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quinta-feira, 26 de abril de 2007

Artigo: 25 de Abril

Uma das piores injustiças que os Madeirenses poderiam cometer, consigo próprios e com a história, seria desvalorizar o 25 de Abril, não só pela importância que teve na libertação do país, mas porque foi graças a essa efeméride e a todos esses acontecimentos, que se devolveu aos portugueses a liberdade, o respeito pela sua dignidade e, no nosso caso, se abriram finalmente as portas para a afirmação da Autonomia política enquanto realidade política e constitucional que eu julgava consistente e indiscutivelmente consolidada. A verdade é que hoje, mais de 30 anos depois, parecer-me, muitas vezes, que os apetites vorazes do colonialismo insatisfeito e esfomeado, continuam a representar, ontem como hoje, uma ameaça que exige vigilância, mobilização e, mais do que tudo isso, convicção e persistência na defesa da nossa dignidade, da nossa identidade cultural e dos nossos direitos conquistados.
Falar hoje do 25 de Abril em Portugal parece ser, muitas vezes, um privilégio reservado a alguns, quase sempre personagens conotados ou catalogadas de esquerda. O 25 de Abril, pelos vistos, foi algo desencadeado pela esquerda, apenas para essa esquerda proprietária, e que tinha como destinatário apenas uma parte, minoritária, da sociedade portuguesa. É a visão redutora e segregacionista do 25 de Abril que alguns ainda hoje alimentam, uma revolução feita para dividir e não para unir, para oprimir e não para libertar.
Desiludam-se os que pensam que o 25 de Abril, tal varinha mágica, resolveu tudo e encontrou solução para tudo. Nada disso. Eu lembro-me bem desses tempos, do ambiente vivido na rua, dos confrontos quase diários, dos medos, das agitações, dos conflitos sistematicamente alimentados, nas ameaças de novas formas de ditaduras igualmente sanguinárias e ainda mais opressoras, dos analfabetismos elevados aos patamares da sapiência conquistada a martelo – eram eles os que mandam, eram eles, por isso, os que mais sabiam e os que tinham sempre a razão. Lembro-me do 25 de Abril da instabilidade social e política permanente, dos governos nomeados ou caídos, dos ministros que entravam e saiam logo depois, do Conselho da Revolução enquanto eminência parda do regime que perorava sobre tudo e sobre todos, de organizações militares mas com contornos e bases legais claramente políticas, repressivas e policiais, das ameaças à liberdade, dos discursos mais inflamados, das perseguições, dos crimes, dos atentados, etc., Lembro-me perfeitamente de tudo isso, Fui testemunha privilegiada desses períodos da nossa história, guardo-os numa prateleira de intocável destaque, mas recuso ser refém de pragmatismos saloios ou de fundamentalismos ideológicos mais ou menos tontos e exacerbados. Lembro-me do 28 de Setembro, da maioria silenciosa, dos SUV, das canções à boa maneira da antiga URSS, do endeusamento na comunicação social das figuras da esquerda. Lembro-me do 11 de Março, dos confrontos, tos tiros, dos mortos, da emigração forçada, dos atentados fascistas, dos movimentos políticos que actuavam em Portugal mas tinham a sede no estrangeiro. Lembro-me do 25 de Novembro de 1975, dos confrontos entre sectores militares, dos “comandos” de Jaime Neves, ou do Ralis de Dinis. Lembro-me de Pinheiro de Azevedo, do seu discurso, dos deputados da Assembleia Constituinte cercados e sem comer, alguns deles a dormir nas carteiras do hemiciclo ou nos corredores de São Bento. Lembro-me de tudo isso, nas encaro todos esses factos nas peripécias, nas contradições, nos paradoxos de qualquer movimento revolucionário, na procura por parte de um país como Portugal, quase 50 anos depois de subjugação a um regime político fortemente redutor dos direitos, liberdades e garantias. Não condeno esses momentos da nossa história. Mas não aceito que, volvidos trinta anos, os queiram alterar, que pretendam branquear factos ou endeusar protagonistas cuja responsabilidade negativa naquele período, ainda hoje está por ser apurada ou nunca foi investigada.
Cada país vive com a sua história, incontornavelmente. E com os seus protagonistas. Os factos acontecem e tal como acontecem devem ser relatados, contados, guardados na memória, sem manipulações ou distorções, sem radicalismos ou desconfianças. O passado faz parte do nosso presente e do nosso futuro.
O 25 de Abril, para a Autonomia, porque é disso que quero hoje lembrar, foi determinante, decisivo e fundamental. Eu aceito que alguns tenham reservas quanto ao regime político, quando à seriedade de decisões ou opções constitucionais ou quanto a sinceridades políticas e/ou partidárias, enfim, quanto à própria consistência democrática do regime. Mas somos uma democracia jovem mo contento europeu, somos um país que muitas vezes se coloca em bicos-de-pés, mas que tem hoje um espaço próprio e que tem o dever de lutar pelos seus direitos. Não podemos ser um país de saudosismos, de retrocessos, de retorno a um passado que considero insultuoso e intolerável. Não concebo o elogio dessa loucura quase colectiva, de elevar Oliveira Salazar ao olimpo, um dos expoentes máximos do regime derrubado em Abril de 1974. Não concebo qualquer tolerância com o radicalismo nacionalista e xenófobo de quem ainda não percebeu que uma coisa são as dificuldades que qualquer país enfrenta e que outra coisa é pretender responsabilizar os estrangeiros que se fixam em Portugal por esses problemas – tal como milhões de portugueses ao longo de mais de 50 anos se estabeleceram no estrangeiro, por esse mundo fora. Não sou, não posso ser tolerante com esse tipo de política sem dignidade.
O 25 de Abril foi a chave que abriu a porta da Autonomia. Falar hoje de autonomia sem o 25 de Abril seria cometer uma injustiça. É claro que não foi só por causa do 25 de Abril que tivemos a autonomia servida no prato. Nada disso. Tivemos depois que empreender uma longa caminha, de vencer desconfianças, de derrubar barreiras, de lutar pelos nossos direitos, etc. Foi um percurso difícil, de avanços e recursos, de apoio e boicotes, de solidariedades e traições, de vitórias e contrariedades. Mas foi essencialmente, e tem que continuar a ser, um percurso de convicção e de fé. Convicção nas nossas ideias, fé nos nossos princípios, na razão que nos assiste. Nem todos estiveram do mesmo lado da barricada, lutando contra adversários comuns e pela nossa elevação e dignidade. Alguns continuam a não ser capazes de se libertar das amarras do colonialismo ofendido que os coloca permanentemente de cócoras, submissos, perante todos os ventos que soprem da ponta de São Lourenço para oeste. Não se trata de os perdoar, nem sequer der os compreender, Trata-se de os ignorar no plano político, mas de os envolver, enquanto filhos desta terra, sob o manto autonómico que os dignifica.
A autonomia, tal como o 25 de Abril em si mesmo, não é um poço só de virtudes. Temos 30 anos de caminhada, certamente com defeitos mas obviamente com virtudes. Cometeram-se erros, porventura cometer-se-ão, erros. Mas cada conquista deve ser preservada e tenazmente defendida. Se os militares em 25 de Abril tivessem hesitado e cedido, se não lhes fosse regateado o apoio popular, a revolução tinha terminado, rapidamente, numa derrota que admito hoje teria ficado marcada sanguinariamente o futuro. Também a autonomia precisa do apoio convicto das pessoas de envolver os jovens em vez de achar piada que eles se mantenham à distância, preocupados com os computadores, com os chats, com os desportos radicais, com o alheamento total, relativamente à sociedade da qual fazem parte.
Mas não aceitem nunca, que o 25 de Abril se compare a uma quinta, rodeada de muros intransponíveis e vigiada por ameaçadores capangas no único portão de entrada, e pelo qual apenas passam os que ideológica e partidariamente se situam à esquerda, como se o 25 de Abril tivesse sido implementado para dividir em vez de unir, para separar em vez de fomentar consensos, para ameaçar em vez de respeitar, para espezinhar em vez de libertar.
Luís Filipe Malheiro

Jornal da Madeira, 25 de Abril 2007

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