Artigo: O CURSO
O primeiro-ministro socialista Sócrates concede hoje uma entrevista à RTP, a pretexto de dois anos de governação do PS, curiosamente já cumpridos há mais de dois meses (!), que pretende essencialmente constituir um pretexto para a defesa da honorabilidade do chefe do governo socialista, claramente massacrada por três semanas de notícias de primeira página ou reportagens de abertura de telejornais, de especulação e muita polémica em torno das habilitações literárias de Sócrates e das condições em que ele alegadamente obteve a licenciatura, tudo isto hipócrita, mas compreensivelmente, transformado num acontecimento à escala nacional.
Só num país como Portugal é que esta questão do “canudo” é importante. Tenho que reconhecer que essa é uma das facturas de uma democratização recente e de uma transformação de mentalidades que ainda demorará muito mais tempo.
Mas o que está em causa, essencialmente por culpa do primeiro-ministro, é saber de Sócrates mentiu, se manipulou a sua biografia pessoal e académica, numa expressão, se Portugal é liderado por um chefe de governo mentiroso, hipócrita e manipulador. Se isso acontecer, se se provar que toda a especulação informativa e noticiosa em torno deste “caso”, tem sentido, que assenta em bases de verdade factual, então penso que está criado um problema político bastante complicado ao qual o próprio Cavaco Silva não pode lavar as mãos qual “Pilatos” Eventualmente poderemos ser até confrontados com um cenário de uma demissão forçada, por falta de honorabilidade do primeiro-ministro, permitindo ao PS um processo semelhante ao que o PSD adoptou quando Durão Barroso foi para Bruxelas e os social-democratas pretenderam aproveitar a maioria absoluta parlamentar para uma mudança tranquila na chefia do governo, sem recurso a eleições antecipadas, por muito que esse desfecho interessasse (e mesmo assim tenho muitas dúvidas) à oposição.
Mas, pelo contrário, se se provar, por outro lado, que afinal Sócrates tem sido vítima de uma cabala, que o homem afinal é engenheiro, mesmo que a “coice e pontapé”, que demorou dez ou mais anos para obter a licenciatura, que foram terceiros e não ele que falsearam as suas notas biográficas pessoais (já em 1993 ele foi apresentado como engenheiro e mesmo quando foi nomeado secretário de estado e depois ministro os despachos publicados no Diário da República apresentam-no como engenheiro, quando não tinha concluído a licenciatura, ou seja, não era engenheiro coisa nenhuma), então estaremos perante um caso que poderá conhecer outros contornos.
É minha opinião pessoal que Sócrates é o principal culpado de tudo isto e que cometeu um erro primário, imperdoável na política colocada a níveis mais elevados, o de ter desvalorizado uma questão que poderia transformar-se, como se confirmou, numa “bola-de-neve”, e que assume uma outra gravidade porque, sendo ele próprio conhecedor do seu percurso universitário e estando na posse de todos os dados necessários a uma emissão correcta de juízos de valor, nunca poderia, em circunstância alguma, ter optado pelo silêncio fragilizante e intrigante, deixando que vários folhetins de uma estranha novela fossem aparecendo quase todos os dias. E, pior do que tudo isso, ainda por cima numa conjuntura marcada pela polémica em torno do futuro da Universidade Independente, a que não faltou um estranhíssimo episódio de haver um reitor nomeado (José Roberto) que é funcionário da Caixa Geral de Depósitos onde que trabalha com o antigo ministro socialista e actual gestor da instituição de crédito, Armando Vara, ele próprio antigo aluno e licenciado pena UNI.
O que é que temos hoje, resultado desta péssima gestão de uma crise por parte de Sócrates, da especulação criada à volta de um assunto aparentemente banal, a que se poderá juntar, em meu entender, um eventual ajuste de contas que poderá ter muito a ver com factos recentes, concretamente com negócios frustrados que envolveram milhares de milhões de euros e que não se concretizaram devido à posição assumida pelo governo socialista, contrariando as expectativas dos protagonistas? Não faço a mínima ideia. Admito que possa estar a especular, tenho a perfeita consciência disso quando procura eventuais “justificações” para o despoletar de um assunto que eu creio ser conhecido há muito tempo. Mas tenho essa liberdade. Para mostrar que quando se fala do controlo político dos meios de comunicação social, muitas vezes nos esquecemos de outros tipos de controlo, porventura muito mais eficazes e muito mais devastadores, que tem muito a ver, quase tudo a ver, com os negócios e com os interesses e estratégias de grupos empresariais nacionais.
Teremos hoje um primeiro-ministro ridicularizado, cuja honorabilidade tem sido questionada repetidas vezes, que poderá ser confrontado com a constatação de que mentiu e manipulou a sua própria biografia, que perde credibilidade junto da opinião pública portuguesa e que poderá deixar de ter condições para continuar a exercer funções, até para salvaguarda do prestígio de Portugal no estrangeiro, tanto mais numa altura em que se aproxima o semestre da presidência portuguesa da União Europeia. A entrevista de Sócrates, hoje na RTP, mais do que um acontecimento político, é uma quase humilhação imposta pelo rumo dos acontecimentos a um primeiro-ministro que aparece hoje perante os portugueses, sem estratégia, porventura com alguma dificuldade em esclarecer com consistência estes assuntos e que poderá ser obrigado, a prazo, a tomar uma decisão que até hoje seria impensável, atendendo à realidade política e parlamentar nacional.
Luís Filipe Malheiro
Só num país como Portugal é que esta questão do “canudo” é importante. Tenho que reconhecer que essa é uma das facturas de uma democratização recente e de uma transformação de mentalidades que ainda demorará muito mais tempo.
Mas o que está em causa, essencialmente por culpa do primeiro-ministro, é saber de Sócrates mentiu, se manipulou a sua biografia pessoal e académica, numa expressão, se Portugal é liderado por um chefe de governo mentiroso, hipócrita e manipulador. Se isso acontecer, se se provar que toda a especulação informativa e noticiosa em torno deste “caso”, tem sentido, que assenta em bases de verdade factual, então penso que está criado um problema político bastante complicado ao qual o próprio Cavaco Silva não pode lavar as mãos qual “Pilatos” Eventualmente poderemos ser até confrontados com um cenário de uma demissão forçada, por falta de honorabilidade do primeiro-ministro, permitindo ao PS um processo semelhante ao que o PSD adoptou quando Durão Barroso foi para Bruxelas e os social-democratas pretenderam aproveitar a maioria absoluta parlamentar para uma mudança tranquila na chefia do governo, sem recurso a eleições antecipadas, por muito que esse desfecho interessasse (e mesmo assim tenho muitas dúvidas) à oposição.
Mas, pelo contrário, se se provar, por outro lado, que afinal Sócrates tem sido vítima de uma cabala, que o homem afinal é engenheiro, mesmo que a “coice e pontapé”, que demorou dez ou mais anos para obter a licenciatura, que foram terceiros e não ele que falsearam as suas notas biográficas pessoais (já em 1993 ele foi apresentado como engenheiro e mesmo quando foi nomeado secretário de estado e depois ministro os despachos publicados no Diário da República apresentam-no como engenheiro, quando não tinha concluído a licenciatura, ou seja, não era engenheiro coisa nenhuma), então estaremos perante um caso que poderá conhecer outros contornos.
É minha opinião pessoal que Sócrates é o principal culpado de tudo isto e que cometeu um erro primário, imperdoável na política colocada a níveis mais elevados, o de ter desvalorizado uma questão que poderia transformar-se, como se confirmou, numa “bola-de-neve”, e que assume uma outra gravidade porque, sendo ele próprio conhecedor do seu percurso universitário e estando na posse de todos os dados necessários a uma emissão correcta de juízos de valor, nunca poderia, em circunstância alguma, ter optado pelo silêncio fragilizante e intrigante, deixando que vários folhetins de uma estranha novela fossem aparecendo quase todos os dias. E, pior do que tudo isso, ainda por cima numa conjuntura marcada pela polémica em torno do futuro da Universidade Independente, a que não faltou um estranhíssimo episódio de haver um reitor nomeado (José Roberto) que é funcionário da Caixa Geral de Depósitos onde que trabalha com o antigo ministro socialista e actual gestor da instituição de crédito, Armando Vara, ele próprio antigo aluno e licenciado pena UNI.
O que é que temos hoje, resultado desta péssima gestão de uma crise por parte de Sócrates, da especulação criada à volta de um assunto aparentemente banal, a que se poderá juntar, em meu entender, um eventual ajuste de contas que poderá ter muito a ver com factos recentes, concretamente com negócios frustrados que envolveram milhares de milhões de euros e que não se concretizaram devido à posição assumida pelo governo socialista, contrariando as expectativas dos protagonistas? Não faço a mínima ideia. Admito que possa estar a especular, tenho a perfeita consciência disso quando procura eventuais “justificações” para o despoletar de um assunto que eu creio ser conhecido há muito tempo. Mas tenho essa liberdade. Para mostrar que quando se fala do controlo político dos meios de comunicação social, muitas vezes nos esquecemos de outros tipos de controlo, porventura muito mais eficazes e muito mais devastadores, que tem muito a ver, quase tudo a ver, com os negócios e com os interesses e estratégias de grupos empresariais nacionais.
Teremos hoje um primeiro-ministro ridicularizado, cuja honorabilidade tem sido questionada repetidas vezes, que poderá ser confrontado com a constatação de que mentiu e manipulou a sua própria biografia, que perde credibilidade junto da opinião pública portuguesa e que poderá deixar de ter condições para continuar a exercer funções, até para salvaguarda do prestígio de Portugal no estrangeiro, tanto mais numa altura em que se aproxima o semestre da presidência portuguesa da União Europeia. A entrevista de Sócrates, hoje na RTP, mais do que um acontecimento político, é uma quase humilhação imposta pelo rumo dos acontecimentos a um primeiro-ministro que aparece hoje perante os portugueses, sem estratégia, porventura com alguma dificuldade em esclarecer com consistência estes assuntos e que poderá ser obrigado, a prazo, a tomar uma decisão que até hoje seria impensável, atendendo à realidade política e parlamentar nacional.
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 11 de Abril 2007
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