Artigo: Satisfeito…
Temos que considerar todos, sem excepção, que a promulgação da lei das finanças regionais, representa uma derrota política para todos nós e para a Madeira. O resto é paleio que vale rigorosamente nada. Não se trata, sequer, de discutir o conteúdo da lei das finanças regionais na sua nova versão, nem tão pouco andarmos a discutir os milhões a menos que o Estado nos enviará. Temos que nos adaptar a essa nova realidade, temos que ter a coragem de assumir que haverá ajustamentos que inevitavelmente terão que ser feitos e que, porventura, existirão vícios que teremos de pôr cobro, de uma vez por todas. Dificilmente se conseguirá manter tudo na mesma, como se nada de novo se tivesse passado em nome de propósitos eleitorais e políticos, que sendo legítimos, particularmente a partidos de projectos de poder, como é o caso do PSD madeirense, não podem agravar os compromissos já assumidos. Ressalvada esta questão essencial, o que está em causa, dizia eu, é discutirmos até que ponto a Autonomia, afinal, trinta anos depois, de um percurso de sucesso e de desaires, não se encontra mais vulnerável do que era suposto estar. Quando uma Região, independentemente de quem é poder, é beneficiada ou prejudicada apenas porque ministros das finanças ou primeiros-ministros, de forma incongruente, optam por critérios claramente valorizados a gosto do freguês e com o deliberado propósito de prejudicar uns (a Madeira) e beneficiar outros (os Açores), só porque os socialistas não são poder na Madeira (e estão com os dentes afiados para o assalto em 2008…) e desejam mantê-lo nos Açores, esmagando a concorrência com recursos financeiros que darão para, até para propaganda baratucha que entre o final deste ano e Outubro de 2008, certamente farão parte da governação “exemplar” da Região Autónoma vizinha. Eu acho perigoso, e penitencio-me por eventuais excessos que tenha tido, que se coloquem as duas Regiões Autónomas — que devem estar num plano qualitativamente idêntico, em termos autonómicos — num espécie de situação de conflito, latente ou efectivo, porque a consolidação da Autonomia, com contrariedades, maiores ou menores, depende sobretudo da forma como Madeira e Açores, ressalvando as diferenças e até a forma como são tratadas (ou apadrinhadas) por Lisboa, conseguirem impor-se, política, cultural e constitucionalmente no seio do Estado. O facto dos Açores estarem a ser agora governados pelos socialistas — depois de duas décadas de governação social-democrata — que se revelam incapazes de qualquer palavra de solidariedade para com a Madeira (embora por vezes nos tenha faltado, a nós e em determinados momentos, uma palavra de estímulo e apoio em sentido inverso) isso não pode significar que alimentamos qualquer tipo de discurso ou de comportamento hostil em relação aos açorianos que não têm culpa nenhuma do que se está a passar e que, quer queiramos quer não, continuam a ser uma das regiões portuguesas mais pobres, senão a mais pobre do país, e uma das regiões europeias mais carenciadas, praticamente ao nível das regiões pobres dos novos Estados-membros do leste europeu. Vou dedicar mais alguns artigos a este tema — lei das finanças regionais — até porque não se trata de um processo terminado. Longe disso. Mas fica-me a satisfação, reconheço, de ver confirmado o que eu sempre disse em relação a Cavaco Silva — particularmente quando se trata de discutir lealdade, coragem, coerência e solidariedade para com as Autonomias, aliás tal como aconteceu durante o seu “reinado” de primeiro-ministro — e que esteve na origem da minha recusa, assumida e da qual não me arrependo, de ter recusado qualquer envolvimento na sua candidatura rumo ao sempre desejado tacho presidencial, e de ele ter chegado a Belém sem o meu voto. Era o que faltava. Tive oportunidade de o dizer, várias vezes, neste espaço. Em nome da liberdade individual que preservo e que nada tem a ver com a coerência que tenho que ter presente e que resulta do facto de fazer parte de um partido político. A promulgação da lei das finanças regionais — quando poderia vetá-la, assumindo assim uma posição política que, podendo ser “provocatória” para a maioria socialista, poderia levá-la a aceitar eventuais sugestões presidenciais que pudessem ser feitas, por exemplo, a de entrar em vigor a nova lei das finanças regionais no final da actual Legislatura — revela, em meu entender, a fraqueza do Presidente, a sua aposta deliberada no “charme” junto dos socialistas, para que obtenha o voto deles que garantam um segundo mandato, já que o eleitorado do PSD e do CDS/PP juntos, não serão garantia suficiente. Cavaco — e sei que posso ser polémico — acaba de mostrar porque foi um cúmplice activo da conjuntura política de desgaste do PSD (de Barroso mas particularmente de Santana Lopes) que acabou por determinar a decisão do seu antecessor, Sampaio, de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas, apesar da existência de uma maioria parlamentar efectiva. Um partido que combateu no silêncio, que desacreditou, e tentou ridicularizar e enfraquecer, mas ao qual recorreu quando se tratou de obter apoio político (e não só) para a campanha eleitoral que o levasse a Belém.
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 12 de Fevereiro 2007
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