Artigo: Degelo

Neste momento não há tempo a perder nem com ajuste de contas, nem com divagações, nem com manipulações ou especulações políticas que apenas afundam mais um quadro institucional pouco dignificante e que precisa de ser alterado. Não creio — porque dois factos recentes ajudam a que assim pense — que existam ainda condições para que se possa pensar numa alteração de comportamentos e desta situação. Alberto João Jardim vai a 25 de Junho a Lisboa para se encontrar com Cavaco Silva, em quem deposita a esperança de poder contribuir para que os problemas sejam ultrapassados e para que seja encontrada a tal “ponte” que tem faltado. Admito que Cavaco Silva possa interessar-se pelo assunto, aliás sei que conhece bem os contornos de tudo isto, mas não o vejo a alimentar qualquer situação de conflito, pelo menos neste primeiro mandato, com o governo socialista de Lisboa, assim como nem admito sequer que até final deste ano, período da presidência portuguesa da União Europeia, essa matéria possa ser objecto de atenção ou provocar atritos institucionais no eixo Belém-São Bento.
Continuo a afirmar, disse-o ontem e repito, que um governo central, seja ele qual for e em que país ou região for, recuse manter com os governos regionais relações institucionais normais, optando por um distanciamento crescente, motivado apenas por questões de disputa ideológica ou partidária. Alguma vez Madrid faria isso às suas comunidades autónomas? Porventura Berlim ou Viena se comportariam da mesma forma com os seus Landers? Alguma vez Roma se atreveria a ignorar qualquer uma das Regiões italianas?
Quais foram esses dois factos recentes que em certa medida demonstram que ainda vai ser preciso fazer algo mais, de concreto, para que o pretendido degelo entre o Estado e a Região seja uma realidade? Por um lado a questão dos 25 milhões de euros, retidos em Lisboa como multa aplicada pelo Ministério das Finanças à Madeira por causa de um alegado endividamento regional não revelado e contrariando as disposições orçamentais (imposição do endividamento zero). O caso continua nos tribunais, tendo transitado do Tribunal Administrativo do Funchal, que mandou Lisboa repor o dinheiro nos cofres da Região, para o Tribunal Constitucional, devido ao facto do governo de Lisboa insistir na sua argumentação e ter recorrido da decisão do tribunal funchalense. Não creio, pelos indicadores já conhecidos — a que se junta o alegado recurso a prestações para concretizar a reposição dos 25 milhões de euros… — que Lisboa possa alterar a sua posição neste domínio das finanças públicas, o que implica que dificilmente deixará de continuar a aplicar a lei das finanças regionais, de impor o endividamento nulo através da lei do orçamento e sem se preocupar em encontrar soluções paralelas, complementares, passível de suavizar o impacto negativo na Madeira.
O outro facto prende-se com a presença de um secretário de Estado na posse do governo madeirense, quando era suposto — em situações normais seria isso que aconteceria — que tal representação fosse entregue a um ministro, tal como aconteceu em 2004. Não tenho dúvidas que a opção por um secretário de Estado foi uma decisão política, devidamente pensada, tomada pelo próprio Sócrates, porventura aconselhado pelo seu núcleo duro no Governo. Se para alguns trata-se de uma opção política destinada a desvalorizar o acto e a confirmar um distanciamento político que não pode continuar, para outros as coisas podem (devem) ser olhadas, associando também uma outra componente, a de que o secretário de Estado enviado ao Funchal, Filipe Baptista, é um dos conselheiros mais próximos e importantes de Sócrates e que dificilmente qualquer quadro de relacionamento institucional entre as Regiões Autónomas e o Primeiro-Ministro, deixará de fora este secretário de Estado, o que por si só é relevante.
Entre um ministro que apenas vinha fazer figura de corpo presente, e um secretário de Estado, protocolarmente abaixo do ministro, mas que poderá ter um intervencionismo superior e mais eficaz, prefiro, sem pensar duas vezes, um secretário de Estado, político, não um tecnocrata cinzento. Acredito que Filipe Baptista poderá ter uma palavra a dizer neste domínio.
Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 20 de Junho 2007
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