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terça-feira, 6 de março de 2007

Artigo: Contradições

Li na semana passado que uma empresa estrangeira — mais uma — com sede em Portugal, a Alcoa Fujikura fechou a sua fábrica do Seixal, mandando 400 trabalhadores, na sua maioria mulheres, para o desemprego. Isto porque a empresa resolveu deslocalizar a produção das cablagens que equipam os monovolumes Sharan e Alhambra, montados na Autoeuropa, para a sua unidade da Hungria, no âmbito da redução de custos do conhecimento dos trabalhadores há vários meses. A Alcoa pagará dois meses de salário por cada ano de trabalho, mais um prémio de mil euros para todos os abrangidos pela medida. A média de idades ronda os 40 anos e a maioria das pessoas trabalhava na unidade do Seixal há mais de dez anos. Trinta e oito anos depois da sua instalação, a fábrica, que já pertenceu à Siemens, passa a ter apenas 40 trabalhadores que farão pequenas reparações nas cablagens que chegam das fábricas da Hungria e da República Checa. Também na semana passada, depois do show-off propagandístico do governo socialista na Assembleia da República — embora Louçã se tenha saído bem na desmontagem do embuste, há que reconhecer — um jornal de Lisboa, de grande tiragem nacional (um dia destes vou abordar esta temática da imprensa nacional, das tiragens e do futuro…) reconhecia que subsistia a dúvida sobre se o desemprego em Portugal, está a subir ou a baixar, situação alimentada pelos indicadores e tendências contraditórias divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística, por um lado, e pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional por outro. Ninguém se entende devido ao facto de utilizarem metodologias diferentes. O que é facto é que os “centros de emprego registaram menos desempregados (454.469) do que o inquérito do INE (458.600), e é também a primeira vez que se dá uma ruptura com a tradição recente, em que, embora com números diferentes, os dois organismos apresentavam tendências semelhantes, sendo que essa diferença tem rondado os 100 mil, com vantagem para o IEFP. Agora, o INE apontou uma subida para 8,2%, enquanto os números do IEFP, em comparação homóloga, estão em queda há 11 meses”. Há um mês, uma sondagem realizada por uma empresa da especialidade, reconhecia que os portugueses estão "moderadamente pessimistas" sobre a evolução da sua situação económica pessoal ao longo dos próximos doze meses. Esta é a expressão técnica que traduz o estado de alma da sociedade, no que toca às suas finanças”. Questionados sobre as expectativas para si e para a sua família, 44% dos inquiridos consideram que as coisas vão piorar. Só 16% enfrentam o novo ano com algum optimismo, antecipando melhorias, enquanto que 33,7% dos inquiridos estão convencidos de que não haverá mudanças nem num sentido nem noutro. No final do ano passado, ficamos a saber que a dívida do País ao estrangeiro atingiu em Outubro o nível mais elevado de sempre, na medida em que já representava 71,6% da riqueza nacional (PIB), o que faz que cada português deva em média à banca estrangeira mais de 10.000 euros. O endividamento dos portugueses levou a banca nacional a endividar-se, contraindo fundos ao estrangeiro, para satisfazer o forte apetite pelo crédito. Quer isto dizer que a dívida bancária, no montante de pouco mais de 158 mil milhões de euros, ultrapassava em 3,8% o PIB previsto para 2006, situação que “só não é preocupante porque os activos da banca nacional no estrangeiro levam a que o "saldo externo" da banca represente apenas metade (49,7%) do PIB português”. Nos últimos 12 meses (reportados a Novembro de 2006), a banca comercial portuguesa “teve de contratar mais de 16 mil milhões de euros — o equivalente a cerca de 10% do PIB — para colmatar a apetência interna por empréstimos (para o mesmo intervalo de tempo, os activos da banca aumentaram apenas mil milhões de euros)”. A dívida total das famílias, empresas — públicas e privadas — e do Estado ao estrangeiro somava 109 mil milhões de euros em Setembro ao ano passado, “não existindo sinais de abrandamento significativo pela corrida ao crédito”. Ora no meio de todo este quadro, porventura demasiado negro, como é possível que apareçam indicadores — um dos quais do ISEG — dando conta da recuperação da confiança dos portugueses na economia nacional. Com que base, e com que fundamentos lógicos, se podem chegar a tais resultados? Qual a credibilidade que se pode atribuir a um estudo que parece deliberadamente ignorar o aumento do desemprego, e a uma estimativa de aumento das taxas de juro de referência pelo BCE, com todas as implicações nos orçamentos das famílias e das empresas? Eu acho um absurdo a tudo isto. Faz-me lembrar aquela patética situação do “quanto mais me bates mais gosto de ti”. Realmente, ou não somos um país que possa ser levado a sério, porque se diverte enganando os autores daqueles estudos, ou então somos mais burros que um bloco de cimento. Das duas uma. Venha o diabo e escolha…
Luis Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 5 de Março 2007

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