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segunda-feira, 16 de abril de 2007

Curiosidades: Relíquias de Joana d’Arc são falsas

O faro de dois peritos em perfumes serviu para detectar, nos alegados restos da santa de Orleães, um cheirinho a baunilha incompatível com o facto de a histórica heroína francesa ter morrido queimada na fogueira. A “donzela de Orleães” é a heroína mítica francesa por excelência e uma santa da Igreja Católica. Lutou contra os ingleses, que a condenaram à morte por heresia. Morreu na fogueira, na cidade de Rouen, na Normandia, em 1431. Séculos mais tarde, em 1867, foi descoberto numa farmácia em Paris um boião que continha os presumíveis restos da jovem mártir. Mas segundo revela o jornalista Declan Butler, na revista “Nature”, aqueles “restos sagrados” - que se encontram actualmente no museu da arquidiocese de Tours, na cidade francesa de Chinon - não passam de uma falsificação.
Butler relata como, numa história digna de um “arqueo-C.S.I.” ou de um “paleo-Ossos”, a equipa do cientista forense Philippe Charlier, do Hospital Raymond Poincaré em Garches, nos arredores de Paris, desmascarou agora esta fraude velha de 140 anos.
No ano passado, as autoridades eclesiásticas autorizaram Charlier a estudar de perto as relíquias. Elas incluem vários elementos: uma costela humana aparentemente calcinada, bocados de algo que parece ser madeira queimada, um pequeno fragmento de pano e um fémur de gato. (Já agora, segundo faz notar Butler, a presença do gato explica-se pelo facto de as pessoas atirarem gatos pretos para as fogueiras quando os condenados eram suspeitos de bruxaria). A equipa forense submeteu este escasso material a diversas análises, habituais nestes casos, como espectroscopia de massa, microscopia electrónica, análise do pólen e outros. Mas os cientistas também recorreram a algo totalmente diferente – e completamente inédito, tanto no âmbito do estudo de cadáveres históricos, a denominada “paleopatologia”, como no da medicina forense em geral: recorreram ao faro de dois dos maiores especialistas de cheiros da indústria dos perfumes. “A utilização dos cheiros é um dos elementos inovadores do nosso trabalho”, disse Charlier ao PÚBLICO em entrevista telefónica.
O investigador também explicou o porquê desta inédita colaboração com dois “narizes” de renome: ele já tinha reparado na multiplicidade de odores que os cadáveres históricos exalam e tinham a convicção de que este tipo de dados podia fazer progredir a ciência forense. “Era uma pena que nenhum faro experiente tivesse acesso a esses cheiros, que esses dados não servissem a medicina legal”, salienta. O argumento tem toda a lógica: um nariz bem treinado e experiente constitui um excelente sensor molecular e tem, ainda por cima, a vantagem de ser um instrumento absolutamente não invasivo...

Mas o que Charlier não tinha previsto era que os cheiros lhe serviriam como pistas para descobrir que os alegados restos da santa francesa tinham afinal uma origem bem diferente: tinham sido fabricados por alguém, no século XIX, a partir dos restos de uma múmia egípcia.
Uma múmia egípcia
“Nunca imaginei que viessem de uma múmia”, confiou o investigador a Butler. Pois é, Joana d’Arc era afinal uma múmia. Ou, melhor dizendo, os restos humanos atribuídos até aqui a Joana d’Arc são os restos de uma múmia egípcia com cerca de dois mil e quinhentos anos de idade. E, por incrível que pareça, o ponto de partida desta espantosa descoberta foi... o vestígio ténue de um cheirinho adocicado. Sylvaine Delacourte, da Guerlain, e Jean-Michel Duriez, da Jean Patou, cheiraram, cada um por seu lado e sem poder trocar impressões um com o outro, as ditas relíquias e mais nove amostras de ossos e cabelos de cadáveres, fornecidos por Charlier. Não sabiam de que se tratava e nem sequer lhes foi permitido tocar no material. Ambos chegaram independentemente à mesma conclusão: havia nas relíquias de Joana d’Arc um cheiro a “gesso queimado” e um cheirinho a... “baunilha”!
O cheiro a gesso podia ser explicado, se as relíquias fossem autênticas, pelo facto de Joana d’Arc ter sido queimada num patíbulo de gesso e não de madeira (destinado a prolongar o “macabro espectáculo”, diz Butler). Já o cheiro a baunilha – ou antes, a vanilina – não tinha explicação. “A vanilina é produzida pela decomposição dos corpos”, salienta ainda Charlier na “Nature”. “Pode estar presente numa múmia, mas não numa pessoa que morreu queimada”.
A partir daí, foi possível chegar à verdade. Análises microscópicas e químicas aos dois fragmentos de ossos (humano e de gato) revelaram que o que parecia tecido ósseo carbonizado afinal não era. Pelo contrário, era uma mistura de resinas vegetais, de betume e de outros compostos químicos utilizados para embalsamar cadáveres (e também continha gesso, o que explicava o cheiro detectado pelo nariz dos dois especialistas de perfumes). Quanto ao bocado de pano, os cientistas descobriram que tinha sido submetido a um tratamento característico das ligaduras das múmias. Quanto ao pólen, era pólen de pinheiro. Ora em Rouen, na altura da morte de Joana d’Arc, não havia pinheiros – mas a resina destas árvores era, isso sim, utilizada pelos antigos egípcios no processo de mumificação. A cereja no bolo foi a datação por carbono 14 dos restos presumíveis de Joana d’Arc, que mostrou que eles remontam a algures entre o terceiro e o sexto século a.C. De onde veio a múmia que foi utilizada na falsificação? O Egipto não fica propriamente às portas de Paris. Charlier também tem uma explicação para isso: a partir da Idade Média, as múmias foram utilizadas na Europa nos preparados farmacêuticos.
Quanto à Igreja, diz-nos ainda Charlier, acolheu a notícia da falsidade da relíquia “com uma grande abertura de espírito”. Isto porque “não se trata de um objecto de culto, mas de um objecto museológico, e eles também achavam interessante saber o que eram exactamente esses restos”. Charlier já tem outros projectos em carteira, mas não quis revelar quais. “Vamos começar a trabalhar neles nos próximos meses, tanto em França como no estrangeiro – mas Portugal não faz parte da lista”, frisou. E o sudário de Turim, faz parte? “Absolutamente não”, responde. “Costumo evitar os objectos de polémica. Para além disso, o sudário não tem qualquer interesse para a medicina forense, não é susceptível de a fazer progredir.”
Fonte: Ana Gerschenfeld, Publico

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