Artigo: VENEZUELA I
Eu acho que a questão Venezuela não pode ser vista, nem de uma forma folclórica, nem com fase numa emotividade cerceadora da nossa própria liberdade de olhar, ver, ouvir, reflectir e concluir, nem tão pouco de uma forma irracional, procurando esconder factos que conduziram a esta situação, mas antes de uma forma séria, aberta, verdadeira e se necessário for desassombrada.
E desde já começou por sublinhar que a comunidade madeirense radicada na Venezuela tem responsabilidades na surpresa que hoje patenteia. Responsabilidades que decorrem do facto de, salvo raras excepções, se ter colocado à margem da própria vida social, económica e política venezuelana, numa auto-marginalização que teria inevitavelmente custos, comportamento que nada tem a ver com os centros sociais os quais, sendo importantes na confraternização e insubstituíveis agentes culturais e factores de manutenção das raízes das comunidades às suas terras. Mas não representam, nem de perto nem de longe, a realidade do país “lá fora”, não conseguiram mobilizar a participação das segundas e gerações seguintes e, pior do que isso, vivem (ou viviam quando lá fui diversas vezes) completamente de costas quase voltadas para a realidade política exterior. Eu hoje olho para muitos jovens venezuelanos, filhos de emigrantes portugueses, que se encontram na Madeira por opção familiar – muitos deles frequentando a Universidade da Madeira – e constado um sentimento de frustração, de falta de inserção, é minha convicção que eles sofrem para dentro, sofrem a saudade do seu país, da sua vida, da sua sociedade, dos seus amigos, dos seus problemas e facilidades, etc. No fundo, sofrem a saudade de um quotidiano que nada tem a ver com a ilha onde hoje vivem. Eu percebo a sua auto-marginalização, já que são eles que se colocam deliberadamente à margem de tudo o que os rodeia, funcionando como se de um pequeno núcleo se tratasse, indiferentes a tudo o que se passa fora do seu pequeno círculo de amizades e contactos, provavelmente por dificuldades de integração plena. E isso constitui, sem dúvida um desafio para muitas famílias que continuam a debater-se entre o desejo do regresso e a precaução resultante do temor de uma decisão dessa natureza.
Chávez é apontado hoje como a besta, um comunista. Porventura outros dirão que se trata da personificação daquilo que poderá indiciar ser uma nova vaga de dirigentes latino-americanos que vivendo obcecados com um anti-americanismo quase primário, mas que serve para tudo, bebem no marxismo cubano e nas correntes revolucionárias da América Latina, muita base ideológica do seu discurso e prática política. Chávez é, de facto, um ditador, porventura porque não estava preparado (?) para assumir o poder. Ao longo de todos estes anos colou-se demasiado a Fidel Castro, claramente o seu mentor político, facto que aumentou as dúvidas e os receios das pessoas sobre as suas reais intenções para a Venezuela. Mas num país cheio de contradições, com graves assimetrias sociais e económicas, onde nem uma classe média existe, onde os pobres estava cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos e com o dinheiro no estrangeiro, era inevitável que um líder populista e com um discurso fácil, perceptível por todos, virado para as massas e de combate ao grande capital e às suas patifarias, facilmente recolheria rapidamente o apoio popular que constituiria uma base social de apoio, sustentação decisiva para as sucessivas vitórias eleitorais.
Mas antes de Chávez o que era a Venezuela? Um país rico, porventura dos mais ricos do mundo, que propiciou muito bem-estar e muita riqueza a muitos madeirenses (mas que esconde muita miséria e muita frustração de conterrâneos nossos, que ali não tiveram sorte e que hoje se confrontam com o terrível dilema de não quererem regressar para não serem acusados de falhanço na sua aventura emigratória venezuelana), mas que era também, um dos países mais corruptos do mundo. Eu lembro-me, por exemplo, que das primeiras vezes que estive na Venezuela, o tema principal na comunicação social tinha a ver com o caso do barco “Sierra Nevada”, um barco frigorífico que nunca existiu, que se terá afundado a caminho de Caracas, mas que serviu na realidade de pretexto para a gatunagem no poder, então sob a batuta de Carlos Andrés Pérez, encher os bolsos e a pança com muitos milhões de dólares. Que eu saiba, nessa altura, ninguém entre a comunidade portuguesa se levantou contra esta sem vergonhice...
E não estamos a falar de um capricho qualquer. Estamos a falar de um acontecimento, que teve lugar ainda no primeiro governo de Pérez. Mas apesar de tudo isso, o ex-Presidente recandidatou-se e obteve 52,9% dos votos contra 40% do seu opositor na corrida presidencial, Eduardo Fernandez do COPEI.
Os males da Venezuela não são de hoje, nem sequer começaram com Chávez. O que se pode ter passado, e admito que se tenha passado, é que a comunidade portuguesa – a exemplo de outras comunidades radicadas no país, mas cujos níveis de integração, social, económica e política é substancialmente superior, caso dos italianos – pressionada pelos acontecimentos e pelo modelo económico e social de Chávez, claramente à esquerda, tenha sido surpreendida e conheça alguma dificuldade de reacção e de adaptação. É certo que a insegurança é grande, mas no passado também não era exemplar. É certo que o desemprego tem vindo a aumentar, mas no passado eu lembro-me que os madeirenses se queixavam da emigração ilegal dos países vizinhos que por falta de trabalho se dedicava à criminalidade. É certo que existe muita corrupção, mas não creio que a Venezuela se possa orgulhar, no que a essa matéria diz respeito, do seu passado. E finalmente, caso a memória dos portugueses não seja curta, certamente que eles se lembrarão que na madrugada do longínquo 4 de Fevereiro de 1992 ocorreu uma tentativa fracassa de golpe de Estado comandada por vários oficiais médios das Forças Armadas, entre os quais se encontrava já um tal tenente Hugo Chávez, grupo este que já então denunciava a "deterioração da situação social e o aumento da corrupção administrativa”. Voltarei a este tema.
Luís Filipe Malheiro
E desde já começou por sublinhar que a comunidade madeirense radicada na Venezuela tem responsabilidades na surpresa que hoje patenteia. Responsabilidades que decorrem do facto de, salvo raras excepções, se ter colocado à margem da própria vida social, económica e política venezuelana, numa auto-marginalização que teria inevitavelmente custos, comportamento que nada tem a ver com os centros sociais os quais, sendo importantes na confraternização e insubstituíveis agentes culturais e factores de manutenção das raízes das comunidades às suas terras. Mas não representam, nem de perto nem de longe, a realidade do país “lá fora”, não conseguiram mobilizar a participação das segundas e gerações seguintes e, pior do que isso, vivem (ou viviam quando lá fui diversas vezes) completamente de costas quase voltadas para a realidade política exterior. Eu hoje olho para muitos jovens venezuelanos, filhos de emigrantes portugueses, que se encontram na Madeira por opção familiar – muitos deles frequentando a Universidade da Madeira – e constado um sentimento de frustração, de falta de inserção, é minha convicção que eles sofrem para dentro, sofrem a saudade do seu país, da sua vida, da sua sociedade, dos seus amigos, dos seus problemas e facilidades, etc. No fundo, sofrem a saudade de um quotidiano que nada tem a ver com a ilha onde hoje vivem. Eu percebo a sua auto-marginalização, já que são eles que se colocam deliberadamente à margem de tudo o que os rodeia, funcionando como se de um pequeno núcleo se tratasse, indiferentes a tudo o que se passa fora do seu pequeno círculo de amizades e contactos, provavelmente por dificuldades de integração plena. E isso constitui, sem dúvida um desafio para muitas famílias que continuam a debater-se entre o desejo do regresso e a precaução resultante do temor de uma decisão dessa natureza.
Chávez é apontado hoje como a besta, um comunista. Porventura outros dirão que se trata da personificação daquilo que poderá indiciar ser uma nova vaga de dirigentes latino-americanos que vivendo obcecados com um anti-americanismo quase primário, mas que serve para tudo, bebem no marxismo cubano e nas correntes revolucionárias da América Latina, muita base ideológica do seu discurso e prática política. Chávez é, de facto, um ditador, porventura porque não estava preparado (?) para assumir o poder. Ao longo de todos estes anos colou-se demasiado a Fidel Castro, claramente o seu mentor político, facto que aumentou as dúvidas e os receios das pessoas sobre as suas reais intenções para a Venezuela. Mas num país cheio de contradições, com graves assimetrias sociais e económicas, onde nem uma classe média existe, onde os pobres estava cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos e com o dinheiro no estrangeiro, era inevitável que um líder populista e com um discurso fácil, perceptível por todos, virado para as massas e de combate ao grande capital e às suas patifarias, facilmente recolheria rapidamente o apoio popular que constituiria uma base social de apoio, sustentação decisiva para as sucessivas vitórias eleitorais.
Mas antes de Chávez o que era a Venezuela? Um país rico, porventura dos mais ricos do mundo, que propiciou muito bem-estar e muita riqueza a muitos madeirenses (mas que esconde muita miséria e muita frustração de conterrâneos nossos, que ali não tiveram sorte e que hoje se confrontam com o terrível dilema de não quererem regressar para não serem acusados de falhanço na sua aventura emigratória venezuelana), mas que era também, um dos países mais corruptos do mundo. Eu lembro-me, por exemplo, que das primeiras vezes que estive na Venezuela, o tema principal na comunicação social tinha a ver com o caso do barco “Sierra Nevada”, um barco frigorífico que nunca existiu, que se terá afundado a caminho de Caracas, mas que serviu na realidade de pretexto para a gatunagem no poder, então sob a batuta de Carlos Andrés Pérez, encher os bolsos e a pança com muitos milhões de dólares. Que eu saiba, nessa altura, ninguém entre a comunidade portuguesa se levantou contra esta sem vergonhice...
E não estamos a falar de um capricho qualquer. Estamos a falar de um acontecimento, que teve lugar ainda no primeiro governo de Pérez. Mas apesar de tudo isso, o ex-Presidente recandidatou-se e obteve 52,9% dos votos contra 40% do seu opositor na corrida presidencial, Eduardo Fernandez do COPEI.
Os males da Venezuela não são de hoje, nem sequer começaram com Chávez. O que se pode ter passado, e admito que se tenha passado, é que a comunidade portuguesa – a exemplo de outras comunidades radicadas no país, mas cujos níveis de integração, social, económica e política é substancialmente superior, caso dos italianos – pressionada pelos acontecimentos e pelo modelo económico e social de Chávez, claramente à esquerda, tenha sido surpreendida e conheça alguma dificuldade de reacção e de adaptação. É certo que a insegurança é grande, mas no passado também não era exemplar. É certo que o desemprego tem vindo a aumentar, mas no passado eu lembro-me que os madeirenses se queixavam da emigração ilegal dos países vizinhos que por falta de trabalho se dedicava à criminalidade. É certo que existe muita corrupção, mas não creio que a Venezuela se possa orgulhar, no que a essa matéria diz respeito, do seu passado. E finalmente, caso a memória dos portugueses não seja curta, certamente que eles se lembrarão que na madrugada do longínquo 4 de Fevereiro de 1992 ocorreu uma tentativa fracassa de golpe de Estado comandada por vários oficiais médios das Forças Armadas, entre os quais se encontrava já um tal tenente Hugo Chávez, grupo este que já então denunciava a "deterioração da situação social e o aumento da corrupção administrativa”. Voltarei a este tema.
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 08 de Junho 2007
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