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Opinião e coisas do nosso mundo...

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

ARTIGO: Propaganda

Uma das acusações que mais repetidamente têm sido feitas ao governo socialista de Sócrates, e com toda a razão, reside na propaganda que coloca em todas as suas decisões ou actos governativos, na forma como articula insucessos com anúncio de novas medidas, na forma como compensa medidas punitivas para os cidadãos com o escalonamento de outras, enfim, numa demonstração inequívoca de que não será por causa da propaganda, ou da falta dela em concreto, que o governo socialista terá problemas. Confesso que não me repugna a propaganda institucional e governativa. Eu acho, poderia dizer que até tenho quase a certeza absoluta, que a opinião pública mais atenta e conhecedora deste fenómeno, não acredita num político que acusa um seu adversário, no poder, de ser propagandístico. Bem vistas as coisas, que governo, que instituição pública que se preze, que organização privada de grande dimensão e influência social, não viva da propaganda? O problema é que pode haver boa e má propaganda, muita ou pouca propaganda, propaganda bem ou mal feita e actual, propaganda com uma mensagem mais fácil ou dificilmente assumida pelo público-alvo, neste caso, a opinião pública em geral. Será desajustado admitir que um governo, no poder, seja ele qual for, recorra à propaganda para levar à opinião pública uma mensagem, obviamente que claramente sectária, porque própria, quer quanto a decisões tomadas ou a tomar, quer quanto a obras aprovadas, concluídas ou a realizar? Qualquer pessoa mais atenta encara a propaganda como uma ferramenta comunicacional, que marca, cada vez mais, uma presença activa na actividade governativa ou institucional. A propaganda, no caso de uma entidade pública, para além da visibilidade que propicia, ajuda a divulgar factos, decisões ou realizações, ultrapassando alegadas dificuldades que neste domínio essas instituições sentem. O problema é que se olha para a propaganda governativa com desconfiança e algum desdém, mas por exemplo acha-se normal a propaganda partidária ou, a outro nível, a propaganda, por exemplo, dos bancos, particularmente o apelo ao consumismo em contraponto com uma realidade conjuntural económica que aconselharia procedimentos e comportamentos diferentes e a adopção de medidas mais restritivas. Eu levaria esta questão ao extremo acrescentando que um governo sem propaganda será sempre um mau governo. Mau porque nunca passará para os eleitores — a razão de ser do facto de um governo ser poder — a sua mensagem, mau porque nunca será capaz de explicar o que faz ou decidir e ultrapassar dificuldades endógenas e exógenas, mau porque pode ser acusado de cultivar uma política de distanciamento propositado em relação à opinião pública. A propaganda foi a base para muitas guerras, mas muitas ilusões e para enormes embustes na História dos povos, das nações ou das instituições, ajudou ditadores, salvou democracias, ajudou empresas, consolidou políticas, etc. A propaganda deve ser vista com naturalidade e não olhada como um mal, uma espécie de “cancro” social que é preciso estripar. Evidentemente que em nome da propaganda se cometem excessos, se mente, se deturpa, se procura manipular e se tenta enganar as pessoas. Mas esse é o outro lado da propaganda que, naturalmente, também tem uma outra face, mais positiva, menos repugnante. O que se pode questionar, deve-se questionar, são as técnicas utilizadas, os modelos de propaganda adoptados a sua credibilidade e consistência a relação entre a propaganda e a realidade. Existem vários e diferentes tipos de propaganda: “propaganda ideológica (técnica de persuasão desenvolvida de maneira mais global e ampla do que os demais tipos, sendo a sua função essencial, formar a maior parte das ideias e convicções dos indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento social, propaganda política (de carácter mais permanente, visa difundir ideologias políticas, programas e filosofias partidárias e actuações dos governos, um dos grandes fenómenos dominantes do século XX), propaganda eleitoral (de utilização esporádica, visando a conquista de votos), propaganda governamental (destinada a criar, reforçar ou modificar a imagem de um determinado governo, dentro e fora de suas fronteiras) e propaganda institucional (alguns autores americanos chamam de propaganda de relações públicas, é uma área onde as actividades de Relações Públicas e de Propaganda se interagem)”. No seu livro “Pequeno Tratado para Uso Daqueles que Querem Ter Sempre Razão”, Georges Picard refere: “(…) Há uns anos, um político pagou a figurantes para o aplaudirem numa concentração. Como bom profissional, compreendera que uma claque, embora não melhore o discurso, predispõe melhor os espectadores a descobrirem os seus méritos. O mimetismo é a mola principal para mover as massas no sentido do entusiasmo, do respeito ou do ódio. Mesmo perante um pequeno público de trinta pessoas, há sempre algo de religioso que provém da coagulação dos sentimentos individuais em expressão colectiva. No meio de um grupo, é necessária uma certa energia para pensar contra a maioria e coragem para exprimir abertamente essa opinião. Os manipuladores de opinião ou, para utilizar uma palavra mais delicada, os comunicadores, sabem que, para conduzir mentalmente uma assembleia numa determinada direcção, é necessário começar por agir sobre os seus líderes. A primeira tarefa consiste em determinar quem são, apesar de eles próprios não o saberem. Um manipulador não tarda a distinguir o punhado de indivíduos em que pode apoiar-se para influenciar os outros. Consoante os casos, escolherá os faladores ou os fanfarrões, os que protestam ou se obstinam, os que fazem rir ou chorar, os que alimentam a cólera, etc. O caldeirão mágico do comunicador não tem fundo. Toda a sua arte consiste em conquistar rapidamente a simpatia dos líderes ainda inconscientes do seu estado e papel. Manipulados, serão por sua vez manipuladores do resto do grupo, que os seguirá como um só homem (...)”. Ou seja, com alguma habilidade em manipular a questão comunicacional — ao ponto do próprio Sócrates ter uma relação pouco exemplar com os jornalistas e na forma como a eles se esquiva — são hoje evidentes dois factos importantes no comportamento do actual governo socialista: por um lado a concentração, e bem, de toda esta coordenação no próprio chefe do governo e a canalização, de uma forma descarada e sem complexos, de elevadas verbas orçamentais para rubricas propagandísticas dos vários ministérios. Mais do que “vender” imagens de ministros, o governo socialista aposta na sua sobrevivência, filtrando tudo o que possa prejudicar esse desiderato. Compreensivelmente, pode a oposição criticar esta opção, mas lá que se trata de uma perspectiva legítima a qualquer governo, disso não tenho dúvidas. http://ultraperiferias.blogspot.com

Luis Filipe Malheiro

Jornal da Madeira 5 de Janeiro 2007

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