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Opinião e coisas do nosso mundo...

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Artigo: ESTATUTARIAMENTE...

Em política há duas situações em relação às quais não podemos manifestar qualquer tolerância: a mentira descarada associada, ou não à manipulação mentirosa e oportunista de factos, incluindo de disposições legais, ou seja, manipulando-as em seu benefício quando interessam, mas ignorando-as, ou até mesmo contrariando-as, quando se trata de impor a terceiros, custe o que custar, iniciativas legislativas ilegais. A outra situação, prende-se com a nossa tolerância perante a apologia do branqueamento de factos, quer por via da mentira, quer aproveitando-se da incompetência e do desconhecimento de terceiros (que pelas suas responsabilidades acrescidas deveriam ser mais competentes e estar mais informados), quer aproveitando-se de exemplos de lamentável memória curta que muitas vezes existem nalgumas sociedades, vulnerabilizando-as e, mais do que isso, vulgarizando-as.
Vem isto a propósito do episódio da não eleição do vice-presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, proposto pelo PS – eu já tive oportunidade de referir, e volto a sublinhar, que acho inadmissível que os deputados sejam obrigados a votar contra a sua vontade e contra a sua liberdade de decisão e consciência – e que deu origem a manifestações de protesto por parte dos socialistas, tudo por causa de uma norma estatutária não cumprida. Como acho que as coisas não podem, não devem, ficar sem o devido esclarecimento, vamos a factos:
Segundo a Lei nº 130/99, de 21 de Agosto (“Primeira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira”), no seu artigo 49º (Competência interna da Assembleia), compete de facto à Assembleia Legislativa Regional, entre outras matérias:
(...)
c) Eleger, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, o seu Presidente e demais membros da Mesa; d) Eleger os três Vice-Presidentes, dois sob proposta do maior grupo parlamentar e um sob proposta do segundo maior grupo parlamentar, em listas separadas”.
Mas o problema essencial, e que não pode ser escamoteado, é que se as normas estatutárias são tão importantes para o PS – tudo por causa da eleição do seu vice-presidente – é preciso lembrar que o Estatuto Político da Madeira tem outras normas que deveriam ser, e não são, também importantes para os socialistas e por eles respeitadas, antes de exigirem ao PSD que respeite uma disposição só porque isso interessa ao partido socialista. Vamos a factos:
O artigo 118º (“Transferências orçamentais”) do referido Estatuto, sublinha que em “cumprimento do princípio da solidariedade consagrado na Constituição, neste Estatuto e na lei, o Orçamento do Estado de cada ano incluirá verbas a transferir para a Região Autónoma da Madeira, nos termos estabelecidos na Lei de Finanças das Regiões Autónomas ou de outra mais favorável que vier a ser aprovada”. O mais importante é que no seu nº 2, o referido artigo – leia-se uma norma estatutária de os socialistas deveriam respeitar tal, como exigem ao PSD que respeite a disposição relativa à eleição do vice-presidente proposto pelo maior partido da oposição... – diz concretamente:
“2 - Em caso algum, as verbas a transferir pelo Estado podem ser inferiores ao montante transferido pelo Orçamento do ano anterior multiplicado pela taxa de crescimento da despesa pública corrente no Orçamento do ano respectivo”.
Outra disposição estatutária, o Artigo 119.º (“Fundo de Coesão para as Regiões Ultraperiféricas”), também diz que “tendo em conta o preceituado na Constituição e com vista a assegurar a convergência económica com o restante território nacional a Região Autónoma da Madeira tem acesso ao Fundo de Coesão para as Regiões Ultraperiféricas previsto na lei, destinado a apoiar, exclusivamente, programas e projectos de investimento constantes dos Planos Anuais de Investimento das Regiões Autónomas” e que, “além das transferências previstas no artigo anterior, serão transferidas para o orçamento regional para financiar os programas e projectos de investimento que preencham os requisitos do número anterior as verbas do Orçamento do Estado que o Fundo de Coesão para as Regiões Autónomas disporá em cada ano”.
Ora o que é que se passou? A lei de finanças regionais representou, mais do que uma iniciativa legislativa comprovadamente assente em motivações políticas e em propósitos eleitoralistas (que visavam 2008 mas que foram surpreendidos pela antecipação da agenda eleitoral regional), um atentado contra uma disposição estatutária que não pode ser lavada, de um momento para outro, só porque um partido precisa de defender o indefensável. Também agora é tarde demais, porque os propósitos políticos e eleitorais para 2008 ficaram, pelo menos até ver (e vamos ver na altura própria...) para 2011. Porque se nada for alterado, em 2011 alguém terá que pagar pelo que for feito à Região e ao seu Povo até lá, e disso não duvidem. Mais uma vez assim será.
Quanto à Constituição, existe também uma norma (!) que pelos vistos vale o que vale – ou não fosse a Madeira a estar em foco... – que diz, no seu artigo 231º, nº 7, que “o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos”. Pois b m, todos se recordam do que se passou na Assembleia da República recentemente – repare-se que uma coisa é a metodologia adoptada, claramente inconstitucional, outra cosia são as incompatibilidades em si mesmas que naturalmente devem ser objecto de debate político adequado. Portanto, e basicamente é isso que eu pretendo destacar, não se pode utilizar argumentos pró-cumprimento de disposições constitucionais e/ou estatutárias, quando nos interessam num determinado momento e, depois, pura e simplesmente, opta-se por espezinhar e fazer o contrário de tudo o que normas constitucionais e/ou estatutárias determinam, só porque nos interessa que assim seja. Neste quadro, qual a moral para exigir ao PSD o cumprimento de disposições estatutárias no caso da eleição do vice-presidente da mesa da Assembleia Legislativa?
Luís Filipe Malheiro

Jornal da Madeira, 12 de Junho 2007

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