Artigo: Diferente
No passado fim-de-semana, quando regressou de mais uma reunião do Comité das Regiões, Alberto João Jardim prestou declarações no Funchal, aos jornalistas. Num determinado momento, pouco antes de ter entrado no seu carro oficial — e foi através da RTP da Madeira que ouvi, já que não li nada disso em mais nenhum outro local — Alberto João Jardim fez uma declaração que longe de constituir qualquer enigma, deve antes ser encarada como um motivo de reflexão e, mais do que isso, deveria transformar-se uma bandeira para o PSD da Madeira e para o próprio Presidente do partido: depois de 6 de Maio, depois da vitória eleitoral dos social-democratas, como acredito que vai acontecer, por ser essa a vontade livre e democraticamente expressa pelos madeirenses, "nada será como antes". Eu penso que é isso que os Madeirenses querem e esperam porque ficámos com a sensação, que admito possa ser incorrecta, de que, mesmo antes da decisão política da demissão, se estava aos poucos a mergulhar numa certa estagnação, passiva e contemplativa, onde mais parecia que a preocupação essencial tinha a ver com a gestão corrente, com o dia-a-dia, deixando que o calendário e o tempo passasse. Ora não são as eleições regionais que vão resolver os nossos problemas, nem ultrapassar as dificuldades. Creio que, mesmo depois de 6 de Maio, uns e outras vão continuar, pelo menos até que certas situações comecem a ter efeitos… O que ocorre é que passa a haver uma acrescida legitimação política para pressionar, para negociar, para reivindicar, para apelar à intervenção de quem de direito, sobretudo quando os socialistas em Lisboa, perante a inevitável derrota eleitoral de 6 de Maio, decidirem vingar-se desse facto, tentando reforçar ainda mais o ódio que, de forma subtil, têm vindo a descarregar sobre os Madeirenses, como se prejudicassem apenas os eleitores do PSD ou o Governo Regional e não todos os residentes, independentemente de em quem votam, as empresas e as instituições. Eu nunca desisto de dizer — e direi as vezes que por preciso porque é por pensar assim que me encontro na política: os políticos são eleitos para fazerem política, não para serem "gestores" de quotidianos ou de situações administrativas. A inteligência, a competência e o saber dos políticos é depois revelado na forma como se rodeiam, nas competências que procuram para seus colaboradores mais directos. Mas são os políticos que de vem fazer política e não os tecnocratas, contra os quais nada tenho, como é evidente, mas que nunca tiveram envolvimento político ou partidário, ou porque não querem, ou porque não se sentem vocacionados, ou porque nem sequer opção definida têm, o que faz com que colaborem seja com quem for. Tendo sempre presente, como refere Antero de Quental (Prosas da Época de Coimbra) que “um dos piores sintomas de desorganização social, que num povo livre se pode manifestar, é a indiferença da parte dos governados para o que diz respeito aos homens e às coisas do governo, porque, num povo livre, esses homens e essas coisas são os símbolos da actividade, das energias, da vida social, são os depositários da vontade e da soberania nacional. Que um povo de escravos folgue indiferente ou durma o sono solto enquanto em cima se forjam as algemas servis, enquanto sobre o seu mesmo peito, como em bigorna insensível se bate a espada que lho há-de trespassar, é triste, mas compreende-se porque esse sono é o da abjecção e da ignomínia. Mas quando é livre esse povo, quando a paz lhe é ainda convalescença para as feridas ganhadas em defesa dessa liberdade, quando começa a ter consciência de si e da sua soberania… que então, como tomado de vertigem, desvie os olhos do norte que tanto lhe custara a avistar e deixe correr indiferente a sabor do vento e da onda o navio que tanto risco lhe dera a lançar do porto; para esse povo é como de morte este sintoma, porque é o olvido da ideia que há pouco ainda lhe custara tanto suor tinto com tanto sangue, porque é renegar da bandeira da sua fé, porque é uma nação apóstata da religião das nações — a liberdade!”. Mais do que tolerar o branqueamento de decisões e de comportamentos contra a Madeira, mais do que penalizar cumplicidades movidas por interesses corporativistas que se escondem sob a capa do discurso virulento contra o poder instituído, mais do que viabilizar objectivos de sobrevivência política e partidária, as eleições regionais de 6 de Maio devem servir de pretexto para afirmarmos a nossa indignação e darmos disso testemunho a Lisboa, penalizando nas urnas quem nos anda a querer sistematicamente prejudicar, movidos apenas por motivações partidárias e sentimentos de vingança política. Mas se o povo eleitor entender que são esses que têm razão, que o poder deve ser entregue a quem tem sido sistematicamente cúmplice de tudo o que vise prejudicar a Madeira, então tem a palavra e o poder de decisão nas mãos. Eu reconheço que, com mais de 90 mil abstencionistas, qualquer discurso de vitória esbarrará, sempre e, inevitavelmente, na pretensa “fragilidade” de um sistema político que não consegue mobilizar as pessoas. Essa é, deveria ser, mas pelos vistos não será, a principal tarefa dos partidos. E sabem porque motivo os partidos da oposição não querem mobilizar as pessoas? Porque temem que, quanto mais eleitores votarem, mais prejudicados eles possam ser.
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 03 de Abril de 2007
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