Paz mata mais jornalistas do que a guerra
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Rússia, entre os piores
A Rússia figura no topo da lista dos países com mais profissionais da impren a mortos, logo a seguir ao Iraque e antes da Colômbia. No país de Putin, nas Filipinas e no México registou-se, ao longo da última década, “um significativo nível de violência” dirigida contra repórteres, mas que não esteve associada a qualquer conflito armado. «A maioria dos jornalistas mortos nestes três países trabalhava em histórias sobre corrupção, tráfico de droga e outras práticas criminosas na área dos negócios, diz o relatório. Apesar de a Constituição garantir a liberdade de expressão e de imprensa, o Kremlin “limita estes direitos na prática”, através do controlo dos três canais principais de tv e da prática de perseguições judiciais e prisões arbitrárias, segundo denúncias de organizações independentes. O INSI relata três casos de violência física como forma de intimidação sobre jornalistas, no espaço de um ano e meio, em Moscovo: espancamento de Illia Zimin, correspondente do canal NTV, à porta do seu apartamento, em Abril de 2005; descoberta do seu corpo ensanguentado, em Fevereiro de 2006; e, em Outubro, o assassinato de Politkovskaia, no elevador do seu prédio.
Impunidade, uma ameaça
Oito em cada dez jornalistas mortos no período do inquérito não tiveram direito, sequer, a investigações que apurassem quem os matou e a mando de quem. Os assassinos alimentam nesta impunidade a espiral da morte. Matar o jornalista tornou-se, nalgumas regiões do mundo, a forma “mais fácil, mais barata e mais eficaz” de silenciar notícias inoportunas. Fazem-no indivíduos, grupos, instituições, funcionários governamentais e, até, Estados. Nas comemorações de há quatro anos, o director-geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, propôs que se declarasse guerra à impunidade.
A experiência do Brasil, onde a impunidade diminuiu nos últimos 20 anos, sugere a possibilidade de progressos. Ela permanece, contudo, como a maior ameaça que os jornalistas enfrentam em todo o mundo, diz o relatório, citando o Comité para a Protecção dos Jornalistas.A Rússia ocupa também neste campo um dos cinco primeiros lugares da lista. Desde Janeiro de 2000, há 58 assassinatos de jornalistas aí, nas Filipinas, Iraque, Colômbia e Bangladesh em que nenhum dos mandantes do crime compareceu perante a justiça.
Iraque mais que Vietname
O Iraque tornou-se, a partir de 2003, o mais mortífero conflito para jornalistas desde a II Guerra mortos durante os 20 anos que durou a guerra do Vietname já havia sido ultrapassada em Agosto de 2005, isto é, menos de dois anos e meio após a invasão anglo-americana do país. O Iraque, diz o INSI, é “o pior campo de morte para os meios de informação dos tempos modernos”. Mais de dois terços dos profissionais mortos no conflito eram iraquianos. É tão grande, ali, o risco de trabalhar para os media que muitos contratados por meios de comunicação americanos escondem o facto, até dos amigos e da família. Ataques a veículos identificados como sendo da imprensa, no Iraque e na Palestina, por exemplo, têm levado as organizações de protecção dos jornalistas a rejeitar sugestões para que se crie um sinal identificador único para ser usado nestes casos. A perda do que costumava ser visto como a neutralidade da imprensa leva a que os profissionais dos jornais, televisão e rádio estejam a ser alvejados como nunca, uma vez que são vistos por cada um dos lados como fazendo parte do inimigo. “Um número significativo de profissionais da informação mortos durante a cobertura de histórias, na última década, foram assassinados precisamente porque eram jornalistas”, sublinha o relatório. Para diminuir o número de mortos e tornar mais efectiva a punição dos responsáveis dos actos de violência, o INSI propõe, entre outras medidas, que os países cúmplices sejam colocados numa espécie de lista negra pela comunidade internacional. O Banco Mundial e o FMI deveriam inserir dados sobre os assassinatos dos jornalistas nos seus relatórios e condicionar a ajuda aos países que não investiguem crimes e não punam os culpados. Semelhante atitude deveria ser tomada pelos Estados, a quem se sugere que organizem uma espécie de “índex da impunidade”. Se não o fizerem, observa o relatório, os Governos acabam por permitir que sejam os criminosos a determinar “o que os cidadãos lêem e vêem”. Do conjunto das recomendações consta também a necessidade de dar formação, treino e equipamento de protecção adequado aos jornalistas e outro pessoal de apoio. Os enviados especiais às zonas de guerra, propõe o relatório, por fim, deveriam ser sempre recrutados na base do voluntariado. Fonte: Adelino Gomes, Público
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