Artigo: Crónica

Hoje, tudo mudou. Penso que não há funcionário da pastelaria ou taxista, que ousem ter qualquer palavra simpática para a Madeira, sob pena de ainda levarem um arraial de porrada pela vizinhança. O discurso começa a dar frutos. Aos poucos foram-lhes transmitindo a ideia de que éramos uma cambada de “chulos” do orçamento, que vivemos à custa de Lisboa, que não pagamos impostos, que queríamos instalar uma tubagem directa entre a Quinta Vigia e o Ministério das Finanças no Terreiro do Paço para sacarmos os euros todos. Ainda há dias, em plena Rua Augusta, dois velhotes, claramente turistas nacionais em visita à “capital imperial”, comentavam que o Alberto tinha que saber quem manda. Imagine-se. Um dos membros dessa tertúlia ainda acrescentou “ele mas também o outro dos Açores”, ao que foi imediatamente aceite pelo interlocutor, perante a concordância dos demais. A um outro nível, superior, havia (há) a convicção de que Alberto João Jardim vai “dar a volta”. Quando, ninguém arrisca. Mas, dizem eles, será tudo uma questão de tempo. Na generalidade dos casos não se nota nenhuma aversão. Há sim uma tremenda expectativa, um interesse pouco habitual em perceber o que se passa, o que se vai passar, os motivos de tudo o que se tem passado. Mas ninguém abdica da ideia que a dupla Sócrates-Teixeira “vendeu” com sucesso: a Madeira tem o direito de querer mais, de desenvolver-se, mas não pode fazê-lo à custa das regiões mais pobres e que precisam de ser apoiadas. Trata-se, podemos dizer, de um “egoísmo institucional”, desenvolvido pelo governo socialista para justificar as decisões tomadas contra a Madeira e contra Alberto João Jardim, em matéria de lei de finanças regionais e de transferências para as Regiões insulares.
Eu não tenho a veleidade — aliás nunca alinhei nessa treta dos taxistas — de querer saber o que pensam os lisboetas da Madeira. Se querem saber, pouco me importa. Estou-me rigorosamente nas tintas, porque sei como o povo tem a memória curta, vagueando em função de interesses, de egoísmos, de propagandas, etc. Mas apercebo-me, pela frequência com que lá ando e pelos hábitos aos poucos se vão adquirindo ou pelos contactos que se vão estabelecendo na área de residência, que existe em Lisboa uma crescente atitude de contestação ao governo socialista de Sócrates, em grande medida por causa das medidas tomadas, mas que não representa rigorosamente nada qualquer aumento da solidariedade para com a Madeira ou de apoio às reivindicações dos madeirenses. Pelo contrário.
Eu acho que a Madeira tem que saber separar, em Lisboa, junto da opinião pública continental, duas vertentes distintas mas que parecem confundir-se. Pelo menos é essa a ideia que tenho retido. Uma coisa são as relações político-partidárias entre os dois partidos — PSD e PS — com responsabilidades governativas na Região e no Estado, as quais até podem não existir oficialmente. Outra coisa são as relações institucionais entre a Região e o Estado, entre os respectivos órgãos executivos ou legislativos, as quais não podem ser desenvolvidas ou contidas em função de arrufos ou de questões meramente partidárias. Creio, sem exagero, que reside aqui a principal confusão de tudo isto. Há quanto tempo um primeiro-ministro não visita oficialmente a Madeira? Há quanto tempo um ministro, enquanto tal, e não como dirigente de partido, não visita a Região?
Luís Filipe Malheiro
11 de Janeiro de 2007
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