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terça-feira, 19 de junho de 2007

Um alerta: Evitar as guerras da água do século XXI

Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) publicou recentemente dados alarmantes sobre as consequências do aquecimento global em algumas das regiões mais pobres do planeta. Em 2010, mil a três mil milhões de pessoas em todo o mundo vão sofrer de falta de água. O aquecimento global vai aumentar a evaporação e reduzir de forma severa a precipitação - podendo essa redução atingir 20 por cento no Médio Oriente e Norte de África. A água disponível por pessoa nessas regiões em meados do século será metade da quantidade actual. A súbita escassez de um elemento cuja importância simbólica e espiritual é tão elevada como a sua necessidade para a vida humana vai aumentar tensões e exacerbar os conflitos em todo o mundo. África, o Médio Oriente e a Ásia Central vão ser os primeiros a sofrer esta situação, mas as suas repercussões serão globais.
Este quadro negro não é nem uma desculpa para a apatia nem uma razão para o pessimismo. Os conflitos podem ser inevitáveis, mas as guerras não são. A nossa habilidade para prevenir "guerras de água" depende da nossa capacidade colectiva para antecipar tensões e para encontrar as soluções técnicas e institucionais que nos permitam gerir os conflitos emergentes. As boas notícias são que essas soluções existem e provam todos os dias a sua eficácia. As barragens - desde que bem dimensionadas e desenhadas - podem contribuir para o desenvolvimento humano, combatendo as alterações climáticas e regulando o aprovisionamento de água. Num contexto de escassez, deve ter-se em conta que infra-estruturas construídas a montante de rios internacionais podem ter impactos na qualidade da água ou na sua disponibilidade para países vizinhos, dando origem a tensões. Organizações de países que partilham bacias hidrográficas como as que foram criadas para os rios Nilo, Níger e Senegal ajudam a facilitar o diálogo entre os Estados envolvidos. Estas iniciativas de cooperação regional permitem desenvolver uma visão conjunta do desenvolvimento das vias fluviais internacionais e dão origem a um sentimento de propriedade comum do recurso, reduzindo desta forma o risco de que disputas pela água sejam origem de violência. A maior parte das vias fluviais internacionais possui estas instâncias de diálogo, ainda que em diferentes estádios de desenvolvimento e níveis de concretização. Se vamos levar a sério as alterações climáticas, a comunidade internacional deveria reforçar estas iniciativas. Onde elas não existem, devem ser criadas em parceria com todos os países envolvidos. As ajudas oficiais ao desenvolvimento podem criar incentivos à cooperação financiando a recolha de dados, fornecendo know-how técnico ou condicionando empréstimos à realização de negociações construtivas. Os conflitos internacionais em torno da água são apenas uma face da moeda. As mais violentas guerras de água têm lugar hoje em dia no seio de Estados e não entre Estados. A falta de água dá origem a fricções étnicas, pois as comunidades receiam pela sua sobrevivência e tentam garantir a posse do recurso. Em Darfur, a seca recorrente envenenou as relações entre camponeses e pastores nómadas e a guerra a que assistimos hoje impotentes segue-se a anos de escalada no conflito. O Chade arrisca-se a cair no mesmo ciclo de violência.
É por tudo isto que é urgente satisfazer as necessidades mais básicas das populações através de iniciativas locais de desenvolvimento. Projectos hidráulicos rurais, que garantem o acesso à água a populações de grandes extensões de terra, podem ser eficazes ferramentas de prevenção de conflitos. Corredores de pastagem seguros estão a ser estabelecidos com a ajuda de satélites para orientar os nómadas e os seus rebanhos. Estas iniciativas proporcionam raras oportunidades de diálogo e colaboração entre comunidades rivais. A chave é agir por antecipação, antes de as tensões escalarem até ao ponto de não-retorno. O consumo de água é outro problema que tem de ser encarado. A agricultura representa mais de 70 por cento do uso de água no mundo. A investigação agronómica e as inovações técnicas são cruciais para maximizar a eficiência do uso da água neste sector e devem ser prosseguidas, mas o problema da escassez da água obriga-nos também a rever as nossas práticas agrícolas e as políticas mundiais para garantir a sua sustentabilidade. O desafio do desenvolvimento já não consiste apenas em levar água para uso agrícola a áreas desfavorecidas. Como o dramático encolhimento do mar Aral, do lago Chade e do mar Morto documentam, é necessário preservar os recursos naturais escassos e assegurar a sua distribuição equitativa entre as várias necessidades. O uso responsável exige incentivos económicos adequados. Na África Ocidental ou no Médio Oriente, na Ásia Central ou na Índia, isto pode contribuir para reduzir os conflitos em torno da água. Dada a escala sem precedentes da ameaça, o cenário "business as usual" não é uma opção. A Guerra Fria chegou ao fim graças ao realismo, à visão e à força de vontade. Estas três qualidades têm de ser postas ao serviço do planeta, se querermos evitar grandes guerras de água. Este desafio global exige também inovação na governança global, razão por que apoiamos a criação de uma agência das Nações Unidas para o Ambiente, dotada com os meios legais e financeiros necessários para enfrentar os problemas com que deparamos.
A Humanidade deve começar a resolver o dilema da água. Esperar não faz parte da solução(fonte: Mikhail Gorbachev - último presidente da União Soviética e presidente da Fundação Gorbachev de Moscovo e presidente do Conselho de Administração da Cruz Verde Internacional – e Jean-Michel Severino - antigo vice-presidente do Banco Mundial e CEO da Agência Francesa para o Desenvolvimento, Project Syndicate, 2007, in Público)

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