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segunda-feira, 4 de junho de 2007

Artigo: Sindicalismos

É mais do que evidente que a greve “geral” foi tudo menos uma greve geral, de facto. Falharam os propósitos da Intersindical, falhou a estratégia política do PCP. Mas o facto da greve não ter atingido a dimensão esperada – será que alguma vez houve alguma greve geral, em Portugal? – isso não significa que os trabalhadores portugueses estejam satisfeitos, pelo contrário, que não tenham motivos, mais do que suficientes, e crescentes, para protestarem, etc. O problema é que sendo má a situação dos trabalhadores, vivendo as famílias dificuldades financeiras resultantes do aumento do custo de vida em contraste com o poder de compra mantido sempre a níveis controlados indirectamente pelo poder político, não faz sentido, seria mesmo algo masoquista, que se envolvessem numa greve perdendo o dia de trabalho, conscientes que a maioria parlamentar que o governo possui na Assembleia da República constitui motivo mais do que suficiente para que tudo continue na mesma. Mas há mais.
O fracasso desta greve questiona a estratégia da Intersindical, o falhanço da sua estratégia de colagem ao PCP. Se os comunistas querem protestar nas ruas que o façam no plano político e partidário, deixando de insistir na manipulação de organizações sindicais que desde 1974 nunca conseguiram deslocar minimamente dessa perspectiva de controlo remoto consentido. Por outro lado, não deixa de ser sintomático que a UGT, central sindical ligada ao PS e que teve a sua origem fundacional no apoio dos socialistas e na necessidade que estes tiveram, em parte com a conivência de alguns sectores próximos ou ligados ao PSD, em despoletarem, um movimento sindical capaz de se opor ao exclusivo sindical da Intersindical e do PCP. Penso também, perante tudo isto, que começa a chegar o momento para que um novo modelo sindical comece aos poucos a impor-se, capaz de cativar os trabalhadores de uma forma diferente, argumentando com uma lógica e uma consistência que neste momento não acontece. Acho que se é impossível dissociar a Intersindical do PCP, também a credibilidade da UGT, claramente conotada com o poder socialista e pouco interessada em afrontá-lo no terreno, Por fim acho patético que dirigentes sindicais – normalmente caras que vemos todos os dias associadas a actividades partidárias do PCP, do Bloco de Esquerda ou de outros partidos – aparecerem a vangloriar-se com alegados níveis de adesão em hospitais, nos transportes, nas escolas, ignorando que tudo isso causa irritação junto das pessoas, face aos níveis fracos de adesão registados. Aliás, não me interessa nada discutir níveis de adesão a greves porque isso é uma palhaçada e o exemplo supremo da manipulação, quer dos sindicatos que não aceitam o fracasso, quer do poder governamental, seja ele qual for, que insiste em ser ele o “coveiro” dos movimentos sindicais grevistas, apresentando percentagens de adesão que chegam a roçar o ridículo.
Os portugueses não aderiram à greve “geral” não porque não lhes apetecesse, não porque não tivessem motivos para protestarem, não porque não tenham razões para temerem sobre o futuro, não porque o desemprego não esteja a aumentar, não porque a realidade económica e empresarial nacional continue marcada por dificuldades, mas porque não existe motivação, não há mobilização, porventura não há uma consciencialização cívica de manifestação em liberdade. As pessoas não aderiram à greve “geral” porque ganham mal, porque estão endividadas, porque não têm dinheiro suficiente para prescindirem de receber o salário de um dia de trabalho, porque têm um modelo de vida e familiar quotidiano que as coloca reféns do funcionamento de instituições escolares, sociais, políticas, etc.
E é aqui que reside o erro do sindicalismo pró-PCP, o de que pensar que as mentalidades hoje continuam a ser as mesmas de 1974, que a realidade económica e social portuguesa dos nossos tempos é semelhante à dos anos setenta ou oitenta. Há uma certa paragem no tempo que influencia a estratégia, mas que não impede estes fracassos que, podendo ser desmotivantes – e são – não escondem a realidade que está subjacente a tudo isto, as razões de queixa, crescentes e cada vez mãos consistentes, dos trabalhadores portugueses. Mas este fenómeno não é de hoje, nem é um exclusivo desta greve “geral” só porque o PS está no poder. Nada disso. É uma realidade constatável ao longo dos anos, sobretudo desde meados dos anos oitenta, com todos os governos que desde lá passaram pelo poder em Lisboa.
Eu não questiono a sinceridade dos sindicalistas, mesmo os que são mais dirigentes partidários que sindicas, a sua disponibilidade ou o seu empenho ou coerência na defesa dos trabalhadores e dos seus interesses. Sem eles (sindicalistas) ligados a que partido, já que também os há no PS e até no PSD. Nada disso. O que eu penso é que uma certa promiscuidade entre o exercício do sindicalismo e o exercício da política não abona em nada a favor da credibilidade do movimento sindical e da sua capacidade de motivação e de mobilização das pessoas, sobretudo das muitas que não se revêem nas ideias políticas ou opções partidárias activas defendidas por esses sindicalistas. A continuar tudo na mesma, isso significa que todas as greves “gerais” serão um fracasso. Tenham ou não os dirigentes sindicais a coragem e a ética de reconhecerem a sua responsabilidade, mais indirecta que directa, nessa situação.

Luís Filipe Malheiro

Jornal da Madeira, 01 de Junho 2007

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