Artigo: O défice
Prudência, meus amigos, muita prudência e verdade, irrecusavelmente a verdade toda. O anunciado défice das contas públicas, no final de 2006, abaixo dos 4%, não me parece que seja um reflexo de qualquer melhoria da economia nacional. Nada disso. Há exemplos, dos quais darei exemplo mais adiante, que mostram que insistir nisso será insistir num embuste. Eu continuo a sustentar que qualquer país democrático e organizado, para que tenha credibilidade externa e seja respeitado, desde logo internamente, não pode abandalhar as suas contas públicas e andar constantemente perseguido por défices astronómicos, que regra geral exigem medidas penalizantes, bastante duras para as famílias e para as empresas.
É certo, no caso português, que esta recuperação do défice público, diminuindo mais do que as previsões governamentais indiciavam, se ficou a dever a uma carga fiscal que continua a ser pesada. Mas parece-me que o governo, a par de algum sucesso nos resultados agora apresentados, há que reconhecer, também tem cometido a imprudência, que no caso dos socialistas não é uma novidade, de elogiar-se a si próprio e às suas medidas, em vez de partilhar esse sucesso - se é que a estabilidade orçamental deve ser considerara um sucesso e não uma obrigação, um dever de qualquer estado responsável e sério – com os cidadãos e as empresas, inquestionavelmente os mais sacrificados por uma orientação fiscal que não tem olhado a meios para atingir os seus objectivos
Mas há situações, factos e não invenções, que não podem ser escamoteadas, sob pena de andarmos a ser “comidos” por tontos, graças a uma estratégia comunicacional oficial que não passa de uma descarada manipulação visando o branqueamento, com a cumplicidade de alguns meios de comunicação social, de responsabilidades governativas na situação das famílias e das empresas nacionais, na sua esmagadora maioria, pequenas e médias empresas hoje a braços com orientações fiscais que as inibem e tem provocado encerramentos e despedimentos.
E vamos a esses factos.
O primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou que o Governo vai rever em baixa a previsão do défice público deste ano para 3,3 por cento do Produto Interno Bruto, contra os 3,7 por cento que constam no actual Programa de Estabilidade e Crescimento. Claro que o primeiro-ministro socialista, manipulando os factos, escondeu uma realidade incontornável e incómoda, mas que os portugueses não podem esquecer: ” Portugal foi o país da Zona Euro que mais aumentou os impostos entre 1995 e 2005 e está entre as nações que mais subiram a carga fiscal nos últimos cinco anos, embora ainda esteja abaixo da média europeia, já que os países mais ricos tendem a tributar mais os cidadãos”. O que é preocupante é que os países do Leste, apontados como adversários de Portugal na luta pelo investimento estrangeiro, pratiquem taxas tributárias mais baixas e estejam a reduzir o esforço fiscal pedido às empresas. O DN de Lisboa, que desenvolveu este assunto, explica que em dez anos - entre 1995 e 2005 - a carga fiscal, sobre a economia portuguesa, cidadãos e empresas, aumentou 11%, mas o grosso da subida dos impostos decidiu-se entre 1995 e 2000, de acordo com os dados ontem divulgados pelo Eurostat, o gabinete de estatísticas da Comissão Europeia: “a meio da década passada, 32,7% da riqueza gerada no País (PIB) era absorvida por impostos sobre os lucros, destinada a alimentar a máquina do Estado, principalmente o consumo público - os salários dos funcionários e compras à economia -, bem como o investimento. Em 2000, já os portugueses, em impostos directos e indirectos e em descontos para a Segurança Social, liquidavam ao Estado o equivalente a 35,2% do PIB”.
Entretanto, na mesma altura, o Banco de Portugal não deixou dúvidas: O total do crédito malparado ascendeu a 2,07 mil milhões de euros em Janeiro deste ano, o que corresponde a um aumento de 3,5% face aos 1,99 mil milhões de euros verificados em Dezembro de 2006, altura em que as cobranças duvidosas diminuíram pelo segundo mês consecutivo. Com base nos números disponibilizados pelo Banco de Portugal, o crédito malparado corresponde a 1,78% do total dos créditos concedidos, cujo valor em Janeiro aumentou para os 115,77 mil milhões de euros. A maior fatia dos créditos concedidos corresponde a empréstimos à habitação (92,29 mil milhões de euros) e o valor de cobrança duvidosa neste segmento ascendeu a 1,15 mil milhões de euros no mês em análise. O crédito ao consumo foi responsável por 11,6 mil milhões de euros e por 382 milhões de euros de crédito malparado. No total o valor de cobrança duvidosa neste segmento supera os 3% sobre o total dos empréstimos.
Mas há mais, quando se trata de tentar perceber como se reduziu o défice das contas públicas. Eis uma delas: “o corte no investimento público realizado em Portugal durante o ano passado (2006) é o maior de sempre em termos nominais e, descontado o efeito da inflação, apenas é ultrapassado pelo ocorrido durante a crise de 1983, altura em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) influenciava decisivamente a política económica portuguesa. De acordo com documentos oficiais recentemente divulgados, o investimento realizado pela totalidade da Administração Pública cifrou-se, em 2006, nos 3.558 milhões de euros, valor representa um corte de 15% face ao ano passado, período em que o investimento ascendeu aos 4.183 milhões de euros. Quer isto dizer que desde 1980 que não se registou uma diminuição em termos nominais comparável. A segunda maior descida deste indicador registou-se em 2003 (10,1%), com Durão Barroso no Governo, e a terceira em 2005 (6,9%), já com o executivo Sócrates em funções.
E para que se tenha a noção da diferença entre países que apresentação realidades diferentes nas suas contas públicas, recordo que o ministro das Finanças britânico, Gordon Brown, apontado como próximo primeiro-ministro do Reino Unido, revelou que os cortes previstos no seu orçamento de Estado criam "os impostos mais baixos dos últimos 75 anos". Falando durante a apresentação do novo orçamento de Estado britânico, Brown anunciou que o Executivo Trabalhista vai reduzir em 2% o valor associado ao escalão principal dos impostos sobre o rendimento...
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 27 de Março 2007
É certo, no caso português, que esta recuperação do défice público, diminuindo mais do que as previsões governamentais indiciavam, se ficou a dever a uma carga fiscal que continua a ser pesada. Mas parece-me que o governo, a par de algum sucesso nos resultados agora apresentados, há que reconhecer, também tem cometido a imprudência, que no caso dos socialistas não é uma novidade, de elogiar-se a si próprio e às suas medidas, em vez de partilhar esse sucesso - se é que a estabilidade orçamental deve ser considerara um sucesso e não uma obrigação, um dever de qualquer estado responsável e sério – com os cidadãos e as empresas, inquestionavelmente os mais sacrificados por uma orientação fiscal que não tem olhado a meios para atingir os seus objectivos
Mas há situações, factos e não invenções, que não podem ser escamoteadas, sob pena de andarmos a ser “comidos” por tontos, graças a uma estratégia comunicacional oficial que não passa de uma descarada manipulação visando o branqueamento, com a cumplicidade de alguns meios de comunicação social, de responsabilidades governativas na situação das famílias e das empresas nacionais, na sua esmagadora maioria, pequenas e médias empresas hoje a braços com orientações fiscais que as inibem e tem provocado encerramentos e despedimentos.
E vamos a esses factos.
O primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou que o Governo vai rever em baixa a previsão do défice público deste ano para 3,3 por cento do Produto Interno Bruto, contra os 3,7 por cento que constam no actual Programa de Estabilidade e Crescimento. Claro que o primeiro-ministro socialista, manipulando os factos, escondeu uma realidade incontornável e incómoda, mas que os portugueses não podem esquecer: ” Portugal foi o país da Zona Euro que mais aumentou os impostos entre 1995 e 2005 e está entre as nações que mais subiram a carga fiscal nos últimos cinco anos, embora ainda esteja abaixo da média europeia, já que os países mais ricos tendem a tributar mais os cidadãos”. O que é preocupante é que os países do Leste, apontados como adversários de Portugal na luta pelo investimento estrangeiro, pratiquem taxas tributárias mais baixas e estejam a reduzir o esforço fiscal pedido às empresas. O DN de Lisboa, que desenvolveu este assunto, explica que em dez anos - entre 1995 e 2005 - a carga fiscal, sobre a economia portuguesa, cidadãos e empresas, aumentou 11%, mas o grosso da subida dos impostos decidiu-se entre 1995 e 2000, de acordo com os dados ontem divulgados pelo Eurostat, o gabinete de estatísticas da Comissão Europeia: “a meio da década passada, 32,7% da riqueza gerada no País (PIB) era absorvida por impostos sobre os lucros, destinada a alimentar a máquina do Estado, principalmente o consumo público - os salários dos funcionários e compras à economia -, bem como o investimento. Em 2000, já os portugueses, em impostos directos e indirectos e em descontos para a Segurança Social, liquidavam ao Estado o equivalente a 35,2% do PIB”.
Entretanto, na mesma altura, o Banco de Portugal não deixou dúvidas: O total do crédito malparado ascendeu a 2,07 mil milhões de euros em Janeiro deste ano, o que corresponde a um aumento de 3,5% face aos 1,99 mil milhões de euros verificados em Dezembro de 2006, altura em que as cobranças duvidosas diminuíram pelo segundo mês consecutivo. Com base nos números disponibilizados pelo Banco de Portugal, o crédito malparado corresponde a 1,78% do total dos créditos concedidos, cujo valor em Janeiro aumentou para os 115,77 mil milhões de euros. A maior fatia dos créditos concedidos corresponde a empréstimos à habitação (92,29 mil milhões de euros) e o valor de cobrança duvidosa neste segmento ascendeu a 1,15 mil milhões de euros no mês em análise. O crédito ao consumo foi responsável por 11,6 mil milhões de euros e por 382 milhões de euros de crédito malparado. No total o valor de cobrança duvidosa neste segmento supera os 3% sobre o total dos empréstimos.
Mas há mais, quando se trata de tentar perceber como se reduziu o défice das contas públicas. Eis uma delas: “o corte no investimento público realizado em Portugal durante o ano passado (2006) é o maior de sempre em termos nominais e, descontado o efeito da inflação, apenas é ultrapassado pelo ocorrido durante a crise de 1983, altura em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) influenciava decisivamente a política económica portuguesa. De acordo com documentos oficiais recentemente divulgados, o investimento realizado pela totalidade da Administração Pública cifrou-se, em 2006, nos 3.558 milhões de euros, valor representa um corte de 15% face ao ano passado, período em que o investimento ascendeu aos 4.183 milhões de euros. Quer isto dizer que desde 1980 que não se registou uma diminuição em termos nominais comparável. A segunda maior descida deste indicador registou-se em 2003 (10,1%), com Durão Barroso no Governo, e a terceira em 2005 (6,9%), já com o executivo Sócrates em funções.
E para que se tenha a noção da diferença entre países que apresentação realidades diferentes nas suas contas públicas, recordo que o ministro das Finanças britânico, Gordon Brown, apontado como próximo primeiro-ministro do Reino Unido, revelou que os cortes previstos no seu orçamento de Estado criam "os impostos mais baixos dos últimos 75 anos". Falando durante a apresentação do novo orçamento de Estado britânico, Brown anunciou que o Executivo Trabalhista vai reduzir em 2% o valor associado ao escalão principal dos impostos sobre o rendimento...
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 27 de Março 2007
<< Página inicial