneficiaram com esses negócios.
o Há pessoas que acumularam grandes patrimónios pessoais no exercício de funções públicas ou em simultâneo com actividades privadas, sem que nunca se soubesse a verdadeira origem do enriquecimento (…) Nas empresas que prestam serviços públicos de grande relevância social, como, nas comunicações postais, no sector das energias e no das telecomunicações, entre outros, perdeu-se há muito o sentido de servir o público em benefício de estratégias que privilegiam, vantagens para os accionistas. Agora o interesse público relacionado com as necessidades sociais desses serviços deve ceder – e cede mesmo – perante os sacrossantos interesses dos sacrossantos accionistas.
o Bens essenciais para a população, cuja prestação constitui uma obrigação constitucional do Estado, como a saúde, são objecto de lucrativos negócios de grupos económicos privados. Amplos sectores da população empobrecem e endividam-se incentivados por compulsivas torrentes de publicidade comercial apelando ao consumismo, sem que o estado exerça qualquer intervenção moderadora.
o O sobre-endividamento colectivo levou a que grande parte da população activa tenha de trabalhar durante anos para pagar os encargos financeiros de empréstimos que foram induzidos a contrair sem os devidos esclarecimentos sobre as nefastas consequências desses compromissos. Grande parte do país – pessoas e empresas – trabalha para os bancos que acumulam lucros tão escandalosos quanto os benefícios fiscais de que gozam.
Tenho uma tremenda dificuldade em perceber como é que um político, seja ele quem for, pode esperar que este discurso não encontre fácil penetração e apoio junto da sociedade portuguesa! Demagógico? Mas não será esta a realidade da nossa sociedade? Não estamos perante factos.
Do discurso de Marinho proferido recentemente na Abertura do Ano Judicial, acto público presidido pelo Presidente da República, Cavaco Silva – que também não foi nada “meigo” – retive as seguintes passagens de um discurso que voltou a causar impacto e a incomodar:
o “Vivemos talvez a maior crise de sempre na Justiça portuguesa. Mas mesmo assim, em nome dos Advogados Portugueses, quero começar por exprimir um sentimento de confiança e de esperança (…) Num Estado de Direito Democrático a Justiça não tem donos, tem servidores. Todos somos servidores da justiça e todos devemos servi-la com dedicação e empenho.
o Ninguém respeitará a justiça se os seus agentes não se respeitarem uns aos outros. Nunca teremos uma boa administração da justiça, que é um valor superior do Estado de Direito, se não contribuirmos para a dignificação das diferentes funções em que essa administração se exprime (…) A justiça atravessa hoje em Portugal momentos particularmente agitados que são a evidência de uma crise profunda, sem dúvida a mais grave desde a instauração da República.
o Fizeram-se leis progressistas e generosas em matéria de direitos e garantias individuais, de entre as quais emerge, naturalmente, a Constituição da República Portuguesa, mas as suas concretas aplicações esbarraram sempre com o imobilismo do sistema e sobretudo com a incapacidade deste em assimilar o sentido progressista e humanitário dessas leis. As consequências estão à vista. As nossas cadeias estão cheias de pessoas oriundas principalmente dos sectores mais desfavorecidos da população. Temos uma das mais elevadas taxas de reclusão de toda a Europa senão mesmo a mais elevada. A pobreza e a exclusão social são as principais causas dessa triste realidade (…) Portugal aplica as maiores penas de prisão efectiva de entre os países da Europa Ocidental e também as penas mais curtas. O tempo médio de prisão efectiva por cada recluso corresponde a mais do triplo do daqueles países, incluindo alguns que aplicam a pena de prisão perpétua.
o Há jovens na casa dos 20 anos de idade condenados a penas de 15 e 16 anos de prisão por crimes de furto – unicamente furtos. Há reclusos que cumprem penas de cerca de 20 anos de prisão condenados em cúmulo jurídico por múltiplos delitos contra o património os mais graves dos quais são punidos abstractamente com penas máximas não superiores a três anos.
o Há um sentimento generalizado na sociedade portuguesa de que o sistema judicial é forte e severo com os fracos e fraco, muito fraco e permissivo com os fortes (…) No domínio da investigação criminal, fazem-se grandes encenações mediáticas para os órgãos de informação, por vezes com prisões e buscas filmadas pelas TV’s, mas depois os inquéritos prolongam-se durante anos sem quaisquer consequências dissuasoras para esses delinquentes.
o Fazem-se negócios de milhões com o estado, tendo por objecto bens do património público, quase sempre com o mesmo restrito conjunto de pessoas e grupos económicos privilegiados. E muitas pessoas que actuam em nome do Estado e cuja principal função seria acautelar os interesses públicos, acabam mais tarde por trabalhar para as empresas ou grupos que beneficiaram com esses negócios.
o Há pessoas que acumularam grandes patrimónios pessoais no exercício de funções públicas ou em simultâneo com actividades privadas, sem que nunca se soubesse a verdadeira origem do enriquecimento (…) Nas empresas que prestam serviços públicos de grande relevância social, como, nas comunicações postais, no sector das energias e no das telecomunicações, entre outros, perdeu-se há muito o sentido de servir o público em benefício de estratégias que privilegiam, vantagens para os accionistas. Agora o interesse público relacionado com as necessidades sociais desses serviços deve ceder – e cede mesmo – perante os sacrossantos interesses dos sacrossantos accionistas.
o Bens essenciais para a população, cuja prestação constitui uma obrigação constitucional do Estado, como a saúde, são objecto de lucrativos negócios de grupos económicos privados. Amplos sectores da população empobrecem e endividam-se incentivados por compulsivas torrentes de publicidade comercial apelando ao consumismo, sem que o estado exerça qualquer intervenção moderadora.
o O sobre-endividamento colectivo levou a que grande parte da população activa tenha de trabalhar durante anos para pagar os encargos financeiros de empréstimos que foram induzidos a contrair sem os devidos esclarecimentos sobre as nefastas consequências desses compromissos. Grande parte do país – pessoas e empresas – trabalha para os bancos que acumulam lucros tão escandalosos quanto os benefícios fiscais de que gozam.
Tenho uma tremenda dificuldade em perceber como é que um político, seja ele quem for, pode esperar que este discurso não encontre fácil penetração e apoio junto da sociedade portuguesa! Demagógico? Mas não será esta a realidade da nossa sociedade? Não estamos perante factos.
Luís Filipe Malheiro (in "Jornal da Madeira", 05 de Fevereiro de 2008)
<< Página inicial