Artigo: Hipocrisia
I. Parece-me altamente recomendável que as pessoas, de uma vez por todas, metam, na cabeça que o eleitorado madeirense, não é burro, que não vota sem saber em quem, como e porque vota da maneira que o faz, que não exerce esse seu direito em função de pressões ou de manipulações e que se deixa enganar por inaugurações ou coisas do género. Eu costumo dizer, desvalorizando-as, que uma elevada percentagem do eleitorado madeirense, a maioria absoluta dos recenseados, já sabe como votar e, mais do que isso, já decidiu se não ou não vão votar. Sempre que me falam das inaugurações ou exigem a intervenção da Comissão Nacional de Eleições, recordo que as regionais de 2004 desmistificaram muita coisa que a CNE também deveria ter presente para perceber o que se passa na região: a Madeira assistiu naquele ano à maior onda de inaugurações do Governo Regional mas apesar disso, o PSD obteve a sua pior percentagem eleitoral de sempre em regionais (53%). O erro mais clamoroso relaciona-se com a incapacidade os partidos em mobilizarem o eleitorado. Em 2004, nas regionais de Outubro — situação que voltou a repetir-se em Fevereiro de 2005, nas legislativas nacionais — a Madeira registou mais de 90 mil abstencionistas, número que sinceramente, considero grave e preocupante. Neste contexto acho importante a posição assumida pela Comissão Nacional de Eleições, recentemente, a propósito do impacto das inaugurações presididas por Alberto João Jardim, na medida em que foi preciso, mais do que pragmatismo, coragem para reconhecer que essas inaugurações são actos que em nada ferem o acto eleitoral ou influenciam hoje as opções do eleitorado.
II. O Ministério da Justiça divulgou uma proposta de revisão do Mapa Judiciário que prevê a existência de cinco distritos judiciais e 40 tribunais de circunscrição, cujas sedes foram determinadas com base na «acessibilidade» e na «hierarquia judicial e administrativa». Estranhamente tardaram as reacções. O estudo propõe a criação de um novo distrito judicial — o do Algarve — mas curiosamente coloca na dependência do distrito judicial de Lisboa as circunscrições dos Açores (sede em Ponta Delgada), Lisboa, Loures, Madeira (sede no Funchal), Oeiras, Península de Setúbal (Setúbal) e Sintra. O estudo anuncia que em 34 circunscrições, as sedes correspondem ao município mais populoso desta esfera territorial, excepção feita a «seis circunscrições onde os municípios mais populosos são substituídos por um de acessibilidade mais elevada». Esta rede de equipamentos judiciários proposta no estudo, é constituída por cinco tribunais da relação e por 40 tribunais de circunscrição, com juízos de proximidade nas sedes de circunscrição e em mais 163 municípios. Foi também proposta ao Ministério da Justiça a implementação de juízos de família e menores e juízos de trabalho em 34 municípios, bem como juízos de execução (penhoras e cobrança de dívidas) em 32 municípios e juízos de comércio em quatro. Evidentemente que não tarda nada o PS de Serrão vai aparecer por aí numa frenética gritaria a jurar pelos “anjos da Rua do Surdo” que o culpado de tudo isto é João Jardim e o PSD e que a proposta relativa à Madeira até partiu de algum político da maioria social-democrata regional. Tudo o que sirva para branquear os socialistas e as suas patifarias, serve de bandeira eleitoral e de instrumento ao serviço do embuste e da decisão de enganar o eleitorado.
III. Já mete nojo. O Jornal da Madeira virou “parte” da campanha eleitoral. Tudo porque os socialistas o querem fechar, a bem, ou a mal. Se necessário o ridículo ministro Santos Silva faz uma lei, que diz ser aplicada ao todo nacional, mas não é capaz de dizer que outros motivos estão subjacentes a tal iniciativa, que não seja a situação do JM. Eu não concebo que se faça uma lei a proibir a circulação de cachorros nos corredores de São Bento, se de facto não houver quem faça desses locais uma espécie de “quintal” para a bicharada de estimação. Ou basta um ministro abordar com uma telha mais corrida ou o dedo grande do pé fora do cobertor e toca a fabricar leis, sem que ninguém possa saber as causas de todas essas taras?! Eu não sou capaz de analisar este assunto do “JM” sem um enquadramento, sem que seja explicado às pessoas as causas da situação hoje existente. Até admito que para o poder político porventura seria menos dispendioso e conflituoso, editar um jornal diferente, novo e distribuído gratuitamente por tudo o que seja canto da cidade. Acho que alguns começam a temer essa possibilidade. Mas rapidamente percebo que o objectivo é responsabilizar o JM pelo insucesso eleitoral previsível de outros partidos. Desvalorizado, ridicularizado, diminuído na sua importância e impacto o JM — o tal que nem “para embrulhar peixe serve”… — anda tão em moda, todos se preocupam com ele. Uns mais descaradamente, outros mais envergonhadamente mas ao serviço de causas partidárias e políticas conhecidas e indesmentíveis, mesmo que só por falta de vergonha não as assumam.
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 05 de Abril 2007
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