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terça-feira, 19 de junho de 2007

Artigo: Venezuela II

Na sequência do meu anterior texto sobre a Venezuela, convém esclarecer que sigo com particular atenção a evolução da situação na Venezuela, até por razões sentimentais que me fazem estar mais “próximo” de tudo o que ali se passa. E não deixa de ser preocupante a instabilidade política, mas sobretudo a alegada instabilidade social, a insegurança sentida pelos cidadãos, a falta de garantia de respeito pela lei, um comportamento fracturante da sociedade venezuelana, alimentado pelo poder que procura por todos os meios concretizar uma purga que pelos vistos não conhece limites.No caso da Venezuela, julgo que é mais do que evidente que Portugal, que ali tem uma população emigrante calculada em mais de 250 mil pessoas, incluindo segundas gerações, tem que estar consciente que, mais tarde ou mais cedo, se a escalada rumo ao descontrolo total e ao absolutismo militarista sem precedentes naquele país, poderá estar a braços com um problema bastante grave e que não atinge proporções perfeitamente incontroláveis porque muitos dos agregados familiares portugueses, apesar de contrariados, esbarram com a recusa dos seus filhos em abandonar o país onde nasceram, onde estudam ou trabalham e onde querem permanecer. Aliás, eu sei, e penso que já referi isso, que não são nada estimulantes outras situações de jovens filhos de madeirenses, nascidos na Venezuela, e que vivem agora na Madeira, por ter sido essa a opção dos seus pais, que eles aceitaram relutantemente. Eu sei que muitos deles estão a preparar o regresso, os filhos porque se sentem estranhos, os pais porque não querem ver os filhos sofrer e que entre o receio pela situação em Caracas e o bem-estar da sua família, optam por esta segunda. Continuo a pensar que o Clube das Comunidades Madeirenses deve repensar a sua estratégia e o seu posicionamento e passar a olhar de uma forma mais atenta e eficaz, para situações que não podem ser empurradas apenas para o colo das entidades oficiais.Mas o que se passou com o encerramento do canal de televisão mais antigo da Venezuela, a “Rádio Caracas Televisión RCTV” (53 anos e 2.800 funcionários), foi apenas mais um episódio de uma série de decisões políticas desastrosas para o governo de Chávez, que resolveu retirar a licença oficial à estação e proibir a emissão, apesar dos protestos, que chegaram a ser violentos, de centenas de milhares de pessoas que nas ruas se manifestavam contra a decisão presidencial. O que é curioso é que esta situação, uma vez mais fracturante numa sociedade marcada por grande corrupção e por desequilíbrios sociais graves — na Venezuela não há uma classe média enquanto tal — mostrou que apesar dos protestos, os apoiantes de Chávez comemoraram com fogo de artifício o fim do canal mais popular da Venezuela e o nascimento de um novo canal de serviço público. A “RCTV” era a única estação de televisão com emissões a nível nacional, que alinhava com a oposição a Chávez. Quando desapareceu da emissão, o seu espaço (e canal) foi rapidamente substituído por um novo canal, a “TVES” (para ocupar o espaço da “RCTV”, Chávez criou a Fundação Teves, dotada de um capital inicial de 4 milhões de dólares, e cujo conselho de directores foi nomeado pelo Ministério da Comunicação e Informação). Os opositores da decisão do governo consideram-na uma retaliação política, mas Chávez já deixou um aviso: "Que não se enganem, porque o que fiz até agora é somente não renovar a concessão. Se eles responderem com acções ilegais, teremos que aplicar o peso da lei".O que é facto é que as autoridades renovaram as concessões a todos os outros canais, incluindo o da televisão estatal, a “Venevision” (do magnata Gustavo Cisneros), principal rival da “RCTV” e que antigamente Chávez incluía na lista de meios "golpistas". As relações do poder com a “Venevision” melhoraram depois de uma reunião em 2004, mediada pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter. A verdade é que essa emissora suavizou a linha editorial e retirou alguns programas de opinião considerados mais “provocatórios” para Chávez! Para se perceber o que se passa na Venezuela, lembro que quase 70% dos venezuelanos se manifestaram contrários ao encerramento “RCTV”. Mas segundo uma sondagem da “Datanalisis”, não deixa de ser curioso que essa posição dos venezuelanos esteja mais relacionada com a suspensão de alguns programas de humor e das novelas exibidas por aquele canal agora encerrado, e que eram das mais populares do País, do que por causa das questões relacionadas com as ameaças à liberdade de expressão no país. Estes resultados fazem com que tenhamos o dever de olhar para esta situação com alguma cautela e distanciamento, sobretudo emocional, porque não sabemos o que realmente se passa. Outra curiosidade que derrube, de novo, a teoria da treta de que o Presidente venezuelano não é um político inteligente e que não sabe gerir de forma competente as questões do marketing político: consciente do peso dessas telenovelas, Chávez quando anunciou o encerramento da “RCTV” (que continua a emitir por cabo ou por satélite), tinha ao seu lado alguns dos mais conhecidos actores venezuelanos que faziam parte do elenco dessas telenovelas. Sintomático. Mas não tenhamos dúvidas: o que se passou com esta estação de televisão venezuelana é um atentado aos mais elementares princípios da liberdade de imprensa. Que pode continuar, já que outro canal de televisão, três jornais de dimensão nacional e várias estações de rádio nacionais, já foram avisados…
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 18 de Junho 2007

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