PINACULOS

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segunda-feira, 30 de abril de 2007

Artigo: DUAS NOTAS

I. Desde 1975 que acompanho as eleições na Madeira. Cobri as primeiras, as constituintes de 1975, as primeiras realizadas depois do 25 de Abril, e lembro-me ainda perfeitamente bem, das enormes “filas” com centenas de eleitores que se concentraram junto das secções de voto para exercerem o seu direito de voto. Foram bons tempos, com níveis de participação e de exercício de cidadania que nunca mais se repetiram. Em 1975 os resultados globais em termos de participação eleitoral foram estes:
Inscritos: 140.060 eleitores (hoje temos quase o dobro!)
Votantes: 126.329 eleitores (90,2%)
Abstenções: 13.7831 eleitores (9,8%)
Brancos e Nulos: 5.501 (4,4%)
A par do desejo de participação, foi evidente também um nível elevado de desconhecimento e de falta de informação sobre o processo eleitoral, o que explica os mais de 4% de votos brancos e nulos. Um ano depois, em Junho de 1976, realizaram-se as primeiras eleições regionais, também com excelentes níveis de participações, embora já com uma abstenção que provavelmente não estaria nas expectativas:
Inscritos: 143.403 eleitores
Votantes: 107.265 eleitores (74,8%)
Abstenções: 36.138 eleitores (25,2%)
Brancos e Nulos: 1.367 (1,3%)
É sabido que para as regionais de 6 de Maio, mais de 231 mil pessoas estão recenseadas nos cadernos eleitorais, 54% dos quais do sexo feminino, o que deve constituir um indicador para todos os partidos, na medida em que os pode ajudar a perceber, por exemplo, quais as estratégias de campanha, os discursos políticos, as propostas eleitorais, etc, mais adequadas.
Continuo a pensar que uma autonomia política, com níveis de abstenção da ordem dos 85 a 90 mil eleitores (correspondentes a 45% de abstenções nos Açores ou de 40% na Madeira, resultados de 2004), será uma autonomia fragilizada, inconsistente, mais vulnerável a “ataques” desferidos contra ela, particularmente em matéria legislativa, apostados no retrocesso de direitos legitimamente conquistados. É nisso que dos partidos e os políticos devem concentrar e reflectir.

II. O funcionalismo público está a passar por uma profunda revolução, relativamente à qual não emito juízos políticos, dado que a constatação mais do que óbvia, é a de que há muitos anos todos os partidos reivindicam reformas no funcionalismo público – excepto o PCP que vê “ameaças” em todas as mudanças - mas pouco ou nada fazem de concreto quando têm a possibilidade de algum protagonismo e capacidade de decisão. O que me parece, no caso do actual governo socialista, é que as coisas estão a mexer de uma forma muito rápida, e simultaneamente em várias frentes, o que naturalmente levanta questões complicadas de responder e provoca uma evidente instabilidade social entre os funcionários. Para além do congelamento das carreiras, pelo menos há dois anos, há o compromisso do actual governo de Lisboa de reduzir em 75 mil os efectivos na função pública, pelo menos até final do actual mandato (2009). Agora ficamos a saber que os funcionários “públicos nomeados, e que actualmente desempenham funções fora das áreas de soberania, verão o seu vínculo alterado e passarão a estar abrangidos pelo regime do contrato individual de trabalho adaptado à função pública”. Ou seja: “embora mantenham as actuais regras de cessação de vínculo, de protecção social e de mobilidade especial, estes trabalhadores deixam de ter vínculo de nomeação e transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado. A proposta consta do novo sistema de carreiras, aprovado na semana passada em Conselho de Ministros, e representa um recuo face ao que tinha sido acordado com os sindicatos. Em causa estão cerca de 80% dos 427 mil funcionários públicos com vínculo de nomeação, registados na Base de Dados da Administração Pública no final de 2005, e que não desempenham funções de defesa, diplomacia, segurança interna ou de inspecção”. Outra medida que eu subscrevo, prende-se com o combate aos falsos recibos verdes na função pública, sendo inegável uma aposta dos socialistas no sentido da redução do número de avençados e tarefeiros. A imprensa nacional dava conta há dias que o Ministério das Finanças “decidiu apertar o cerco à contratação de trabalhadores em regime de prestação de serviço, quase 12 mil avençados e tarefeiros, que agora correm sérios riscos de vir a perder o seu emprego”.
Esta semana, no âmbito de um lançamento de um guia de combate à corrupção no funcionalismo público, da autoria do Ministério da Justiça, ficamos a saber que o governo anda a incentivar a denúncia de comportamentos menos lícitos, como forma de combater a corrupção, opção que os sindicatos já contestaram. Basicamente, diz a imprensa nacional, “para incentivar as denúncias, foram enunciadas medidas de protecção das testemunhas dos crimes, como a não revelação da identidade ou os programas especiais de segurança, medidas que também podem abranger os familiares e pessoas próximas dessas testemunhas”.
Vamos a ver se o governo socialista da República consegue levar a bom porto um conjunto de reformas, que sendo – e são - discutíveis nalguns dos seus aspectos essenciais, não podem contudo ser postas em causa sem qualquer fundamento, na medida em que o funcionalismo público precisa de ser olhado, finalmente (?) de uma forma adequada. Declarações de intenções não chegam, não resolvem nada, pelo contrário, adiam a tomada de medidas, mesmo que passíveis de contestação, de gerarem controvérsia ou alimentar especulação. O problema é saber se, depois de dois anos de aperto do cinto e de redução do poder de compra das pessoas, existe a moral para manter ou até reforçar certas medidas mais restritivas e, ao mesmo tempo, exigir aos funcionários públicos, outro tipo de empenhamento profissional.
Luís Filipe Malheiro

Jornal da Madeira, 27 de Abril 2007

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