Paz mata mais jornalistas do que a guerra
Apenas quatro meses após o rapto e decapitação do jornalista Daniel Pearl, do "Wall Street Journal", por fundamentalistas da Al-Qaeda, no Paquistão, o repórter Tim Lopes, da TV Globo, sofreu idêntica sorte. Investigava droga e tráfico sexual de menores numa favela do Rio de Janeiro. A sua morte, porém, conheceu uma repercussão muito inferior. Ao comparar estes dois casos, na introdução ao último relatório do International News Safety Institute (INSI), uma organização não governamental para a protecção dos jornalistas, o antigo editor do "Sunday Times" e do "Times", de Londres, Harold Evans, quis sublinhar que o número de repórteres mortos em todo o mundo, em cada ano, é muitíssimo maior do que aquele que as notícias publicadas deixam supor. E que, na maioria dos casos, as mortes não ocorrem na frente de combate. O último inquérito global do instituto – o mais amplo nesta área – calcula que foram mil os jornalistas, de 101 nacionalidades, mortos nos últimos 10 anos, em 96 países. Apenas um em cada quatro morreram no teatro de guerra ou em conflitos armados. Os restantes foram mortos em casa, na rua, na redacção. Por uma razão principal: procuravam a verdade. Ou porque “tentavam iluminar as zonas sombrias das suas sociedades”. Para efeitos estatísticos, o relatório contabiliza como jornalistas o pessoal de apoio da rádio, televisão e jornais – produtores, tradutores, motoristas e seguranças. A distinção entre jornalistas e trabalhadores dos media não faz sentido, por exemplo, no Iraque, justificam os autores, citando o antigo executivo da CNN, Eason Jordan. Ali, os elementos de apoio dos enviados especiais são “repórteres de facto, servindo como os olhos e ouvidos dos correspondentes estrangeiros”. Devido ao perigo extremo que correm, os repórteres internacionais “raramente se aventuram a sair para o meio das massas”, explicou Jordan (“Dying to tell the story? More than you know”, "International Herald Tribune"). Hoje, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o relatório do INSI, de Março, é uma das fontes principais dos debates promovidos pela UNESCO, em vários países. A liberdade de imprensa, a segurança dos jornalistas e a impunidade dos que atentam contra a liberdade de expressão e a integridade física dos jornalistas – os temas principais do relatório – são os tópicos de discussão das celebrações, hoje, em Medellin, Colômbia. A cidade foi escolhida pela UNESCO em homenagem a Guillermo Cano, assassinado por máfias da droga em 1987, à porta do jornal "El Espectador", que dirigia. Guillermo Cano dá o nome ao Prémio Liberdade de Imprensa no Mundo, que este ano foi concedido, pela primeira vez a título póstumo, a Anna Politkovskaia, a jornalista russa que investigava o conflito na Tchetchénia, tendo chegado a conclusões desfavoráveis às autoridades do seu país.
Rússia, entre os piores
A Rússia figura no topo da lista dos países com mais profissionais da impren a mortos, logo a seguir ao Iraque e antes da Colômbia. No país de Putin, nas Filipinas e no México registou-se, ao longo da última década, “um significativo nível de violência” dirigida contra repórteres, mas que não esteve associada a qualquer conflito armado. «A maioria dos jornalistas mortos nestes três países trabalhava em histórias sobre corrupção, tráfico de droga e outras práticas criminosas na área dos negócios, diz o relatório. Apesar de a Constituição garantir a liberdade de expressão e de imprensa, o Kremlin “limita estes direitos na prática”, através do controlo dos três canais principais de tv e da prática de perseguições judiciais e prisões arbitrárias, segundo denúncias de organizações independentes. O INSI relata três casos de violência física como forma de intimidação sobre jornalistas, no espaço de um ano e meio, em Moscovo: espancamento de Illia Zimin, correspondente do canal NTV, à porta do seu apartamento, em Abril de 2005; descoberta do seu corpo ensanguentado, em Fevereiro de 2006; e, em Outubro, o assassinato de Politkovskaia, no elevador do seu prédio.
Impunidade, uma ameaça
Oito em cada dez jornalistas mortos no período do inquérito não tiveram direito, sequer, a investigações que apurassem quem os matou e a mando de quem. Os assassinos alimentam nesta impunidade a espiral da morte. Matar o jornalista tornou-se, nalgumas regiões do mundo, a forma “mais fácil, mais barata e mais eficaz” de silenciar notícias inoportunas. Fazem-no indivíduos, grupos, instituições, funcionários governamentais e, até, Estados. Nas comemorações de há quatro anos, o director-geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, propôs que se declarasse guerra à impunidade.
A experiência do Brasil, onde a impunidade diminuiu nos últimos 20 anos, sugere a possibilidade de progressos. Ela permanece, contudo, como a maior ameaça que os jornalistas enfrentam em todo o mundo, diz o relatório, citando o Comité para a Protecção dos Jornalistas.A Rússia ocupa também neste campo um dos cinco primeiros lugares da lista. Desde Janeiro de 2000, há 58 assassinatos de jornalistas aí, nas Filipinas, Iraque, Colômbia e Bangladesh em que nenhum dos mandantes do crime compareceu perante a justiça.
Iraque mais que Vietname
Rússia, entre os piores
A Rússia figura no topo da lista dos países com mais profissionais da impren a mortos, logo a seguir ao Iraque e antes da Colômbia. No país de Putin, nas Filipinas e no México registou-se, ao longo da última década, “um significativo nível de violência” dirigida contra repórteres, mas que não esteve associada a qualquer conflito armado. «A maioria dos jornalistas mortos nestes três países trabalhava em histórias sobre corrupção, tráfico de droga e outras práticas criminosas na área dos negócios, diz o relatório. Apesar de a Constituição garantir a liberdade de expressão e de imprensa, o Kremlin “limita estes direitos na prática”, através do controlo dos três canais principais de tv e da prática de perseguições judiciais e prisões arbitrárias, segundo denúncias de organizações independentes. O INSI relata três casos de violência física como forma de intimidação sobre jornalistas, no espaço de um ano e meio, em Moscovo: espancamento de Illia Zimin, correspondente do canal NTV, à porta do seu apartamento, em Abril de 2005; descoberta do seu corpo ensanguentado, em Fevereiro de 2006; e, em Outubro, o assassinato de Politkovskaia, no elevador do seu prédio.
Impunidade, uma ameaça
Oito em cada dez jornalistas mortos no período do inquérito não tiveram direito, sequer, a investigações que apurassem quem os matou e a mando de quem. Os assassinos alimentam nesta impunidade a espiral da morte. Matar o jornalista tornou-se, nalgumas regiões do mundo, a forma “mais fácil, mais barata e mais eficaz” de silenciar notícias inoportunas. Fazem-no indivíduos, grupos, instituições, funcionários governamentais e, até, Estados. Nas comemorações de há quatro anos, o director-geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, propôs que se declarasse guerra à impunidade.
A experiência do Brasil, onde a impunidade diminuiu nos últimos 20 anos, sugere a possibilidade de progressos. Ela permanece, contudo, como a maior ameaça que os jornalistas enfrentam em todo o mundo, diz o relatório, citando o Comité para a Protecção dos Jornalistas.A Rússia ocupa também neste campo um dos cinco primeiros lugares da lista. Desde Janeiro de 2000, há 58 assassinatos de jornalistas aí, nas Filipinas, Iraque, Colômbia e Bangladesh em que nenhum dos mandantes do crime compareceu perante a justiça.
Iraque mais que Vietname
O Iraque tornou-se, a partir de 2003, o mais mortífero conflito para jornalistas desde a II Guerra mortos durante os 20 anos que durou a guerra do Vietname já havia sido ultrapassada em Agosto de 2005, isto é, menos de dois anos e meio após a invasão anglo-americana do país. O Iraque, diz o INSI, é “o pior campo de morte para os meios de informação dos tempos modernos”. Mais de dois terços dos profissionais mortos no conflito eram iraquianos. É tão grande, ali, o risco de trabalhar para os media que muitos contratados por meios de comunicação americanos escondem o facto, até dos amigos e da família. Ataques a veículos identificados como sendo da imprensa, no Iraque e na Palestina, por exemplo, têm levado as organizações de protecção dos jornalistas a rejeitar sugestões para que se crie um sinal identificador único para ser usado nestes casos. A perda do que costumava ser visto como a neutralidade da imprensa leva a que os profissionais dos jornais, televisão e rádio estejam a ser alvejados como nunca, uma vez que são vistos por cada um dos lados como fazendo parte do inimigo. “Um número significativo de profissionais da informação mortos durante a cobertura de histórias, na última década, foram assassinados precisamente porque eram jornalistas”, sublinha o relatório. Para diminuir o número de mortos e tornar mais efectiva a punição dos responsáveis dos actos de violência, o INSI propõe, entre outras medidas, que os países cúmplices sejam colocados numa espécie de lista negra pela comunidade internacional. O Banco Mundial e o FMI deveriam inserir dados sobre os assassinatos dos jornalistas nos seus relatórios e condicionar a ajuda aos países que não investiguem crimes e não punam os culpados. Semelhante atitude deveria ser tomada pelos Estados, a quem se sugere que organizem uma espécie de “índex da impunidade”. Se não o fizerem, observa o relatório, os Governos acabam por permitir que sejam os criminosos a determinar “o que os cidadãos lêem e vêem”. Do conjunto das recomendações consta também a necessidade de dar formação, treino e equipamento de protecção adequado aos jornalistas e outro pessoal de apoio. Os enviados especiais às zonas de guerra, propõe o relatório, por fim, deveriam ser sempre recrutados na base do voluntariado. Fonte: Adelino Gomes, Público
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