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Opinião e coisas do nosso mundo...

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Artigo: Discursos…

Assisti a uma tentativa, que me pareceu mais do que evidente, de esvaziar o discurso de João Jardim, proferido no Chão da Lagoa, por alegadamente ter sido repetitivo e não trazer novidades, numa expressão, por ter sido mais do mesmo. Isto faz-me lembrar as campanhas eleitorais: ao fim de dois ou três dias, que novidades podem os candidatos levar às pessoas nos seus discursos? A comunicação social, que faz a cobertura diária dos comícios de campanha, naturalmente que acaba por ouvir hoje o que já ouviu ontem. Não há, neste caso, novidades nos discursos políticos, embora eles devam ser repetitivos, dado que os comícios não se realizam sempre no mesmo local e para o mesmo público (audiência). Os discursos têm sempre uma estrutura principal que é essencial, que não se altera em função dos factos, ou seja lá do que for. O que pode acontecer são dados novos, que podem ser, ou não, aproveitados pelo orador. Mas no essencial, o discurso político tem que ser coerente, tem que se manter na sua estrutura e conteúdo. Reordo, a propósito, Jean-Jacques Rousseau (“Os Devaneios do Caminhante Solitário”): “Julgar os discursos dos homens através dos efeitos que produzem equivale frequentemente a apreciá-los mal. Tais efeitos, para além de nem sempre serem sensíveis e fáceis de conhecer, variam infinitamente, tal como as circunstâncias em que esses discursos são proferidos. A intenção daquele que os profere, porém, é a única que permite apreciá-los e que determina o seu grau de malícia ou de bondade. Proferir afirmações falsas só é mentir quando existe intenção de enganar, e mesmo essa intenção, longe de se aliar sempre à de prejudicar, tem por vezes um objectivo oposto. Todavia, para tornar inocente uma mentira, não basta que a intenção de prejudicar não seja expressa, é necessário também ter a certeza de que o erro em que se induz aqueles a quem se fala não poderá prejudicá-los a eles nem a ninguém, seja de que maneira for. É raro e difícil ter-se essa certeza e, por isso, é difícil e raro que uma mentira seja perfeitamente inocente”.Ora no Chão da Lagoa Alberto João Jardim não podia trazer novidades em relação ao que disse nas semanas anteriores. Porque simplesmente elas não existem. Há uma situação que se mantém há pelo menos dois anos, e que é conhecida da opinião pública madeirense, ou seja, persiste uma atitude de falta de vontade política para que essas divergências e diferenças naturais sejam superadas e o diálogo institucional, ao menos esse, seja retomado. Por isso, não existem, nem podiam existir, novidades, nem o discurso de Jardim poderia deixar de ser o tal “mais do mesmo”. Como é admissível e possível — aliás Marques Mendes referiu-se, e bem, a isso — que o primeiro-ministro não tenha encontrado ainda tempo para se reunir com Alberto João Jardim? Admito que não estejam ainda reunidas, neste momento, as condições adequadas para que isso aconteça, mas alguém terá que intervir, discretamente, para que os primeiros passos sejam dados por todas as partes interessadas. Isto não se trata de demagogia, trata-se tão-somente de ser realista. Os discursos políticos, do Chão da Lagoa ou de qualquer outra festa política, valem o que valem, na medida em que acabam por desvanecer-se nos dias seguintes, à medida que novos factos, notícias ou acontecimentos acontecem. Continuo a pensar, mas admito que as pessoas pensem de forma diferente, que há uma tremenda confusão entre o político José Sócrates do PS na sua disputa com o político Alberto João Jardim do PSD, que até podem nem se falar, que se encontram num patamar que não pode ser confundido com outro, situado num plano superior, o que envolve o primeiro-ministro José Sócrates e o Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, e a obrigação que ambos têm em construir um efectivo relacionamento institucional entre os dois executivos que lideram, ambos com o apoio de maiorias parlamentares absolutas, relacionamento esse que não pode ser manipulado ou condicionado por factores exógenos que nada têm a ver com esta questão. O que tem havido até hoje, e não vou sequer discutir responsabilidades ou causas, é que tem havido uma sobreposição destes dois patamares que não pode continuar mais. Por isso, por assim dizer, a novidade em termos de intervenções políticas no Chão da Lagoa, ficou reservada a Marques Mendes, levando assim o interesse na festa para um plano nacional, já que ali estava a discursar o líder do maior partido da oposição, ainda por cima envolvido numa disputa interna pela liderança e que em 2009 pretende disputar o poder aos socialistas e destronar José Sócrates.Marques Mendes — que eu desconfio nunca ter estado a falar, na sua vida política, para uma plateia com aquela dimensão — certamente que regressou a Lisboa satisfeito pela reafirmação da solidariedade que João Jardim lhe propiciou, tudo por causa do comportamento do líder nacional do PSD na polémica em torno da lei de finanças regionais. Independentemente de tudo o que antes se tenha passado, é um facto inegável que Mendes esteve sempre ao lado de Jardim na sua “guerra” com o governo socialista de Lisboa por causa dos critérios de transferência de verbas para as regiões, ao abrigo daquela lei. Não me parece que Marques Mendes tenha vindo mendigar votos internos na sua corrida para a liderança do PSD, porque não precisava. Depois da posição pessoal assumida por Alberto João Jardim de apoio ao antigo ministro de Cavaco Silva — porque o PSD da Madeira, enquanto tal, não deverá tomar qualquer posição sobre as candidaturas à liderança nacional — a esmagadora maioria dos militantes regionais, votantes, colocar-se-á ao lado de Mendes.
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 01 de Agosto 2007

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