Artigo: Normalidades num país anormal…
Li há dias no jornal “Público” uma notícia perante a qual cheguei à conclusão de que já nem sinto vergonha deste país que somos. Muito menos da hipocrisia saloia de gente rafeira que por mero acidente de percurso, do qual o povo se arrependeu, chegou ao poder e dele se aproveita, abusivamente, para tentar impor uma nova e subtil forma de totalitarismo governativo disfarçado com as vestes esfarrapadas de pretensos "salvadores da Pátria": "Uma trapalhada. A primeira auditoria realizada pelo Tribunal de Contas aos gabinetes ministeriais e dos primeiros-ministros dos últimos três governos revela falta de transparência nos processos de admissão, total discricionaridade na tabela salarial e mesmo situações ilegais. O relatório final foi entregue ao primeiro-ministro e ao Presidente da República, com a indicação de que, dentro de seis meses, o Governo dê conta das recomendações e das medidas adoptadas. Entre as críticas apontadas, relativas a uma análise do período entre 2003 e 2005, está "a opacidade do teor e conteúdo de múltiplos despachos de recrutamento de pessoal dos gabinetes (…) e até da sua não publicação no Diário da República". Por outro lado, o TC constatou também que o número de colaboradores recrutados para apoio aos gabinetes, durante o triénio, "não obedeceu a quaisquer limites" e que a sua selecção "nem sempre" assentou em critérios "claros e objectivos". No mesmo sentido, lê-se no relatório, "observaram-se as mais díspares remunerações para funções idênticas". Como é que tudo isto é possível, existindo leis que regulam estas matérias? Com truques, responde o TC. Um dos exemplos mais citados é, por exemplo, a entrada para gabinetes, com o quadro já completo, de "especialistas", equiparados a adjuntos e secretários pessoais. Esta figura jurídica, de acordo com a lei, só deve ser usada para trabalhos, estudos ou missões de carácter eventual e extraordinário, mas quase todos os ministros e secretários de Estado subverteram este carácter temporário. Sendo clara a tentativa dos autores do estudo — cujo relator foi Carlos Moreno — de não distinguir a forma como actuaram os executivos de Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, ressaltam alguns dados sobre a gestão de cada um deles. Tomando apenas em consideração os 184 gabinetes estudados e validados (de um total de 205, para o período), as despesas de funcionamento foram de 151,5 milhões de euros. O Governo de Sócrates é o que sai melhor do retrato, apresentando cerca de 36,5 milhões de euros de despesas com pessoal, bens e serviços, contra 36,7 do Governo de Santana Lopes, e 77 milhões de euros do executivo de Durão Barroso. Mesmo tendo em conta que o período analisado em que Barroso foi primeiro-ministro é cerca do dobro do dos seus sucessores, o estudo indica uma contracção da despesa em 2005. Por outro lado, no entanto, o relatório indicia que o Governo de José Sócrates terá sido aquele que mais admissões permitiu e que mais recorreu a formas pouco transparentes no processo de recrutamento. Numa amostra de 30 gabinetes analisados com mais pormenor, verificaram-se 484 admissões, sendo que, de entre estas, 74 foram de especialistas". Já segundo outro jornal, entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2005, “os gabinetes governamentais movimentaram, em práticas sistemáticas e anómalas, e muitas vezes sem a mínima contrapartida, verbas quase quatro vezes superiores ao custo previsto para o novo aeroporto da Ota, que é de 3,1 mil milhões de euros. Segundo uma auditoria aos gabinetes governamentais revelada pelo Tribunal de Contas, e que abrangeu os governos de Durão Barroso, Santana Lopes e o primeiro ano do actual governo de José Sócrates, "as despesas [dos gabinetes governamentais] com transferências correntes totalizaram 12,5 mil milhões de euros ". Ora, ainda segundo o TC, "notou-se", a "nível orçamental", e "com prejuízo das respectivas transparência e verdade", uma "prática sistemática e anómala de, ao longo do triénio, se inscrever, como despesa dos gabinetes governamentais, verbas muito substanciais, destinadas a ser transferidas para as mais diversas entidades, públicas e privadas, estranhas a qualquer tipo de apoio aos gabinetes governamentais e sem a mínima contrapartida para os mesmos, assim se desvirtuando, orçamentalmente, as suas reais despesas". Estas "reais despesas" — custos com pessoal e funcionamento — foram bem menores: 216,3 milhões de euros (…)". Resumidamente, cada português paga 430 euros por ano para financiar os gastos com os gabinetes do Governo, desde os salários dos assessores, aos pedidos de pareceres e a contratação de especialistas. Tudo feito sem controlo. O Tribunal de Contas quer acabar com a anarquia, mas não sei se vai conseguir. Porque é este o País que somos, porque é este país que vivemos: 37,9 milhões de euros foi quanto os três governos pagaram por estudos, pareceres e projectos a empresas de consultores e escritórios de advogados, 1.303 foram os funcionários recrutados pelo valor de 20,9 milhões de euros e foi em 2002 que foi aprovada uma deliberação para moralizar benefícios suplementares que nunca foi publicada. Obviamente. Vergonha de tudo isto? Porquê? Como? Para quê?
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 10 de Abril 2007
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